PunkYoga #21: Vinho bosta e vinho das almas
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PunkYoga #21: Vinho bosta e vinho das almas

Eu tenho um passado sombrio: no ensino médio, me formei técnico em química. Mas, assim como minha heterossexualidade na época, essa formação era pura falta de noção da realidade. Eu já queria ser jornalista — apesar de não ter apoio, essas co...

Nathan Fernandes09/09/2022
7 min
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"A vida não deveria ser uma jornada rumo ao túmulo com a intenção de chegar são e salvo, em um corpo bem preservado, mas, sim, de chegar derrapando em uma nuvem de fumaça, totalmente gasto e berrando 'Uau! Que viagem!'"

Eu tenho um passado sombrio: no ensino médio, me formei técnico em química. Mas, assim como minha heterossexualidade na época, essa formação era pura falta de noção da realidade. Eu já queria ser jornalista — apesar de não ter apoio, essas coisas..

Decidi fazer jornalismo porque curto música. Antes mesmo da faculdade, eu adorava ir pro Street Rock, beber vinho bosta e interpretar uma versão Capão Redondo do Jim Morrisson. Nessa época, eu já tinha um blog, fazia os textos de apresentação das bandas dos meus amigos e tinha até uma COLUNA semanal no Zona Punk — não sei como o Wlad deixou, mas deixou. 

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Depois comecei a fazer os textos da minha própria banda. Também comecei a compor. E isso foi na mesma época que saiu a Rolling Stone aqui no Brasil. Pra mim, parecia óbvio, depois de assistir Quase Famosos, que eu ia fazer jornalismo e trabalhar na revista. Trabalhei na Playboy, na Galileu, na Veja e até em Portugal. Mas nunca fiz nem um frila pra Rolling Stone. 

Não posso dizer que sou frustrado, porque, porra... Eu seria um imbecil se não sentisse orgulho das coisas que fiz. Mas confesso que essa vontade de ser o Lester Bangs nunca morreu. 

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Corta pra 2020: em vez de vinho bosta, minha versão sênior bebe ayahuasca. E eu descobri que a música é muito mais do que ego inflado e calça de couro. É óbvio que eu continuo com um pé na lata em que o Sid Vicious vomitou a bile, isso não parece que vai mudar, mas ampliei bastante meu repertório. Por isso, sou feliz demais por ter feito essa matéria do UOL sobre a importância da música pro movimento do neoxamanismo. Um ápice do estou-ganhando-dinheiro-pra-estudar-sobre-coisas-que-eu-gosto. 

E aí que, uns meses atrás, umas amigas começaram a organizar uma espécie de retiro urbano, com palestras sobre psicodélicos, aulas de Kundalini Yoga e uma porrada de banda de música de rezo, que são bandas que trabalham com as vibrações da nossa mente através da música. E elas me convidaram pra ser O APRESENTADOR DO EVENTO. É o Festival Vozes de Gaya, que vai rolar em fevereiro

Eu me senti explodindo de honra, claro. E, além de apresentar, também fiquei de fazer os textos das bandas que vão tocar. Entrevistei todo mundo, já escrevi o primeiro texto e lembrei de quando eu nem era jornalista e já fazia isso. Eu não trabalho exclusivamente com música, talvez nunca trabalhe, mas a música sempre encontra um jeito de se enfiar nas coisas que eu faço. E, pô, isso é lindo. Eu não preciso ser o Lester Bangs pra fazer um bagulho que me dá prazer. E estranhamente as coisas sempre vão se alinhando com o meu propósito, mesmo que de um jeito completamente diferente do que eu tinha imaginado.

Enfim  enxugando uma lagriminha aqui —, toda essa história só pra falar que é justamente esse primeiro texto feito que eu vou compartilhar aqui, antes mesmo de mostrar pro pessoal do festival. 

É sobre a banda Semente Cristal, que eu virei fã depois que passei uns quatro dias acordando com o mantra que eles fizeram pra Shiva, no retiro do Maha Shivaratri (sobre o qual eu escrevi um pouco aqui). Sério, essa música conseguiu a façanha de me fazer acordar com uma disposição e um bom humor insuportáveis às 7 da manhã.

Foi incrível conversar com a Vânia, ou Gian Soorya Kaur, e entender um pouco mais sobre Kundalini Yoga, a tradição sikh e o Sincronário da Paz. O texto é breve, porque tem que ser, mas espero que vocês consigam perceber o prazer que foi escrever ele. 


O universo sem fim da Semente Cristal

Quando tinha 11 anos, Guru Nanak promoveu uma pequena rebelião, ao se recusar a usar o cordão sagrado que os garotos de sua idade usavam para distinguir a casta hindu da qual pertenciam. Para o pequeno mestre, as pessoas deveriam ser reconhecidas por suas ações e qualidades, não por um objeto. Esse ensinamento é uma das bases do sikhismo, religião indiana que faz uma ponte entre o hinduísmo e o islamismo, fundada por Guru Nanak, no século 15.

Explorar o universo de dentro, em vez do de fora, também é a mensagem da banda Semente Cristal, que dedicou seu mais recente trabalho, “Wahe Guru”, aos poderosos mantras da tradição sikh. “Acreditamos que todos aqueles que se colocam a serviço de sua alma tornam-se curadores de si mesmos”, diz Gian Soorya Kaur, fundadora do grupo ao lado de Adriano Surya Prem Nath, poeta e compositor desde criança.

O universo da Semente Cristal é infinito. Além do sikhismo, o interesse pelo Kundalini Yoga se mistura ao sadhana (“prática espiritual diária”), que, no caso dos músicos, consiste em meditação e yoga, praticada também pelo sitarista Fábio Kidesh — um dos pioneiros nos estudos da música clássica indiana no Brasil.

Para Gian Soorya, o sadhana é importante porque traz disciplina e desenvolve a mente meditativa: é a chave para o refinamento. “Se você tem muitas crenças e nenhum sadhana, como está realmente mudando?”, questiona.

O grupo ainda orbita conhecimentos tão ancestrais quanto os da umbanda e os do xamanismo, trazidos pelo percussionista Caio Oliveira e o baixista Rafael Moreno. “Todos nós somos envolvidos no compromisso de refinar o nosso Ser”, aponta Gian.

Além disso, desde antes do surgimento da banda, em 2008, os fundadores já eram impactados pela energia do Sincronário da Paz, um sistema de contagem de tempo que também é uma ferramenta de ampliação da consciência [sobre o qual eu escrevi nessa edição, com o link pra calculadora que calcula o seu kin pessoal e te faz pensar "que porra de bruxaria é essa?].

“Esse conhecimento, legado dos nossos ancestrais maias, nos fez compreender o pulsar de energia que recebemos cada dia”, explica Gian. “Por exemplo, se o kin do dia é o cachorro, então minha mente compreende que, neste dia, eu posso me abrir mais à amorosidade, atuar no campo da lealdade. As situações vão estar estar propícias para isso.”

O próprio nome da banda tem influência do sincronário, já que “semente cristal” é um kin, que representa o propósito de comunicação e cooperação para florescer uma nova consciência no Planeta Terra.

Foi essa busca por uma consciência livre que também levou Gian a se tornar professora de Kundalini Yoga, prática que ela vê como “uma tecnologia que conecta o ser finito com o infinito, uma prática espiritual que tem o propósito de acalmar as funções mentais, de modo que possa emergir uma percepção clara do que é real e do que é falso”.

Todo esse universo em expansão do grupo se contrai em um único ponto do espaço-tempo na presença das plantas professoras. “A Ayahuasca chegou em nossas vidas para chancelar o conhecimento que já tínhamos. Ela trouxe esse refinamento total do caminho”, explica Gian, mostrando que, assim como seu próprio universo, os caminhos para o conhecimento também são infinitos.


Não sei se vocês perceberam, mas a diferença entre o tom do texto e o da newsletter é gritante. Acho engraçado perceber isso, porque mostra quão complexo pode ser escrever.

 Acho que eu tô muito romântico em relação ao jornalismo. Vou parar de escrever antes que eu aparente ter 97 anos.  

Essa semana, não vou tirar o Starman Tarot, porque tô com preguiça, já escrevi demais e não quero cansar a sexta-feira de vocês. 

Já fiz uma puta salada na edição de hoje, mas pra mim foi engraçado relembrar tudo isso. Escrever é terapêutico, né. E olha eu sendo romântico de novo...

Um abraço do tamanho do Sol pra você que chegou até o rodapé. Se animar de ir no festival ou quiser me dar um oi, é só responder esse email, ou me achar lá no Twitter e no Insta

Vai pela sombra e fica na paz de Bowie.

Com amor, 

Nathan

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