Com um mês de newsletter, acho que consegui criar um espaço seguro de escuta por aqui. Eu sei que esses textos não chegam em todo mundo das minhas redes, e, por isso mesmo, me sinto confortável pra falar coisas que talvez não falasse no insta...
Com um mês de newsletter, acho que consegui criar um espaço seguro de escuta por aqui. Eu sei que esses textos não chegam em todo mundo das minhas redes, e, por isso mesmo, me sinto confortável pra falar coisas que talvez não falasse no instagram ou no twitter. Eu jogo a mensagem pro Universo e só chegam aqui as pessoas que têm as antenas certas pra escutar. | ||
É aquilo: a gente sempre tá na hora e no lugar que a gente deveria estar, o agora. | ||
E já que você tá aqui, queria dizer que esta edição da PunkYoga é diferente, porque essa semana foi diferente. Eu realmente acho que a escrita é terapêutica — essa é a ideia da minha Oficina Xamânica de Escrita Psicodélica —, por isso não vi sentido para não compartilhar os lugares por onde minha mente viajou, no dia 19 de agosto, segunda-feira. | ||
Nesse dia, sozinho em casa, eu bloqueei tudo o que tinha pra fazer e iniciei uma experiência ritualística com cogumelo. Antes de contar o que aconteceu, acho válido lembrar que eu já faço experiências regulares com ayahuasca há dois anos (coisa que não faço questão nenhuma de esconder nas minhas redes), tô aprofundando meus estudos no xamanismo e jamais conduziria uma experiência com um psicodélico sozinho se não tivesse absoluta firmeza, respeito, prática e consciência do que eu tô fazendo. | ||
Qualquer um pode comprar cogus pela internet e usar onde quiser, mas, se conduzida de forma errada, a experiência pode ser bem problemática, o que não é difícil de acontecer. Eu mesmo já passei por uma situação aterrorizante, quando decidi tomar cogus sem ter certeza do que tava fazendo. Mas acabou bem. | ||
Agora, sempre que faço uma experiência do tipo, seja com ayahuasca, cogumelo ou qualquer outra medicina da floresta, me sinto indo para uma aula. Uma aula no qual o objeto de estudo sou eu mesmo É uma chance que eu tenho de me aprofundar na minha mente e entender conceitos que sempre me fascinaram. | ||
Assim, com meus óculos de gatinha, joguei minha echarpe e parti para o conhecimento. | ||
Firmei uma vela no altar, coloquei um mantra, acendi uns incensos e chamei a proteção de todos os guias, devas, santos, orixás e animais de poder —além, claro, da Beyoncé. Essa preparação é importante porque o cérebro passa a ficar bem sensível aos estímulos do ambiente. Não precisam necessariamente ser estímulos místico-religiosos, mas eu sei que isso me acalma. Por isso, convém não deixar o extrato bancário à mostra. | ||
Dito isso, compartilho aqui algumas notas do meu diário pessoal de psiconauta. | ||
A medida que minha consciência expandia, eu comecei a me sentir meio mal. Apesar da confiança e de estar tudo preparado, eu tava com um pouco de medo, e acho que isso atrapalhou o começo da jornada. Passei os primeiros minutos deitado na cama sentindo um desconforto que não saía de mim. Eu estava perfeitamente consciente e em nenhum momento perdi o controle sobre o corpo (isso nunca aconteceu comigo em nenhum encontro com psicodélicos), mas o desconforto era grande. | ||
O bom é que minha experiência com ayahuasca já me ensinou que esse desconforto é muito simples de reverter. Se eu fico em posição fetal, chafurdando na minha própria lama, a tendência é que o mal-estar continue. Mas se eu levanto e mudo meu foco de atenção, eu consigo mudar também as sensações do meu corpo. E foi isso que eu fiz. | ||
Achei que seria interessante colocar um vídeo da Vovó Maria Conga, uma preta velha que faz lives no YouTube e compartilha um pouco da filosofia da umbanda com gente que, assim como eu, não tem experiência nenhuma em terreiros. Os ensinamentos são bem profundos e sempre me fazem refletir bastante, o que me faz aceitar tranquilamente o fato de que eu tô vendo um vídeo de uma pessoa incorporada pelo computador. | ||
Cada vez menos, eu tenho me importado com a forma como o conteúdo se apresenta, desde que tenha de fato um conhecimento ali, alguma coisa que eu possa aprender. | ||
E, como alguém que aprecia contar e escrever histórias, no meio de tanta sabedoria através de metáforas e parábolas, eu também sempre aprendo muito com ela sobre estruturas narrativas e métodos dramáticos. Pra mim, essas histórias são basicamente uma aula de storytelling na prática. | ||
Escolhi um vídeo recente, no qual ela fala sobre "a semente do tempo". Como você já pôde ler nas outras edições da newsletter, otempoé um foco de estudo que eu tenho bastante interesse. Acho que repensar e questionar o conceito linear de tempo que a gente tem é uma forma de abandonar convicções e acessar conhecimentos ancestrais de forma mais orgânica. | ||
Na física (e consequentemente no resto do Universo), essa ideia de tempo como uma sucessão de acontecimentos empilhados que formam presente, passado e futuro não faz sentido nenhum. Mas isso é muito difícil de perceber quando a gente tá há 30 anos aprendendo a ver o tempo de outra forma. Minha ideia não é quebrar o relógio e viver flutuando entre dimensões paralelas que nem o Matthew McConaughey, em Interestelar, porque eu não sou besta. O que eu busco é ter uma outra percepção da realidade que nos cerca, porque assim eu acho que consigo decodificar ela melhor. | ||
O que é o tempo? Se ninguém me pergunta, eu sei. Mas se eu quero explicá-lo a quem me pergunta, eu claramente não sei. | ||
A vovó começa o vídeo propondo uma inversão: que a gente pense em nós mesmos como sementes. O que é um exercício interessante, porque, na vida, nós somos educados a nos vermos como fruto, nunca como semente. Com isso, qualquer intempérie do clima ao nosso redor pode nos derrubar, nos fazer apodrecer, nos impactar de alguma forma. O clima afeta o fruto, mas não afeta a semente. | ||
Ela deixa essa ideia bem clara, citando uma fala do Pai José, seu preto velho guia: "Não se prenda ao fruto, você é uma semente". Então, ela prossegue: | ||
Embutiram na cabeça de vocês que vocês não têm como despertar nesse período de tempo. Mas e se eu disser que você é uma semente, que não importa o estágio que você esteja dessa árvore. Pode ser que agora você tenha que recolher, entrar de baixo da terra, se firmar pra formar o tronco. Os galhos são todas as áreas da vida que você passa, as folhas são o que você passa pras pessoas. A semente é o caminho da nova consciência para o despertar. | ||
O problema, segundo ela, é que nossa mente está presa nesse tempo linear que criamos para nos organizar. O calendário gregoriano que a gente usa hoje não surgiu de geração espontânea. Ele foi promulgado pelo Papa Gregório XIII em 24 de Fevereiro do ano 1582. Foi uma tentativa (muito bem sucedida) da Igreja de unificar uma verdade. Mas como as pessoas percebiam o tempo antes disso? Como uma etnia indígena intocada da Amazônia percebe o tempo hoje? São essas as questões que me fascinam e que me fizeram ficar muito atento àquela metáfora, apesar da minha mente querer sambar. | ||
O calendário surgiu como uma forma de organizar a cobrança de impostos. Como diz a vovó: | ||
Desde sempre o povo miserável alimenta o sistema. | ||
E é nessa ideia de tempo que estamos presos. Numa sociedade que pensa assim, não surpreende que o conceito "tempo é dinheiro" seja um mantra. A questão é que, a menos que você sofra uma queda de avião e fique preso em uma ilha, é impossível ignorar esse calendário. Mas a que preço? A vovó resume bem isso, dizendo: | ||
Vocês ficam correndo, a mente fica preocupada, te sabotando a todo momento, porque existe um calendário que vocês têm que percorrer. Mas com sofrimento? | ||
Como ela lembra, a não ser os humanos, não existe nenhum outro ser vivo no mundo que fique preso aos 365 dias do ano. Essa prisão é tão bem estruturada que nós organizamos até nosso descanso tendo ela como base. Isto é, quando conseguimos ter descano, porque, em uma sociedade dominada pela urgência do tempo, o descanso é completamente descartável. | ||
Segundo a vovó: | ||
A humanidade não prioriza a semente, prioriza o fruto. Por isso é muito difícil se refazer, se reiniciar, porque a mente não quer isso. | ||
Quem inventou a mentira de que idosos não podem se apaixonar? Que aos 40 anos, a pessoa não pode começar uma nova carreira? | ||
Nessa cadência do formato do tempo artificial, a mente quer correr, exigir, tem escassez de energia, depressão, porque não está preparada para cumprir etapas. Independente de como está a sua vida, está na hora de criar raízes profundas e esquecer esse tempo artificial. | ||
Reduzir isso a um discurso pobre de "largue seu emprego e vá viver sua paixão" é elitista. Eu não posso dizer isso para uma mãe de família que mora na periferia. Mas a ideia não é essa. A ideia é mudar a percepção que ela tem a respeito da realidade em que ela vive. Ao mudar a consciência, ela pode se tornar apta a fazer os ajustes necessários para transformar o seu ambiente. O ajuste pode ser em relação às prioridades. E, às vezes, o ajuste é só mental, como quando eu encontro um propósito na atividade chatíssima que eu tô fazendo. | ||
A vovó diz ainda que as dimensões se sobrepõem umas as outras. Segundo ela, a nova era da consciência (a era de aquários, ou como quiser chamar), aquele momento em que as pessoas vão despertar e deixar de se preocupar com as coisas idiotas da vida, não tem uma hora certa para chegar porque ela sempre esteve aí. Esperando para ser notada, segundo uma ideia de tempo circular. | ||
Como disse o Coldplay: "Nobody said it was easy". Exatamente porque a gente não é educado, nem acostumado a pensar sobre isso. | ||
Ouvir uma preta velha explicando conceitos de física teórica com a consciência expandida pode trazer uma grande sensação de que você está subindo a escadinha doShow de Trumane desvendando toda a farsa que é a realidade. É como se as engrenagens se encaixassem e o cérebro começasse a funcionar em outra configuração. Levou um tempo pra eu processar tudo. | ||
Largado no chão, com uma venda nos olhos para evitar a luz (já que minha visão fica muito sensível), eu decidi que era hora de chamar as forças ciganas. Isso porque grande parte da motivação de fazer essa experiência foi porque eu senti uma forte presença cigana no último ritual de ayahuasca que participei — e eu nunca tive afinidade nenhuma com a tradição cigana, a não ser ter assistido a alguns clips do Gogol Bordello. | ||
Enfim, não sei como, nem porquê, mas senti. É isso que faz uma experiência com psicodélico ser inefável. É como quando eu tento vestir as blusas do Felipe: não cabe. É impossível reduzir a imensidão do que a sua consciência acessa em palavras. O que eu tô fazendo aqui é uma mera aproximação. | ||
Desde que senti essa presença cigana, eu entendi que iria encontrar com ela de novo. E aquele era o momento. Quando dei play nas músicas ciganas que já tinha separado, me transportei na hora para um acampamento no meio do mato. Tinha gente dançando, outros tocando violão na fogueira. Parecia uma festa. Se eu abrisse o olho, eu estava na sala de casa e sabia disso, mas, se eu fechasse, eu voltava pra esse acampamento cigano. | ||
As primeiras músicas eram tristes, algumas falavam de amizade, outras de amor. Eu chorei que nem um cabrito com aquele violino triste, enquanto as memórias passavam pela minha mente. | ||
Aí começou a tocar esse lamento. Na hora eu liguei ele à história da Vovó Maria Conga. O começo muito choroso me lembrou um nascimento, uma semente germinando. E todo nascimento é doído. Você é arremessado a um mundo novo, onde não conhece nada, precisa aprender como reagir aos estímulos desse lugar estranho e você faz isso sozinho. É assustador. Nascer é LITERALMENTE um parto. Mas ao mesmo tempo é uma oportunidade de enxergar as coisas com a pureza de alguém que ainda não está viciado pelo tédio e pelo ódio. | ||
A música começa a ficar agitada, e o que antes era um lamento vai se transformando aos poucos numa festa, como se, depois de todo sofrimento pra nascer, eu tivesse alcançando o ápice do meu desenvolvimento e pudesse aproveitar toda a potencialidade da matéria. Todas as maravilhas eram pra mim. E aí eu dancei sozinho na sala, mas virtualmente acompanhado de forças que me ensinavam sobre a impermanência da vida. | ||
Essa ideia de que nada permanece e, por isso, você deve aproveitar o agora veio muito forte com os ciganos. Minhas folhas podem cair, meu tronco pode ser derrubado, mas a minha semente se mantém intacta se eu perceber que todas as coisas que já aconteceram e todas as coisas que ainda vão acontecer já tão rolando neste momento. | ||
Depois, os ciganos foram embora, mas é como se tivessem me deixado um presente muito bonito. | ||
Voltei para os mantras e isso me deixou num estado de relaxamento muito intenso. Mas de um jeito estranho. Parecia que tinham abaixado o teto de casa e precisava me agachar mesmo estando sentado. Aí tudo ficou suspenso. Eu estava em câmera lenta. | ||
Ainda fiquei alguns minutos nessa situação até lembrar que eu tinha prometido pra mim mesmo que ouviria mais Djavan. Descobri um músico que não tem medo de parecer doido e isso me confortou. Definitivamente, eu preciso ouvir mais Djavan. | ||
Consegui terminar a experiência sem faltar nenhum pedaço de mim. Pelo contrário, todos os pedaços pareciam mais unidos do que antes. Diferente das experiências com ayahuasca e talvez por estar em casa, eu não me senti tão cansado. | ||
Me senti mais forte e com a sensação de ter cumprido uma missão. A jornada com o cogumelo me levou para lugares que eu não poderia ir sozinho, me presenteou com conceitos e ideias que até agora eu venho tentando absorver. | ||
Tem um post noBrain Pickings sobre o que uma árvore velha pode nos ensinar sobre a impermanência e o nosso lugar no Universo. A fotógrafa Rachel Sussman tem um projeto no qual ela registra os organismos vivos milenares. | ||
Um dos organismos visitados foi O Senador, uma das árvores mais antigas do mundo, com 3.500 anos. Ela fez algumas fotos no lugar, mas só quando chegou em casa percebeu que poderia ter feito um trabalho melhor. E pensou em voltar lá um dia para terminar o trabalho. | ||
Em 2012, O Senador pegou fogo sem nenhum motivo aparente e morreu, depois de quase quatro caralhas de milênios. Com isso, a Rachel aprendeu que ser muito velho não é o mesmo que ser imortal. Além disso, surpreendentemente, anos antes alguns pedaços da árvore tinha sido tirados pra estudo, o que possibilitou a sua replicação com sucesso. | ||
O coração do Senador continuava vivo, ou pelo menos seu DNA, porque, afinal, mesmo depois de tantos anos aquela árvore majestosa nunca deixou de ser uma semente. E com isso ela transcendeu o próprio tempo. Sem medo de recomeçar tudo de novo. Talvez fosse isso que a Vovó Maria Conga estivesse tentando dizer — ou pelo menos foi o que eu absorvi. | ||
Só sei que depois de tudo isso, essa frase do Terence McKenna, um dos caras que mais se aprofundou nos cogumelos de forma científica, nunca fez tanto sentido: | ||
Psicodélicos são ilegais porque dissolvem estruturas de opinião e modelos culturalmente estabelecidos de comportamento e processamento de informações. Eles te abrem para a possibilidade de que tudo que você sabe está errado. | ||
Voltar pra realidade depois disso tudo é como ter que sair no meio de uma festa porque você precisa trabalhar cedo no dia seguinte. Dá um aperto no coração, mas você sabe é inevitável. O bom é que a ponte entre as duas realidades deixa de ser aquele caminho frágil de madeira e se torna uma construção mais potente. E ela sempre vai estar ali. A ligação está feita. | ||
Experiências psicodélicas nunca são fáceis, exigem um esforço tremente de consciência. Mas o resultado pode ser muito compensador se feito de forma certa. Acho que é o meu caso. | ||
O interessante é que mesmo sem essas substâncias, a gente consegue abrir uma fenda na mente para deixar um pouco de luz entrar no mistério que é a nossa existência. | ||
Ao revelar um pouco da minha experiência, eu busco ligar o interruptor que acende essa luz e dissolver um pouco os preconceitos que são ligados ao tema. Por isso, acho importante esse tipo de registro. Não só para entender melhor os meus limites e os meus padrões, mas para ressoar nos limites e nos padrões dos outros. | ||
Afinal, se todos estão ligados por campos de força invisíveis, o que acontece comigo é só um reflexo da história da humanidade como um todo, porque eu sigo um caminho que foi aberto no facão por gente que veio antes de mim. | ||
Agradeço muito a quem topou o desafio de suspender por um momento suas crenças e tentou entender com o coração o que eu escrevo aqui. Sei que é exigir muito das pessoas ler um texto tão grande numa sexta-feira. Mas eu realmente acho que revelando um pouco de mim, eu acabo revelando um pouco mais sobre você mesmo, num ciclo que não tem início, meio e nem fim. | ||
Vai pela sombra e fica na paz de Bowie. | ||
Com amor, | ||
Nathan | ||
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