Eu entrei dentro de um yantra. Foi durante o retiro de Maha Shivaratri, que rolou nos dias do carnaval desse ano. Enquanto todo mundo tava cheio de glitter e catuaba, eu tava recitando mantras em posição de lótus. Foi uma escolha difícil, con...
"Fora de tal caos, de tanta contradição, aprendemos que não somos nem demônios nem divinos" | ||
Eu entrei dentro de um yantra. Foi durante o retiro de Maha Shivaratri, que rolou nos dias do carnaval desse ano. Enquanto todo mundo tava cheio de glitter e catuaba, eu tava recitando mantras em posição de lótus. Foi uma escolha difícil, confesso, e até doía a coluna algumas horas, mas não me arrependo. | ||
Uma das atividades do retiro consistia em pintar um yantra, que é uma figura geométrica usada como ferramenta de contemplação e concentração. Tipo, você medita olhando pro desenho e, assim, sintoniza com a energia dele. É um mantra visual. É como se, ao olhar pra ele, você se debruçasse sobre uma janela aberta para o grande mistério das coisas. | ||
Eu tava pintando mais especificamente o Sri Yantra, que representa o cosmos e o corpo. É um yantra formado por nove triângulos, que se entrelaçam entre si. No meio, tem um pontículo minúsculo conhecido como bindu, de onde os hindus acreditam que toda a energia é emanada, e onde é possível se conectar com o divino. | ||
Tira um minuto pra meditar nessa imagem, sério: | ||
Assim como os mantras (que são falados), os yantras nos colocam em uma vibração específica, direcionando nossa mente para o momento presente. Só isso explica o fato de eu ter caído tão fundo dentro do desenho. | ||
Durante a pintura, eu me concentrei tanto que fui percebendo alguns padrões de comportamento que eu tenho. Tipo, comecei pintando as bordas, depois passei pro meio, e só depois eu voltei pras bordas pra terminar. | ||
Eu me toquei que faço isso com tudo na vida: começo uma coisa e, antes de concluir, já tô atropelando tudo pra só depois voltar e terminar o que eu comecei. Entrei num processão pensando nisso. | ||
Essa newsletter, por exemplo, é um corte de espada nesse padrão. É um esforço consciente que eu faço pra começar e manter uma coisa sem atropelos. Só Shiva sabe os recordes de regularidade que eu bati ao escrever essa décima nona edição — desconsiderando, claro, algumas edições que eu pulei, afinal, eu não disse que tinha alcançado a iluminação. | ||
Os yantras deram um up no fascínio que eu sempre senti por formas geométricas. Não só eu, aliás, o ser humano é atraído por simetrias e padrões. Porra, olha uma alcachofra e diz se você não fica fascinado. Outro dia, o Felipe, meu amor, me deu uma concha com um buraco no meio. E o buraco era um hexágono perfeito. | ||
Impossível não pensar que a inteligência que rege o Universo manja muito de matemática. Alcachofras são perfeitas demais pra serem aleatórias. | ||
Os caras já achavam isso lá na Grécia antiga. Pitágoras, aquele do teorema, já dizia que a natureza era essencialmente matemática. Segundo ele, o trabalho dos filósofos era entender a estrutura numérica que forma o mundo. | ||
Essa ideia de encontrar uma unificação universal foi bastante recorrente ao longo da história. Tem um trecho do livroO Fantasma de da Vinci, do jornalista Toby Lester, em que ele reflete sobre a ideia do Homem Vitrunviano. Ele escreve: | ||
Em um nível superficial, o Homem Vitrunviano é um estudo simples das proporções individuais. Mas também é algo muito mais sutil e complexo. É um ato profundo de especulação filosófica. É um retrato idealizado no qual Leonardo se despe de sua essência, tira suas próprias medidas e, ao fazer isso, incorpora uma esperança humana atemporal: a de que talvez tenhamos a capacidade de descobrir como nos encaixamos no grande esquema das coisas. | ||
É isso que eu e o André discutimos na terceira edição do podcast Brisas Cósmicas — o ideal seria já ter o link aqui pra passar, mas atrasamos um pouquinho, produção independente é assim, né gente. (Mas dá pra conferir os outros episódios aqui.) | ||
Falamos de como essa ideia de desvendar a geometria do cosmos acabou virando a busca pela famosa Teoria de Tudo. Essa ideia de que, por debaixo do caos do mundo, existe uma ordem. Ou como disse o Stephen Hawking, emUma Breve História do Tempo: | ||
Se conseguirmos apresentar uma teoria unificada da natureza estaremos vislumbrando a mente de Deus. | ||
É a mesma ideia do véu de Maya. Segundo esse conceito do hinduísmo, a realidade que a gente conhece não passa de uma Grande Ilusão. É só quando a gente retira o véu que encobre essa ilusão, o véu de Maya, que a gente consegue contemplar a realidade como ela é. | ||
Tipo, quando você percebe que todos os seus amigos estão combinando um rolê sem você, e você fica muito chateado, até chega a tratar mal alguns deles. Mas aí descobre que, na verdade, todos estavam organizando uma festa surpresa. Só depois de saber a verdade, você tem clareza total sobre a situação. Até lá, sua cabeça fica inventando mil cenários de traição e dor. E isso acontece com frequência nos mais diversos contextos. Quem é ciumento sabe. | ||
Seguindo essa ideia indiana, ao retirar o véu, o que os cientistas encontrariam seria então essa clareza total, essa estrutura perfeita que mantém o cosmos e dissolve as ilusões. | ||
O físico Marcelo Gleiser escreveu literalmente isso, nessa resenha do livro A Beautiful Question, do nobel de física Frank Wilczek. | ||
O livro é um manifesto apaixonado, uma "meditação" na qual a busca pela unificação das forças da Natureza (...) só será alcançada quando for encontrada a simetria-mãe, que se esconde, sorrateira, sob o véu da realidade que percebemos. | ||
Mas, apesar de reconhecer essa ideia, mais pra frente o Gleiser se pergunta: e se o que tiver por de baixo do véu não for uma simetria-mãe? E se não for uma coisa tão perfeita assim? | ||
Na verdade, ele escreveu um livro inteiro respondendo essas dúvidas. E aí minha crença na geometria ficou bastante comprometida. É sobre isso que eu vou falar na carta da semana que vem... | ||
Mas até lá, me diz: você acredita numa Teoria de Tudo, uma ordem que estaria por baixo do caos do mundo? | ||
O que eu tô ouvindo: | ||
Tava todo mundo largado na praia quando a Pasqui colocou o Tinariwen pra tocar. Ela disse que era uma banda do deserto do Saara. Nem precisou falar mais nada. | ||
Já no começo, quando eles começaram a cantar, parecia que tinham colocado uma máquina de teletransporte na minha frente. Na hora, o mar secou e eu me vi naquele cenário alaranjado e estéril. Achei um efeito poderoso. | ||
Foi com essa música aqui, que diz o seguinte, num dos versos, em tuareg: | ||
Os ideais do povo foram vendidos abaixo do preço, meus amigos / Uma paz imposta pela força está fadada ao fracasso / E dá lugar ao ódio | ||
Só depois fui descobrir que Tinariwen significa “espaço vazio”, ou “deserto”, e que os caras são mesmo do Saara —mais especificamente do Mali, no norte da África— e que eles já lutaram no exército líbio. Um dia, eles conheceram uns músicos franceses e, desde 2001, fazem sucesso nos outros países. Já tocaram até com os caras do Red Hot Chilli Peppers. Tá tudo bem explicado aqui. | ||
Isso me faz querer saber sobre todas as outras bandas de lá que não conseguem gravar um disco e colocar no Spotify. Imagina o tanto de miragem que não se esconde na areia. | ||
O Oráculo do Bowie, um conselho pra semana: | ||
Interessante esse Ás de Paus, do Starman Tarot, sair no finzinho do ano. Ele traz a energia do fogo e toda a potência criativa que vem junto com as chamas. É como aquele último gás pra começar o próximo ano de boa. | ||
Na representação da carta, esse pedaço de tronco vem de uma grande Árvore Mãe. Suas raízes são ligadas com as raízes de milhares de outras árvores que dão força pra explosão criativa acontecer. Afinal, fazemos parte de uma grande rede, né, nunca estamos de fato sozinhos. | ||
Segundo o Angelis: | ||
A carta indica um forte senso de crença em si mesmo, auto estima e visão do momento ou do futuro próximo. | ||
Mas a gente deve direcionar toda essa força pra algo realmente útil, se não o fogo perde o controle e a gente não vai saber onde isso pode estourar. Talvez, seja bom tirar um tempinho pra rever os planos, arrumar as coisas e deixar tudo certinho pra que esses fogos de artifício desenhem o que a gente quer no céu. | ||
Obrigado mais uma vez a todo mundo que tem acompanhado as cartas. É sempre bom quando a gente caminha acompanhado. | ||
Como sempre, se quiser continuar o papo, é só responder esse email, ou me encontrar lá no Insta ou no Twitter. | ||
Vai pela sombra e fica na paz de Bowie. | ||
Com amor, | ||
Nathan | ||
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