PunkYoga #28: BBB, autodepreciação & astrologia
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PunkYoga #28: BBB, autodepreciação & astrologia

Este não é um texto sobre o BBB. Mas eu preciso começar falando dele. Outro dia, perguntaram no grupo de amigos do whatsapp por que o reality tava fazendo tanto sucesso. Alguns amigos sugeriram que era carência por causa do período de quarent...

Nathan Fernandes
8 min
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"Quanto mais a ciência avança, mais primitivo é o medo"

Este não é um texto sobre o BBB. Mas eu preciso começar falando dele. Outro dia, perguntaram no grupo de amigos do whatsapp por que o reality tava fazendo tanto sucesso. Alguns amigos sugeriram que era carência por causa do período de quarentena. 

Como espectador, me senti ultrajado.

Respondi que o programa expunha de forma crua as incoerências do feminismo branco e os problemas do racismo estrutural da sociedade. Era uma interpretação ao vivo e sem roteiro do conceito de interseccionalidade da Angela Davis, segundo o qual é impossível falar de raça, sem relacionar com gênero e classe. Ou seja, lacray!

Tava me sentindo a própria Beyoncé emFormation até que o Felipe, meu amor, que também tá no grupo, veio me dizer que eu tinha sido bem arrogante. 

— Não, não fui, não. — Respondi, agindo como se tivesse sido pego cometendo um crime pesado, tipo falando mal da Cher. 

— Você foi. — Disse ele, deixando muito pouca margem para contestação. 

Engoli um seco. Fui reler a conversa e, de fato, eu tinha atropelado o papo pra vomitar referências que ninguém tinha pedido, desconsiderando as respostas dos outros amigos, num nível de soberba tão alto que eu poderia morrer de caísse lá de cima. Eu tinha sido arrogante. Se tivéssemos numa roda, as pessoas teriam se olhado estranho e, depois de um breve momento de constrangimento, voltariam ao assunto anterior com um "então, como eu tava dizendo...". Fui um grande imbecil. 

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E aí eu comecei a pensar em quantas vezes eu não fui arrogante sem saber. E cogitei seriamente em fazer um voto de silêncio por vinte anos, porque, achei que se eu não tenho a capacidade de identificar arrogância no meu próprio comportamento, eu devo me retirar da vida em sociedade.  

Foi um dia de muita reflexão, porque a simples possibilidade de soar ofensivo pra alguém me parece o apocalipse. Antes, durante muito tempo, eu me senti como uma das personagem de Queer Eye, o programa em que quatro gays fabulosas transformam a vida de uma pessoa. Em um dos episódios, eles ajudam a empoderar uma mulher que abrigava moradores de rua e, na falta de um lugar pra dormir, ela dormia no chão da própria casa. E ela fez isso durante anos. 

É óbvio que isso não faz sentido nenhum, afinal, se você estiver destruído, como pode ajudar os outros? Tem limite pra Síndrome do Cavaleiro Branco — sim, isso é uma síndrome; e, sim, ela é real. 

Acontece que eu sempre fui muito bonzinho. E isso fez com que, muitas vezes, eu deixasse de me posicionar pra não causar nenhum desconforto, o que acaba sendo um campo fértil pra gente que não tá nem aí em ser desagradável. 

Uma vez, numa das minhas primeiros entrevistas de estágio, eu fiquei o dia inteiro ouvindo um cara falar o quanto ele era foda, como provavelmente ele seria escolhido pra vaga porque ele era um prodígio e, além do mais, já tinha andado de helicóptero com políticos importantes. Aguentei isso durante umas cinco horas, sorrindo e balançando a cabeça, simplesmente porque eu não sabia como levantar o dedo indicador em direção aos lábios dele e, delicadamente, falar "shhh, cala a boquinha". 

Acabei sendo escolhido pra vaga. Ele também. 

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Enfim, a questão é que eu sempre fui a senhora que cedia a cama pros outros e dormia no chão. Mas, no meu caso, o que me salvou não foi o Queer Eye, mas um copo de ayahuasca. Foi durante um ritual que eu percebi que eu tenho, sim, características que me ajudam a me impor. Elas só tavam meio soterradas. 

Parece frase clichê de biscoito da sorte, mas, depois de muita reflexão, eu descobri que, de fato, características como a arrogância e a soberba, que eu tanto odeio, transbordam em mim. Descobri também que elas não são ruins, como eu pensava. Elas são necessárias pra minha sobrevivência. São elas que vão fazer com que eu não ceda minha cama e durma no chão. Elas são o contrapeso do meu lado bonzinho. 

O problema é que elas também podem me fazer passar por um papel de chatão do rolê no whatsapp.  

O lance, como tudo na vida, é o equilíbrio. Sempre. Afinal, aquela empresa que eu fiz entrevista de estágio não escolheu duas pessoas com personalidades diferentes à toa. Eles precisavam dos dois temperamentos. E eu preciso aprender a sacar essa arrogância do meu cinto de utilidades quando a situação exigir. É tipo uma arma de guerra. Ela não pode se sobressair, mas ela também não precisa ficar enterrada. É muito delicado. 

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Outro dia, fazendo uma aula de astrologia com a Jenny, ficou muito claro porque essa questão é tão importante pra mim.

Meu signo é libra. Descobri que o signo oposto a libra é áries— o que explica porque tenho tanto amigo ariano

Se antes esse tipo de conhecimento não significava nada pra mim, depois que eu entendi um pouco melhor o rolê dos astros, essa informação abriu um vórtex no meio da minha testa. 

Por serem signos opostos, para se equilibrar, libra precisa absorver algumas das caraterísticas de áries, e vice-versa. Ou seja, toda essa arrogância e soberba que eu sempre abominei nos outros, na verdade, nunca foi soberba e arrogância: é assertividade. E eu abominava porque era uma coisa que eu invejava, mas não tinha. Eu realmente admiro muito quem consegue se impor. Pros arianos que eu conheço isso é muito natural. Pra mim, é um sacrifício.

Eu não sei me colocar, exaltar minhas próprias ideias e fazê-las serem ouvidas. Agora até que venho melhorando, mas a muito custo. Quando eu faço isso de modo automático, acontece o que aconteceu no grupo de whatsapp. Já os arianos que têm essa qualidade em equilíbrio fazem isso parecer um balé. 

E aí qual não foi minha surpresa quando eu descobri, na terça-feira (7/4), que aquela seria uma noite de lua cheia em libra. De novo, em outros tempos, essa informação não faria a mínima diferença pra mim. Mas dessa vez essa percepção foi brutal. Com o sol em áries, aquela noite marcava a manifestação física da oposição entre os dois signos. O sol em áries; a lua em libra.

Me fez entender porque essa reflexão me bateu tão forte essa semana. Todo o meu conflito tava ali escancarado no céu, literalmente piscando que nem estrela. Ou seja, pela primeira vez, eu SENTIa astrologia. 

E me deixou feliz por conhecer um fragmento de mim que ainda faltava. 

Não sei muito bem porque eu tô escrevendo esse texto que mistura BBB, com autodepreciação e astrologia. Mas outro dia a Miwa falou que conhecia pouco da minha sombra. E, de fato, acho que consigo guardar ela muito bem. Não acho justo vender uma imagem de que tá sempre tudo incrível, porque não é real. Então, esse texto é pra Miwa.

E também é um pedido de desculpa pra todo mundo com quem eu já fui arrogante. 


O que eu tô ouvindo: 

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Eu sou apaixonado portodasas mixtapes do Daniel Valeriano, porque: 1) ele tem um gosto refinadíssimo; 2) eu descubro um monte de música boa; 3) as mixtapes têm nomes maravilhosos tipo "AfroAndesBrazilis" ou "El Sagrado Feminino"; 4) elas são muito versáteis, dá pra ouvir durante o trabalho, pra meditar ou pra criar um clima sensual. Tem no Soundcloude no YouTube


O que eu tô lendo:


Tenho uma amiga bruxa incrível, que é a Dani Ramos. Me sinto honrado toda vez que ela diz que leu uma das cartas aqui. Essa semana ela me escreveu avisando que o oráculo do qual eu falei na última edição, sobre os Seres do Trovão, se chama As Cartas do Caminho Sagrado, do xamanismo norte-americano. 

Na verdade, a grafia certa é "Seres-Trovão". E aí eu reli a mensagem e descobri ainda que eu simplesmente fagocitei a principal ideia da carta, que é força, potencial de energia. Além da ligação entre o céu e a terra, a mensagem diz que os Seres-Trovão

representam a mensagem de amor enviada pela Nação do Céu. Os bastões de fogo, ou raios, constituem um raro presente que o Pai Céu envia à Mãe Terra. (...) É através desta intrincada dança de união que nossa Mãe Terra é reenergizada para que a vida possa continuar através das chuvas revigorantes que alimentam o seu corpo.

Bonito, né? Não falei desse aspecto da carta, mas fiquei feliz com meu poder de interpretação. De falta de originalidade eu não morro, pelo menos. Vish, deixa eu ir embora antes que a arrogância impere aqui. 

Mas antes quero dar os créditos pras imagens dessa edição, que são do Daniel Martin Díaz, um artista estupendo sobre quem eu devo falar mais lá no insta da PunkYoga essa semana. 

Aliás, nos últimos dias tô trabalhando em uma novidade que tá ficando um chuchu. Aguardem. 

Se você é ariano e quiser me ensinar alguma coisa (ou se você é de outro signo e só quiser trocar uma ideia), é só responder esse e-mail, ou me achar lá no insta e no twitter

Vai pela sombra e fica na paz de Bowie. 

Com amor,

Nathan

Se você chegou aqui através de um link, deve tá pensando: "Como eu assino essa newsletter maneira?". Ora, é só deixar seu e-mail aqui. E dá pra ler as edições anteriores aqui também. Se não curtiu e tá aqui lendo esta última linha, admiro sua capacidade de autoflagelação.