Insustentabilidades veríssimas & a saudade
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Insustentabilidades veríssimas & a saudade

Eu vou indo, no vai dessa valsa trôpega, um compasso e meio e é nesse meio que eu me perco.

Randall Neto
3 min
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Eu vou indo, no vai dessa valsa trôpega, um compasso e meio e é nesse meio que eu me perco.

Se eu colocasse aspas no MEIO, perderia o duplo sentido.

E aí que eu faço um ponto de encontro improvável entre "A Insustentável Leveza do Ser" e "As Comédias da Vida Privada" - No caso, os programas de Televisão, que eram não eram melhores que as crônicas, com exceção de "Os Anchietanos".

Nada naquele livro do Kundera foi mais tocante pra mim que a rotina do carinha com o cachorro.

Esqueci o nome do personagem.

De todos os personagens daquele livro, lido em 87, eu tinha 14 anos e todos os medos do mundo, mas esqueci, a despeito de tê-lo relido depois, não me lembro quando, mas já em condições de entender melhor algumas coisas.

Esqueci o nome de quase todos os personagens, mas lembro do cachorro, Karenin.

Sensacional esse nome!

E a passagem que eu mais gosto, quando o Daniel Day-Lewis do livro vai na padaria e, na volta, joga um croissant pro Karenin, que vai tentando pegar, se enrola com a pata, o croissant "foge" e ele corre atrás, vai nessa coreografia até em casa... e o cara se maravilha com aquilo e meio que se decepciona com o fato dos seres humanos não se divertirem por tanto tempo com a mesma coisa...

Aí, muito tempo atrás eu achei no Youtube o episódio de "Comédias" com a Giulia Gam e o Antônio Fagundes, ele chega bebaço, rola um começo de treta, ele pede pra ela imitar o coelhinho, ela imita, ele pede de novo e ela se nega, ela se irrita, ele se ofende, exige coelhinho e aí VIRA RANDALL, quando justifica sua indignação:

- Eu nunca te neguei a imitação do Cauby!

Gente como eu se junta com gente que não só é contra fazer seus coelhinhos, como não liga pros meus Caubys... e eu, modéstia à parte, tenho um repertório inesgotável de Caubys!!!

O Duda viu a conversa depois que mostrei a cena pra mãe dele e pediu pra ela fazer coelhinho, ela fez e, como previsto, era um coelhinho incrível, pedi de novo e ela GiuliaGamzou.

Mas o Duda falou que sabia fazer coelhinho!

E fez.

Tantas vezes quantas eu pedi. Improvisou.

Fez jam sessions de coelhinhos.

Coelhinho transcendental.

Coelhinho tropicalista.

Coelhinho com a velha guarda da portela.

Coelhinho Acústico da MTV...

Estava eu e meu Karenin...

Já a Nina, me pedia TODOS OS DIAS, depois do banho, pra eu imitar o Chewbacca e o C3-P0 com o braço quebrado.

Ela, aos 3 anos, já tinha seu próprio Karenin...

E eu seguia.

Seguia morrendo de medo do dia em que iria acordar o Duda no domingo, com o sol nascendo, pra ele ir comigo na pelada, e ele dizendo que preferia continuar dormindo...

Hoje o meu medo de não dormir na mesma casa que eles tomou forma e eu aprendi a conviver.

Os medos mudam. E a insustentável dureza de ser pai precisa muito da leveza de uma comédia da vida privada do Veríssimo!