Eu tenho um passado sombrio: no ensino médio, me formei técnico em química. Mas, assim como minha heterossexualidade na época, essa formação era pura falta de noção da realidade. Eu já queria ser jornalista — apesar de não ter apoio, essas co...
"A vida não deveria ser uma jornada rumo ao túmulo com a intenção de chegar são e salvo, em um corpo bem preservado, mas, sim, de chegar derrapando em uma nuvem de fumaça, totalmente gasto e berrando 'Uau! Que viagem!'" | ||
Eu tenho um passado sombrio: no ensino médio, me formei técnico em química. Mas, assim como minha heterossexualidade na época, essa formação era pura falta de noção da realidade. Eu já queria ser jornalista — apesar de não ter apoio, essas coisas... | ||
Decidi fazer jornalismo porque curto música. Antes mesmo da faculdade, eu adorava ir pro Street Rock, beber vinho bosta e interpretar uma versão Capão Redondo do Jim Morrisson. Nessa época, eu já tinha um blog, fazia os textos de apresentação das bandas dos meus amigos e tinha até uma COLUNA semanal no Zona Punk — não sei como o Wlad deixou, mas deixou. | ||
Depois comecei a fazer os textos da minha própria banda. Também comecei a compor. E isso foi na mesma época que saiu a Rolling Stone aqui no Brasil. Pra mim, parecia óbvio, depois de assistir Quase Famosos, que eu ia fazer jornalismo e trabalhar na revista. Trabalhei na Playboy, na Galileu, na Veja e até em Portugal. Mas nunca fiz nem um frila pra Rolling Stone. | ||
Não posso dizer que sou frustrado, porque, porra... Eu seria um imbecil se não sentisse orgulho das coisas que fiz. Mas confesso que essa vontade de ser o Lester Bangs nunca morreu. | ||
Corta pra 2020: em vez de vinho bosta, minha versão sênior bebe ayahuasca. E eu descobri que a música é muito mais do que ego inflado e calça de couro. É óbvio que eu continuo com um pé na lata em que o Sid Vicious vomitou a bile, isso não parece que vai mudar, mas ampliei bastante meu repertório. Por isso, sou feliz demais por ter feito essa matéria do UOL sobre a importância da música pro movimento do neoxamanismo. Um ápice do estou-ganhando-dinheiro-pra-estudar-sobre-coisas-que-eu-gosto. | ||
E aí que, uns meses atrás, umas amigas começaram a organizar uma espécie de retiro urbano, com palestras sobre psicodélicos, aulas de Kundalini Yoga e uma porrada de banda de música de rezo, que são bandas que trabalham com as vibrações da nossa mente através da música. E elas me convidaram pra ser O APRESENTADOR DO EVENTO. É o Festival Vozes de Gaya, que vai rolar em fevereiro. | ||
Eu me senti explodindo de honra, claro. E, além de apresentar, também fiquei de fazer os textos das bandas que vão tocar. Entrevistei todo mundo, já escrevi o primeiro texto e lembrei de quando eu nem era jornalista e já fazia isso. Eu não trabalho exclusivamente com música, talvez nunca trabalhe, mas a música sempre encontra um jeito de se enfiar nas coisas que eu faço. E, pô, isso é lindo. Eu não preciso ser o Lester Bangs pra fazer um bagulho que me dá prazer. E estranhamente as coisas sempre vão se alinhando com o meu propósito, mesmo que de um jeito completamente diferente do que eu tinha imaginado. | ||
Enfim — enxugando uma lagriminha aqui —, toda essa história só pra falar que é justamente esse primeiro texto feito que eu vou compartilhar aqui, antes mesmo de mostrar pro pessoal do festival. | ||
É sobre a banda Semente Cristal, que eu virei fã depois que passei uns quatro dias acordando com o mantra que eles fizeram pra Shiva, no retiro do Maha Shivaratri (sobre o qual eu escrevi um pouco aqui). Sério, essa música conseguiu a façanha de me fazer acordar com uma disposição e um bom humor insuportáveis às 7 da manhã. | ||
Foi incrível conversar com a Vânia, ou Gian Soorya Kaur, e entender um pouco mais sobre Kundalini Yoga, a tradição sikh e o Sincronário da Paz. O texto é breve, porque tem que ser, mas espero que vocês consigam perceber o prazer que foi escrever ele. | ||
O universo sem fim da Semente Cristal | ||
Quando tinha 11 anos, Guru Nanak promoveu uma pequena rebelião, ao se recusar a usar o cordão sagrado que os garotos de sua idade usavam para distinguir a casta hindu da qual pertenciam. Para o pequeno mestre, as pessoas deveriam ser reconhecidas por suas ações e qualidades, não por um objeto. Esse ensinamento é uma das bases do sikhismo, religião indiana que faz uma ponte entre o hinduísmo e o islamismo, fundada por Guru Nanak, no século 15. | ||
Explorar o universo de dentro, em vez do de fora, também é a mensagem da banda Semente Cristal, que dedicou seu mais recente trabalho, “Wahe Guru”, aos poderosos mantras da tradição sikh. “Acreditamos que todos aqueles que se colocam a serviço de sua alma tornam-se curadores de si mesmos”, diz Gian Soorya Kaur, fundadora do grupo ao lado de Adriano Surya Prem Nath, poeta e compositor desde criança. | ||
O universo da Semente Cristal é infinito. Além do sikhismo, o interesse pelo Kundalini Yoga se mistura ao sadhana (“prática espiritual diária”), que, no caso dos músicos, consiste em meditação e yoga, praticada também pelo sitarista Fábio Kidesh — um dos pioneiros nos estudos da música clássica indiana no Brasil. | ||
Para Gian Soorya, o sadhana é importante porque traz disciplina e desenvolve a mente meditativa: é a chave para o refinamento. “Se você tem muitas crenças e nenhum sadhana, como está realmente mudando?”, questiona. | ||
O grupo ainda orbita conhecimentos tão ancestrais quanto os da umbanda e os do xamanismo, trazidos pelo percussionista Caio Oliveira e o baixista Rafael Moreno. “Todos nós somos envolvidos no compromisso de refinar o nosso Ser”, aponta Gian. | ||
Além disso, desde antes do surgimento da banda, em 2008, os fundadores já eram impactados pela energia do Sincronário da Paz, um sistema de contagem de tempo que também é uma ferramenta de ampliação da consciência [sobre o qual eu escrevi nessa edição, com o link pra calculadora que calcula o seu kin pessoal e te faz pensar "que porra de bruxaria é essa?]. | ||
“Esse conhecimento, legado dos nossos ancestrais maias, nos fez compreender o pulsar de energia que recebemos cada dia”, explica Gian. “Por exemplo, se o kin do dia é o cachorro, então minha mente compreende que, neste dia, eu posso me abrir mais à amorosidade, atuar no campo da lealdade. As situações vão estar estar propícias para isso.” | ||
O próprio nome da banda tem influência do sincronário, já que “semente cristal” é um kin, que representa o propósito de comunicação e cooperação para florescer uma nova consciência no Planeta Terra. | ||
Foi essa busca por uma consciência livre que também levou Gian a se tornar professora de Kundalini Yoga, prática que ela vê como “uma tecnologia que conecta o ser finito com o infinito, uma prática espiritual que tem o propósito de acalmar as funções mentais, de modo que possa emergir uma percepção clara do que é real e do que é falso”. | ||
Todo esse universo em expansão do grupo se contrai em um único ponto do espaço-tempo na presença das plantas professoras. “A Ayahuasca chegou em nossas vidas para chancelar o conhecimento que já tínhamos. Ela trouxe esse refinamento total do caminho”, explica Gian, mostrando que, assim como seu próprio universo, os caminhos para o conhecimento também são infinitos. | ||
Não sei se vocês perceberam, mas a diferença entre o tom do texto e o da newsletter é gritante. Acho engraçado perceber isso, porque mostra quão complexo pode ser escrever. | ||
Acho que eu tô muito romântico em relação ao jornalismo. Vou parar de escrever antes que eu aparente ter 97 anos. | ||
Essa semana, não vou tirar o Starman Tarot, porque tô com preguiça, já escrevi demais e não quero cansar a sexta-feira de vocês. | ||
Já fiz uma puta salada na edição de hoje, mas pra mim foi engraçado relembrar tudo isso. Escrever é terapêutico, né. E olha eu sendo romântico de novo... | ||
Um abraço do tamanho do Sol pra você que chegou até o rodapé. Se animar de ir no festival ou quiser me dar um oi, é só responder esse email, ou me achar lá no Twitter e no Insta. | ||
Vai pela sombra e fica na paz de Bowie. | ||
Com amor, | ||
Nathan | ||
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