O planeta tem uma camada de proteção, que mantém ele numa temperatura ideal pra abrigar os seres humanos. Ou seja, a gente vive numa estufa, ou, dependendo do ponto de vista, também somos insetos num terrarário. O problema é que a gente não s...
O planeta tem uma redoma de proteção, que o mantém numa temperatura ideal pra abrigar vida. Ou seja, a gente vive numa estufa — que, inclusive, tá esquentando a cada ano, o famoso efeito estufa. | ||
Essa camada de proteção se chama atmosfera. Ela abriga essa mistura de nitrogênio, oxigênio, gás carbônico e argônio que a gente chama simplesmente de ar. | ||
Outro dia vi esse ar se movimentando de forma muito revoltosa. Para alguns, era vento. Para outros, Iansã. Foi durante o último trabalho de ayahuasca que eu participei, com minha amiga Diana. A gente tava em Taubaté, numa chácara onde tinha um bambuzal enorme, que dançava como uma bailarina por conta da lufada que atingiu todo mundo. | ||
O vento é uma presença impossível de não ser notada. | ||
Enquanto ele tava lá, chacoalhando as folhas, cerrando os olhos das pessoas e revoando as saias, eu fiquei pensando nessa presença invisível. | ||
Geralmente, gosto de fazer os trabalhos de ayahuasca com uma venda, porque fico muito sensível à luz e não consigo me concentrar direito, uma vela já parece uma agressão. Então, é comum que eu passe parte da experiência sem enxergar nada. Com os olhos. | ||
Como quando, sentado perto da fogueira, eu comecei a sentir o calor do fogo aquecendo minha pele e dissipando o frio que eu tava sentindo. É fascinante como o calor é transferido daquelas chamas direto pra minha pele sem que eu nem toque nele. A ponte que liga essas duas margens não é nada além de ar. Não é nada, mas é tudo. | ||
Em outro momento, uma defumação indaviu minhas narinas. Percebi que alguém abanava a fumaça do defumador, e, mesmo vendado, soube que deveria abrir os braços como se estivesse recebendo uma benção. E estava. Para várias culturas, a fumaça da defumação tem o poder de carregar tudo que é ruim e dissipar isso no espaço. Defumação é purificação. Defumação é ar. | ||
Quando senti o cheiro da defumação lembrei que recentemente tinha visto um Globo Repórter sobre aromaterapia e fiquei pensando "como é que pode as pessoas se curarem através do cheiro?". Cheiro. Aroma. Fragrância. Tudo isso é ar. E qualquer um que já tenha esfregado essência de qualquer erva nas mãos sabe que aquilo tem poder. | ||
Fico pensando como seria fazer um curso de aromoterapia em Marte, já que o planeta vermelho não tem atmosfera, assim como todos os outros planetas conhecidos. As aulas teriam que ser canceladas por falta de clima. Risos. Me senti o José Simão agora... Enfim, simplesmente não existe em nenhum outro lugar do Universo um planeta que tenha esse conceito de "cheiro" — não do jeito que a gente conhece, pelo menos. | ||
Só a Terra tem atmosfera. Só a Terra tem cheiro. E é muito doido pensar que a gente só teve condição de existir, e de desenvolver consciência, porque um dia uma camada de gases foi atraída pela gravidade da Terra e resolveu ficar lá esperando a vida acontecer... Até começar a ser destruída pelos próprios seres humanos. | ||
Vê se não é muita burrice a gente viver num sistema cuja base de funcionamento está na destruição daquilo que nos protege. Uns chamam de capitalismo. Outros chamam de suicídio. | ||
Essa camada de gás que nos aquece, nos purifica e nos cura é simplesmente ar. Acho que é isso o que os hinduístas chamam de Prāna, e que os praticantes de religiões de matriz africana chamam de Axé. Porque quando a gente respira fundo e solta o ar devagar, a gente regula o batimento do nosso coração. E se a gente fica parado e deixa ele batendo bem devagar, a gente entra numa frequência que transcende a compreensão. A gente encontra Deus, ou Deusa, ou Deuse... A gente encontra a gente mesmo. | ||
Até estar sentado naquela fogueira de olhos vendados, eu nunca tinha parado para pensar no ar dessa forma tão graciosa. Nunca fui tão grato por existir uma redoma de gás que protege a minha casa, o planeta Terra. Tão grato por não respirar enxofre. Tão grato por não morar em Marte. | ||
Mas o ar nem sempre é tão gracioso assim. | ||
Pra ser sincero, eu não ia trazer nenhuma conclusão nesse texto. A ideia era só fazer uma reflexão abstrata sobre o vento e acabar com uma frase bonita. Mas bem no dia que tô finalizando ele, assisti ao último episódio da primeira temporada de The Morning Show, uma série sobre os bastidores de um programa de TV na era do Me Too, com Reese Witherspoon e a Jennifer Anniston. E eu amo as séries da Reese Witherspoon! | ||
Na primeira cena desse episódio, um jornalista do tempo fala por que o El Niño tem esse nome. E ele explica que é porque, em determinada época do ano, as águas do lirotal do Peru esquentam e as anchovas que vivem lá morrem de calor. Essa água vem das zonas equatoriais que vai esquentando, esquentando até chegar no Peru ardendo. Com a morte das anchovas, todos os animais da cadeia alimentar também acabam morrendo, desequilibrando completamente todo o ciclo biológico e econômico. | ||
Isso acontece sempre na época do natal, por isso os pescadores peruanos batizaram o fenômeno de "El Niño de Navidad" (ou "O Menino do Natal"). Um nome fofo pra algo destruidor. | ||
E aí o jornalista do tempo fala: | ||
É uma coisa que parece insignificante. Ventos que aquecem demais a água para um peixinho viver. Mas não é. É o precursor de algo que tira tudo dos eixos. Secas inundações, tempestades, grandes eventos globais. Mas não tem como impedir o vento de soprar. Então, o que a gente faz quando as anchovas boiam de barriga para cima? Você toca o barco e se prepara porque vem merda. | ||
É um conselho bem útil... | ||
Agora, se algo tão insignificante como um ventinho pode desregular os ciclos do planeta, imagina o que esse mesmo ar não pode fazer pela gente, pelo nosso corpo e pela nossa alma. | ||
É verdade que nem sempre os ventos vão ser bons, mas vale lembrar que a nossa força é feita exatamente do mesmo material que pode derrubar a gente. O ar que nos rodeia tá aí pra lembrar. Quem concorda, respira. | ||
Eu não vou nem dizer que não tem a mínima possibilidade de não afundar a urna eletrônica apertando 13 nesse domingo. Vou apertar com tanta força que os chineses vão conseguir ouvir o barulhinho de confirmação. Você que chegou até aqui também, né, pelamordadeusa... | ||
Outro dia um cara veio me xavecar e disse que era bolsonarista. Que belo xaveco... Nunca tinha cruzado com uma gay bolsonarista. Fiquei verdadeiramente curioso pra saber o que pensa a gay que acha uma boa ideia votar no cara cuja base de pensamento inclui conceitos fictícios como "ideologia de gênero". Conclui que talvez ele ache que o mundo se resuma às experiências dele. Parecia ser incapaz de enxergar um palmo na frente do umbigo. "Os números da economia estão bons". Sério, bixo, com 30 MILHÕES DE PESSOAS ROENDO OSSO? | ||
Enfim, nem vou começar... Respira! Mas é 13 na urna, gente. | ||
Fazia tempo que não escrevia sobre os trabalhos com ayahuasca aqui. Quer dizer, eu sempre acabo escrevendo alguma ideia ou outra que me ocorreu duranta a experiência, mas fazia tempo que eu não camuflava. | ||
Adoro poder compartilhar isso, foi justamente por isso que a PunkYoga nasceu. | ||
Obrigado por me acompanhar até aqui. Se quiser trocar aquela ideia, responde esse e-mail. Ou me acha lá no insta. | ||
Vai pela sombra e fica na paz de Bowie. | ||
Com amor y anarquia, | ||
Nathan | ||
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