PunkYoga #49: Três cartas de tarô (Parte 2 de 2)
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PunkYoga #49: Três cartas de tarô (Parte 2 de 2)

Anteriormente em PunkYoga...

Nathan Fernandes
9 min
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Anteriormente em PunkYoga...

Eu falei sobre como a decisão de abandonar o aluguel para viajar cinco meses pela Argentina me despertou ansiedades mil. Então, tirei 03 cartas de tarô, que me apresentaram formas bem interessantes de encarar tudo isso. Na primeira parte deste texto, escrevi sobre a primeira carta, e como, às vezes, eu me pareço com aquele personagem do Tarcício Meira que tem raízes nos pés. Agora, escrevo sobre as outras duas cartas. Por isso, recomendo que, caso você não tenha lido a primeira parte, considere ler aqui. Vai fazer mais sentido, eu prometo, é pelo bem da coerência. Mas se você é um deturpador da ordem, agente do caos, rainha da não-linearidade, pode começar por aqui mesmo, ninguém manda em ninguém.

Depois do 4 de Paus, a carta que veio foi a Princesa de Espadas...

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Durante a viagem, uma sensação que eu já havia sentido algumas vezes se intensificou. Eu sempre fui muito ansioso com viagens. Vai chegando a hora de viajar e meu cérebro já projeta mil cenários irreais.

Tipo, na volta para o Brasil, agora. Eu voltei um dia antes do Felipe, porque vim fazer um trabalho. Já imaginei que minha mala passaria do limite, eu teria que pagar o excedente, mas meu cartão não funcionaria, além disso, com certeza, eles iriam pedir um documento que eu não tinha, e eu teria que ficar retido até alguém descobrir onde eu estava, porque a bateria do meu celular teria acabado, e eu, depois de horas sem comer, desfaleceria inerte sobre o chão frio, sendo iluminado apenas por uma  luz fraca oscilante.

Nada disso aconteceu. Eu embarquei normalmente. Como em todas as viagens. 

Eu sentia esse tipo de coisa de vez em quando. Mas, por estar viajando muito na Argentina, pingando de cidade em cidade, essa sensação passou a ser mais frequente. Junte a isso a questão de que eu não tinha casa, minha renda é instável e eu estava longe de qualquer pedido de socorro. Em minha vida toda desintegrada, a ansiedade encontrou moradia. 

Mas sempre que eu sentia essa sensação, lembrava daquela carta que eu havia tirado dias antes de viajar. A Princesa de Espadas. No Starman Tarot, ela é representada por uma moça que parece a Mulher-Gato. Ela está segurando uma espada, no alto de um prédio, pronta para brigar, se for o caso. É uma guerreira. Mas as coisas contra as quais ela luta não são físicas. Ela trava batalhas contra a sua própria mente.

Em vez de se deixar levar pelos pensamentos e entrar num ciclo de bosta de preocupações, ela percebe a armadilha e lida com ela, cortando esses pensamentos invasivos com lâminas. No campo de guerra dos pensamentos intrusos, ela dança. Por isso, ela não se importa com a chegada da ansiedade, do medo e da insegurança. Ao contrário, ela comemora, porque são uma oportunidade de treinar suas habilidades. Quanto mais ela lida com eles, mais forte e invencível ela se torna.

Era isso que a carta me trazia, a ideia de que a gente precisa saber identificar esse tipo de ansiedade e lidar com ela da mesma forma que a Michelle Pfeiffer lida com seus desafetos em Batman Returns. Estar ciente da sensação de ansiedade não garante que a gente consiga eliminá-la, claro. Mas jogar um holofote em cima dela e dizer “ah, então é aí que a bonita se esconde” é uma forma eficaz de torná-la menos assustadora. 

Curioso que, enquanto escreveia este texto, me deparei com um vídeo do babalorixá Sidney Nogueira, que também é doutor em semiótica, sobre quem já falei nesse post da Sheela. No vídeo, ele fala que "Exu não tem cabeça para carregar problemas". Isso porque ele traz um facão na cabeça. Assim, quando os problemas se insinuam, eles batem no facão, são cortados e caem no chão, nos ensinando a sempre focar na solução, não no problema. É a mesma ideia. 

5 de Ouros

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A terceira carta era a mais chocante. Na imagem, duas pessoas pedem esmola. Na frente do portão do Jardim do Éden. O portão não está trancado. Elas podem entrar. Elas podem conseguir toda a abundância que precisam. Mas estão afogadas na própria miséria. 

Dinheiro sempre foi uma preocupação pra mim. E é óbvio que eu tava preocupado em acabar com todas as minhas economias durante a viagem. Uma hora, de fato, acabou. Mas eu lembrei do Jardim do Éden. Em outros momentos eu teria ficado muito preocupado com isso. Mas aprendi que a vida de freelancer é assim mesmo, uma hora tem trampo, na outra não tem. E foi justamento o que aconteceu. Uma hora eu tinha um total de zero trampos, na outra apareceram um bilhão de coisas. A instabilidade não mudou. O que mudou foi a forma como eu encaro isso. 

Eu também sempre fui meio mão de vaca. E demorei pra perceber que ser mão de vaca não é uma qualidade de quem é prudente, mas de quem é mesquinho. 

É óbvio que em muitas ocasiões a gente precisa mesmo segurar a grana, principalmente se você vive no Brasil de 2022. Mas percebi que, talvez por crescer com meus pais dizendo que “não tem dinheiro”, eu internalizei isso de uma forma que, mesmo agora que a realidade mudou, eu tendo a segurar tudo que tenho com medo de uma possível falta no futuro.

Comecei a me tocar disso quando uma amiga perguntou como era a vida de jornalista freelancer. Eu dei aquela resposta padrão: “Ah, é bem instável, um mês você tem grana; e no outro, não, o que gera muita preocupação”. “Mas algum mês você já deixou de pagar alguma conta?”, ela quis saber. A resposta era não, claro, porque, apesar de não ter um emprego fixo, eu tenho inúmeros outros privilégios. Eu não tenho seis filhos pra sustentar. Eu não preciso (mais) atravessar a cidade em um ônibus lotado todos os dias. Eu costumo ser valorizado pelo que faço. Onde está a instabilidade então?

O que eu vejo quando elimino esse pensamento da instabilidade é a pura ansiedade, cristalina como as novas imagens do telescópio James Webb. E ansiedade é sempre a projeção para o futuro de uma coisa que não aconteceu ainda, ou seja, pode nem ser real. A pessoa fica preocupada com uma coisa que nem existe.

Olhando em retrocesso, eu sempre consegui dar conta de tudo. O problema era quando eu olhava pro futuro. Então pra que raios olhar pro futuro? Se organizar é diferente de antecipar problemas irreais. E a viagem escancarou isso pra mim.

A viagem, na verdade, escancarou várias coisas que eu não estava prestando atenção. E achei bem interessante como as cartas de tarô expuseram isso. Não se trata de prever o futuro, mas de ilustrar o presente. Acho que é isso que me fascina no tarô.

Você deve estar pensando que, depois de reclamar tanto, eu tenha me arrependido de viajar. Mas não. Eu adorei. 

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Além daquele personagem do Tarcício Meira que tem raizes nos pés, tem um outro que eu acho bem intrigante. É o Renato Vilar de Roda de Foga, novela de 1986 que eu tô acompanhando pelo GloboPlay (bem que eu queria que fosse publi). 

Na história, ele é um mega-empresário pau no cu que descobre que tem uma doença fatal, aos 50 anos. Então, ele se arrepende de todos os seus crimes, decide consertar tudo que fez de errado e aproveitar os meses que lhe restam de vida. 

Eu odiaria perceber que minha vida é uma merda, e ter que fazer em cima da hora tudo que eu não fiz em 50 anos, tipo quando você tá na faculdade e descobre domingo à noite que tem um trabalho pra entregar na segunda. Não vai sair nada legal disso. Quer dizer, no caso do Renato Vilar, ele até consegue alguma coisa, mas por que fazer tudo mal feito em cima da hora se você pode ir fazendo mal feito com calma.. #alôca. 

Enfim, adorei cravar na minha memória uma viagem que eu jamais faria se fosse dar ouvidos às minhas ansiedades. Adorei caminhar por florestas congeladas com o Felipe. Adorei comer empanadas maravilhosas por 90 pesos. Adorei fingir que sei falar espanhol. Adorei cruzar com pessoas que fazem parte de outra realidade. Adorei ser confrontado com meus medos e poder bater de frente com eles e dizer "aqui tu não te cria". Como diria o Black Alien, eu não teria como saber de nada disso se eu não fosse lá.

                                                                                 O fim. 


Todo mundo que já teve um projeto pessoal sabe da dificuldade que é manter uma regularidade em algo que não tem ninguém te cobrando por isso. Só depende de você. E se só depende de você, é bem capaz que você deixe pra fazer depois, ou nunca. Daí, quando você vê, já se passaram anos e aquela sua ideia maravilhosa continua sendo só uma ideia maravilhosa e mofada. 

Eu já mantenho a PunkYoga há três anos, entre muitas idas e vindas, só agora parece que eu tô conseguindo manter uma regularidade. 

Bem nesse momento, não sei como, fui procurado pelo pessoal da PingBack, uma plataforma de newsletters brasileira que dá uma força pra produtores independentes como eu. A ideia é que, durante um ano, eu mantenha uma regularidade nas publicações, e, em troca, vou poder usar o suporte técnico e de marketing deles.

Como isso vai funcionar? Não tenho a mínima ideia. Acompanhemos nas próximas edições...

Mas a perspectiva de firmar um compromisso para publicar coisas que eu nunca encarei como trabalho me anima. Não quero que a PunkYoga seja um trabalho, longe disso, parte do charme dela está justamente no fato de que eu a escrevo como e quando quero, e foda-se. Mas também não é bom ser tão esculachado assim. Acho que o segredo, como tudo, está no equilíbrio. E acho que essa parceria pode trazer o equilíbrio que o libriano precisa. 

Então, é possível que da próxima vez que a PunkYoga aportar na sua caixa de entrada, ela esteja com um visual diferente. Não se assuste, faz parte desse novo momento. Espero que você goste. 

Obrigado por acompanhar a evolução desse projeto comigo. 

Como sempre, se quiser trocar uma ideia, me xingar ou me passar uma cantada, o imbox do instagram tá aí pra isso, me segue lá @nathanef. Você também pode simplesmente responder a esse email. Me manda uma mensagem, eu tenho gostado bastante de trocar com as pessoas por aqui.

Até daqui a duas semanas.

Espero que seus próximos dias sejam bons. 

Vai pela sombra e fica na paz de Bowie. 

Com amor y anarquia,

Nathan

Se você chegou aqui através de um link, deve tá pensando: "Como eu assino essa newsletter maneira?". Ora, é só deixar seu e-mail aqui(e fazer a confirmação). E dá pra ler as edições anteriores aqui também. Se não curtiu e tá aqui lendo esta última linha, admiro sua capacidade de autoflagelação.