Meritocracia polui a nossa mente?
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Meritocracia polui a nossa mente?

Meritocracia: Você está onde deveria?

Martin Fascio
4 min
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Meritocracia: Você está onde deveria?

O resultado da crença meritocrática em nossas mentes:

Quando ouvimos a palavra “meritocracia” pensamos imediatamente em significados bonitos e justos. A palavra “mérito” afinal indica um resultado, que por sua vez indica um processo para acontecer. O contraditório é que nem todo o processo é meritório, ou mesmo justo. Tanto para o enriquecimento e o “sucesso” quanto para a pobreza e o “fracasso”, existem resultados cujos processos estão longe de levar em conta os méritos pessoais.

Se você pensar em meritocracia em lugares como os Estados Unidos, onde ideias são financiadas e o crédito funciona por possibilidades, ou os países mais ricos da Europa, onde os mercados são maiores e mais organizados, a meritocracia pode parecer mais plausível, mesmo não sendo; Agora é só considerar o Brasil e os países da América Latina (mercados pequenos e repetitivos), ou os países asiáticos ricos (mercados saturados) e a meritocracia pode parecer quase caricata.

A meritocracia não é um sistema político, mas desde os tempos de Confúcio na antiga China ela é utilizada por quase todos os governos e poderosos como uma forma de justificativa lógica à riqueza, apresentando muitas vezes excessões como regras. Uma prova de que a meritocracia é apolítica é que ela atormenta as cabeças jovens na China comunista, que julga qualquer pessoa um fracasso se não estiver em posse do resultado meritocrático imeadiato (dinheiro), e também coloca as cabeças jovens da democracia brasileira em loucura, já que os que vencem por mérito próprio no Brasil viram mais história motivacional do que estatística.

Para falarmos apenas do Brasil, que serve de exemplo do que acontece na maioria dos países, onde a meritocracia é retratada como riqueza e reconhecimento aos justos, e pobreza e anonimato para os fracassados, quase metade dos deputados na Câmara de Brasília tem parentes políticos, e no Senado brasileiro 60% tem parentes políticos bem sucedidos. É muito lógico que a política é a primeira a manchar os ideais de uma meritocracia justa. Oportunidades não são distribuídas igualmente, nem poderiam. O que não é lógico é exibir a meritocracia como justificativa do fracasso e do sucesso pessoal, nem nosso nem de ninguém.

Uma coisa que a “meritocracia” moderna ignora totalmente, é que muitas vezes os méritos sociais são passados por famílias e gerações anteriores, círculos sociais e vantagem geo-política. Nesse caso, a meritocracia justifica muitas vezes a pobreza e a riqueza, o sucesso e o fracasso, que acontece com grande influência de desigualdade ou oportunismo.

O problema da meritocracia enquanto crença em nossa psiquê é que ela nos deixa num estado de terror latente, que é responsável muitas vezes por transtornos de ansiedade aguda e vergonha social. Outro problema clássico de achar que sucesso e fracasso são medidos imediatamente pelo dinheiro, e que isso é justificável por mérito, é a procrastinação. Simplesmente porque se formos fazer algo cujo resultado pode não dar um retorno financeiro imediato, ou que seja cercado de dificuldades no caminho, percebemos como risco de nos humilhar e condenar à pobreza e ao fracasso na crença social (e de nós mesmos). Para a mente ansiosa é melhor nem começar, ou fazer aos poucos, à passos lentos o suficiente para que a desmotivação quebre o ritmo antes do “fracasso”. É mais fácil se tolerar desmotivado do que “fracassado”.

A meritocracia não tem substitutos melhores ainda e continua sendo melhor que o “direito divino” do Rei ou a aristocracia do passado. Ela é uma utopia que tem o lado positivo de produzir excessões de sucesso e a possibilitar enriquecimento por investimento e sacrifício pessoal para muita gente; “muita gente” é termo pequeno perto de “todos”. O lado ruim e inevitável aparece quando ela se transforma na crença de que sucesso e fracasso tem a causa única e exclusiva dos méritos pessoais, e que o resultado meritório é dinheiro imediato ou popularidade.

Não podemos justificar o fracasso, nem queremos, porque não nos programamos para fracassar. Tampouco podemos achar que o esforço e o mérito pessoal não mudem vidas e destinos, mas sem o entendimento de que muitas vezes a vida e os resultados são injustos, tanto para o bem quanto para o mal, tendemos ao risco óbvio de cair na procrastinação, na ansiedade e no medo social; coisas que nos impedem de tentar, errar e investir mesmo sem sucessos imediatos, e nos tornam vulneráveis à uma sociedade de crítica cruel, que condecora quem tem poder e pune quem não o tem, sem para isso olhar eticamente para os processos que geram os resultados.