Como a beleza pode te ajudar a ser mais você
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Como a beleza pode te ajudar a ser mais você

Nós nos distraímos facilmente com as demandas do mundo.

Cris Resende
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Nós nos distraímos facilmente com as demandas do mundo.

O ser humano, todos nós, possuímos duas naturezas, uma fácil e visível aos sentidos, é a nossa natureza material. A outra mais difícil de ser compreendida na sua totalidade, pois não é visível aos nossos 5 sentidos, é a natureza conceitual.

Podemos fazer a analogia da cruz, a haste vertical, mais longa, representa a natureza conceitual. A haste mais curta, horizontal, é a nossa natureza material e no encontro destas duas hastes está o homem.

Vivemos a vida nos equilibrando entre estas duas hastes, que além de representar a nossa natureza, também representa os dois movimentos interiores que ocorrem dentro de nós a todo instante. Estamos sempre captando o mundo com os nossos sentidos (tato, visão, olfato, paladar, audição) e trazendo isto que captamos para o mundo dos conceitos, onde eles ganham os contornos de nossa interpretação.

Esse movimento pode ocorrer de forma consciente ou inconsciente, a depender da qualidade da natureza conceitual de cada um.

Existem pessoas que de alguma forma vivem somente reagindo aos estímulos horizontais da vida. Só conseguem enxergar e entender a vida através da matéria e passam a existência vendadas ao que acontece internamente. Muitas até mesmo pensam que pensam, mas na verdade, aquilo que está acontecendo internamente são somente estímulos e reações que ocorrem de maneira automática, são pensamentos que ficam na superfície, pois o contorno adquirido não vem de uma experiência profunda. Não refletem no que de fato está acontecendo, somente reagem à estímulos externos.

Essas pessoas enganam-se em achar que a respostas para seus questionamentos mais íntimos estará fora delas, no mundo, por isso buscam riquezas, beleza, alegria, sabedoria entre aqueles que estão mortos, ou seja, na manifestação material do ser, no que é temporário, esquecendo-se que as respostas para todos os questionamentos que têm já está dentro delas, mas a falta de costume em refletir profundamente as priva de encontrar essas respostas.

Se pararem para colocar planos no papel, por exemplo, não conseguem fazê-lo facilmente pois isso requer um interior ordenado, capaz de se expressar em níveis muito elevados. Esse colocar planos no papel não é um ato imediato para ninguém, sempre haverá algo no meio do caminho, que é o processo interior de todos nós. Ao se propor à fazer isso o nosso mundo interior aparece e isso é um tanto perturbador para a maioria das pessoas, pois elas passaram uma vida inteira alimentando somente a sua dimensão horizontal, material, procurando no mundo as respostas que não estão lá. Daí, na hora de se planejar, uma dificuldade, uma certa perturbação, aparece e assim acabam desistindo. Uma dispersão afetiva toma conta e somos levados à ignorar o assunto e fazer algo diferente. Esse é o movimento interior da desistência. E funciona assim em todos os casos, não somente para se colocar planos no papel.

Isso ocorre porque estamos apegados aos agitos do mundo, aos barulhos que ouvimos, às imagens que vemos, aos afetos desordenados que temos como referência por experiências anteriores e achamos que vão se repetir, mesmo em condições tão diversas. O triste é que a maioria das pessoas passarão a vida inteira assim, esse é o movimento que vai prevalecer, porque esse movimento é prevalente na impermanência, está em todo mundo, em todo o lugar, sem precisar fazer nenhum esforço, ele surge naturalmente da manifestação material.

Medite

Pare agora para meditar, feche os olhos e respire profundamente, tente ficar 2 minutos parado, sem pensar. Você notou a agitação, a vontade de não fazer, uma fantasia de que isso é muito profundo e não é pra você? Você notou a confusão? Essa confusão vem justamente do interior desordenado.

Existem formas de fazer com que esse período de parada, de tomada de consciência, de organização, de pensar na vida, seja útil e menos complicado. Existe uma maneira essencial de o fazer e sem isso, você não vai conseguir meditar, rezar, pensar em si mesmo, na sua vida, colocar planos no papel que é organizando-se internamente.

Não é algo fácil que vai acontecer da noite para o dia, pois apesar de ter a haste mais longa da cruz, a dimensão conceitual é mais complicada de ser captada, necessita esforço, mas só ela vai até a raiz dos problemas e traz respostas verdadeiras a todos os seus questionamentos.

Se você parar para pensar no significado da sua vida, verá que ela tem algo de profundo. Se quiser se planejar e que esse planejamento não venha de um lugar de confusão, de desordem, tem que fazer isso a partir do seu eu mais profundo e não da dimensão horizontal. E para que isso funcione vai ter que se exercitar, ir contra a natureza material do mundo e alimentar a parte superior do seu mundo interior. Alimentar a sua natureza vertical, sem abdicar da sua natureza horizontal. Esse exercício deve ser contínuo, tem que fazer esforço até que entre no piloto automático. Demanda prática e tempo.

Mas como se faz isso?

De maneira simples, através das suas escolhas.

Ao se expor a materialidade do mundo, escolha dar atenção às manifestações mais elevadas do ser humano. Expor-se à coisas belas, por exemplo, vai te ajudar a criar repertório para que quando feche os olhos ao meditar tenha imagens, belas como referência.

Para se entender a beleza, no entanto, se faz necessário entender que a beleza aqui, a qual me refiro é a beleza no seu conceito transcendental, ou seja, aquilo que o ser humano olha e o faz querer ser melhor, transcender a própria existência percebendo que existe algo maior do que si mesmo e isso desperta mecanismos dentro de nós que faz com que queiramos existir da melhor forma possível.

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Esse tipo de beleza se manifesta na natureza, que ao ser contemplada nos aproxima da nossa essência, pois nos coloca em contato direto, através  dos nossos sentidos, com aquilo que não foi poluído pelas manifestações mais temporais do homem. Principalmente na natureza selvagem podemos encontrar esses exemplos. Quanto menos o homem interveio, mais próximo esta paisagem estará da essência humana.

Os animais também nos trazem essa sensação de paz interior, talvez por isso os pets sejam tão queridos. Mas poder observar os animais selvagens nos seus habitats, como a majestade de um tigre, ou a calma de uma baleia azul, são certamente uma forma de aumentar esse repertório belo. Mas essas situações são bastante difíceis de acontecer. O que mais facilmente ocorre e poderia ser facilmente observado são os pássaros. Tanto em bando quanto sozinhos, sua observação tem comprovado efeito terapêutico que não somente embeleza a visão, mas o seu canto em liberdade pode ser traduzido em beleza facilmente.

Contemplar a natureza pode sim ajudar a aumentar o nosso repertório de beleza e ordenar o nosso movimento interior. E a boa nova é que o belo não se encontra somente na natureza, existem manifestações humana também ricas de sentido, ricas em beleza.

Belas Artes

A beleza também pode ser expressa através das mãos do homem, pelas Belas Artes. Entenda, Belas Artes são as manifestações mais elevadas da cultura humana. Por definição não é o que entendemos aqui no Brasil por popular, mas são frutos de uma cultura mais erudita, pois para exprimir a profundidade do ser, precisam de reunir determinadas características que transcendem a própria existência humana.

Como por exemplo, tomo emprestado os conceitos de São Tomás de Aquino que trata a beleza como uma expressão que reúne três categorias: 1 – integridade (ou perfeição); 2 – proporcionalidade (ou harmonia) 3 – clareza (brilho e esplendor).

Por integridade, entende-se que quanto mais algo expressa a noção de completude e a integridade de sua natureza, quanto menos lhe faltar para que seja plenamente aquilo que é, mais perfeita, mais bela será tal coisa.

A proporcionalidade e harmonia é o equilíbrio entre as diversas partes que compõe tal coisa. Elas são bem ordenadas para exprimir o fim que lhe seja próprio.

O seu terceiro atributo é a clareza, possui uma espécie de mensagem cristalina que causa impacto devido ao seu brilho, seu esplendor. O que é belo exibe um halo que coroa seu grau de perfeição e está de acordo com ele.

Esses índices explicados por São Tomás transcende o que achamos. A beleza é. Se achamos algo feio ou bonito, isso não quer dizer que falamos da beleza em si, mas sim, estamos emitindo um juízo de gosto que nada tem a ver com a beleza. O juízo de gosto e o conceito de beleza são comumente confundidos na nossa cultura atual. É uma das deformidades do mundo moderno.

A beleza que cura é a beleza que transcende o que achamos, não o juízo de gosto. Há propriedades em graus variáveis em tudo que nos cerca, mas o conteúdo da beleza transcende todos eles. O núcleo do pensamento não está no modo em que a beleza foi executada. Não é necessariamente a criação, a ação e o julgamento ativo, mas sim numa atitude passiva (sem ser pejorativa) de interesse desinteressado, de acolhimento de uma faceta do mundo, dos objetos, dos outros seres humanos, da natureza.

A beleza é uma manifestação radiante do bem, do justo, da ordem, que por sua vez a retro ilumina e que torna possível tanto vê-la, reconhecê-la, quanto ver o mundo ao seu redor e amplia-lo. Nos leva a relacionarmos com o mundo de modo distinto, pois temos que deixar de lado nosso apego à materialidade da experiência humana, tão presentes nos dia de hoje, para podermos experienciá-la plenamente.

A beleza é ago que nos faz querer sermos melhores, extrai de nós as nossas melhores versões, nos faz querer mudar e sermos essas melhores versões de nós mesmos. É por isso que ela é alimento essencial do nosso mundo interior superior, a haste vertical da nossa cruz.

Imagens belas, belos sons, belas ações, belos textos, natureza, ... tudo isso cria um repertório na nossa memória que nos ajuda a ordenar os nossos pensamentos em direção ao bem. Em direção à casa construída na rocha e não a casa construída sobre a areia, pois estamos alimentando aquilo que temos de mais profundo em nós mesmos, que não vai ruir com o primeiro vendaval.

Como exercitar a beleza no nosso dia a dia?

Precisamos de calma, da não agitação na mente, uma calma que possibilite dirigir os pensamentos à ordem. Paciência para apreender a ideia do começo ao fim sem se agitar ao menor sinal de dúvida. Duvidar é natural mas precisa ser controlado para que não te faça desistir, portanto, uma atitude de humildade se faz necessário. Essa calma só vem com o exercício e a pratica constante. É preciso esperar, mas não só esperar, mas esperar com calma.

Exponha-se periodicamente à beleza. Reserve alguns minutos do seu dia para contemplar coisas belas, seja uma paisagem, um pôr do sol, obras de arte, música erudita, ... Reserve um momento para te tirar da desordem do mundo e volte sua atenção para a paz da ordem. Com um olhar despretensioso, humilde, voltando-se internamente somente a observar.

Você pode folhear livros de arte também, lembrando que a beleza das obras deve obedecer à esse sentido transcendental da beleza. Muitos são os exemplos que fogem desse conceito e em nada contribuirão para despertar a ordem interna, ao invés de ajudar vão acabar confundindo, gerando dúvidas e mais desordem.

Leia os grandes clássicos da literatura, poesia, de preferência aqueles aclamados pelo tempo e que são comprovadamente bons. Conhecemos através das suas próprias histórias, da resistência ao tempo exemplos daquilo que verdadeiramente transmite beleza.

Escute música erudita, encontre os diferente sons dos instrumentos que pouco a pouco entram e fazem das músicas sinfonias. Faça uma lista das que mais te agradam e reserve um tempo para escutá-las. Música erudita não é música de fundo, é música feita para prestar atenção.

Procure encontrar a beleza presente nas coisas simples do cotidiano, uma folha seca que voa, o canto do pássaro, uma abelha que poliniza uma flor, o movimento das plantas os vento, o barulho da chuva, uma mesa bem posta, um prato colorido e abundante, ... a beleza está em todo lugar, precisamos treinar nosso olhar para encontrá-la.

A beleza está em todo lugar.
A beleza está em todo lugar.

Assim, pouco a pouco, dia após dia, você vai montando na mente um repertório ordenado, capaz de te servir de referência para o momento que precisar tomar decisões. Isso vai impactar sua vida profundamente desde que permita-se ser abraçado por algo tão estruturante quanto a beleza.

Isso vai alimentar a estrutura do seu mundo interior de tal maneira que quando você for meditar, quando precisar de momentos de calma, conseguirá se focar nisso. Quando precisar planejar a vida, colocar seus propósitos no papel, as referências estruturantes estarão ali e você vai poder encontrar coisas positivas, úteis, que façam sentido para você e te ajudarão à dar um significado positivo à própria experiência.

Quando não conseguimos fazer planos e nos organizar é sinal que a nossa parte superior do nosso mundo interior, que é a mais importante pois dali emerge a nossa estrutura, está atrofiada. Isso é reflexo de estarmos muito focados nas manifestações inferiores, na materialidade do nosso mundo interior, na nossa dimensão horizontal.

Somente nossa parte superior do nosso mundo interior que dá conta de resolver problemas, é ela que está na dianteira da nossa vida puxando toda a nossa materialidade. Por isso temos que treinar para não dar tanta atenção à parte inferior do nosso mundo interior, pois o mundo, da forma que se apresenta, da forma que o vivenciamos naturalmente nos chama a todo instante e capta a nossa atenção com muita facilidade pois é sensitivo, experimentamos ele com os sentidos, mas ao mesmo tempo é efêmero, muda a todo instante, assim como as opiniões.

Até mesmo a materialidade da arte captamos com os sentidos. Os objetos belos de uma maneira geral tornam-se existentes enquanto tais e conscientes de si através de nós, dos nossos sentidos. Somos nós mesmos o filtro que transforma a experiência da realidade em natureza, cultura, mundo. É por nós que as rochas, os pigmentos, sons e silêncios, palavras, atos, se tornam propriamente harmoniosos e não uma afirmação arbitrária de propriedades, um juízo de gosto.

Devemos dar significado à eles através da nossa vivência desses atributos ordenantes, que ajudarão à compor um ser melhor. É um jogo de apetites, das sensações e dos próprios juízos que se não estiverem ordenados não encontrarão a ordem, mas sim, mais desordem. A desordem tira a substância das coisas e faz com que não consigamos atingir os resultados que desejamos.

A ordem edifica e traz para dentro do nosso cotidiano uma progressão logica de acontecimentos que fazem com que realizemos nossas vontades de maneira sólida, positiva, com benefícios extensivos que transcendem a própria pessoa. Ela aponta para uma experiência fundamental na qual podemos apreender o real em seu ser, ou seja, na sua bondade, na sua verdade e, portanto, na sua beleza.

"Este mundo no qual vivemos precisa de beleza para não precipitar no desespero. A beleza, como a verdade, é o que infunde alegria no coração dos homens, é aquele fruto precioso que resiste ao desgaste do tempo, que une as gerações e as faz comunicar na admiração. E isto graças às vossas mãos... Recordai-vos que sois os guardiães da beleza no mundo"