#14 - a Olimpíada Popular de 1936
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#14 - a Olimpíada Popular de 1936

Pouco antes de Hitler transformar os Jogos Olímpicos de 1936 num canhão publicitário, os catalães reuniram milhares de atletas para os Jogos Populares em Barcelona.

Fred Fagundes
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#14 - a Olimpíada Popular de 1936

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Transcrição do episódio:  

Começa agora o quem matou a tangerina. Um podcast que acredita que as Olimpíadas despertam o que existe de melhor em nós, mas não tem vergonha de admitir que torceu pra uma criança estrangeira que se preparou 5 anos pra aquele momento tomar um tombo no skate. 

O autor da frase “O importante não é vencer, mas competir”, que nos acostumamos a ouvir desde os campeonatinhos e gincanas de escolas é nada menos que o fundador dos Jogos Olímpicos da Era Moderna, Pierre de Coubertin. O homem que idealizou as olimpíadas com o objetivo de estimular a competição sadia entre os povos de todos os continentes. 

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O intercâmbio cultural e geração de oportunidades era parte essencial para a escolha de uma sede olímpica. No início da década de 30, quando a Alemanha ainda se reconstruía após a derrota na 1ª Guerra Mundial, o Comitê Olímpico Internacional achou uma boa ideia levar os Jogos Olímpicos de 36 para aquele país, visando a retomada da Alemanha ao cenário internacional após o isolamento pós-guerra. Assim, em maio de 31, ficou definido que Berlim receberia os jogos de verão. 

Acontece que dois anos depois um fato novo influenciou diretamente nos Jogos Olímpico. O líder do Partido Nazista, Adolf Hitler, tornou-se chanceler e rapidamente transformou a democracia alemã em uma ditadura uni partidária. Pra piorar, o intuito nazista de controlar os aspectos da vida alemã estendeu-se aos esportes. 

Já estamos em 33. Em abril daquele ano, uma política chamada "somente para arianos" foi instituída em todas as organizações atléticas alemãs. Os atletas "não-arianos"— como judeus e ciganos - foram excluídos das instalações e associações germânicas. 

A notícia correu o mundo. Nos Estados Unidos, Grã-Bretanha, França, Suécia, Tcheco-Eslováquia e Holanda surgiram movimentos de boicote aos Jogos Olímpicos. Os debates sobre a participação naquele evento foram mais intensos nos Estados Unidos que, apesar de tudo, enviaram uma das maiores equipes para Berlim. Os que preferiram não ir para a Alemanha defendiam uma proposta de contra-Jogos, um tipo de Olimpíadas alternativas. E foi aí que nasceu, há 80 anos, a Olimpíada Popular. Uma competição que desafiava Hitler e o Comitê Olímpico Internacional.

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A faísca para esse movimento nasceu em Barcelona, cidade que ficou em segundo lugar na escolha da cidade sede dos jogos oficiais. Em abril de 36, o recém-criado Comitê Catalão Pró-Esporte Popular (CCEP), formado por diversas organizações, enviou uma carta ao novo presidente espanhol, Manuel Azaña, criticando o financiamento previsto pelo governo anterior para a ida de esportistas ao evento na Alemanha. Vale lembrar aqui que a Espanha havia recém eleito a Frente Popular, reunia republicanos progressistas, socialistas, comunistas e o apoio indireto dos anarquistas.

No documento, a associação afirmava que “o regime nazista utiliza o movimento esportista para seus fins reacionários, para a militarização da juventude e para a preparação da guerra”. O Comitê Catalão Pró-Esporte Popular ainda solicitava que o dinheiro investido no envio dos atletas fosse utilizado para financiar o esporte popular e realização da Olimpíada paralela.

Com o tempo passando e o Governo enrolando para uma resposta, o Comitê Catalão começou a desenvolver o projeto dos jogos de maneira independente. Um Comitê Organizador foi criado em maio e no lançamento da proposta foi reforçado o caráter de contraposição ao evento alemão, mas não às Olimpíadas em si: “os organizadores da Olimpíada Popular querem a afirmação do verdadeiro espírito olímpico, do ‘fair play’ e do ‘jogo honrado’, e é por isso que essa será a verdadeira festa olímpica da Paz e da Fraternidade”.

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O financiamento veio. Modesto, mas veio. A verba do evento contou com o apoio dos governos da Catalunha, Espanha e França, que, na epoca, também estava sob governo da Frente Popular. A cidade agora precisava oferecer estrutura para receber os milhares de atletas e visitantes. Associações e clubes colaboraram cedendo seus alojamentos. Entre os clubes, o gigante Barcelona, que foi um dos apoiadores dos Jogos Populares.

Com a base dos jogos praticamente encaminhada, o novo desafio era enfrentar a opinião pública. O evento sofreu enorme oposição da direita e dos conservadores espanhóis, que em seus jornais chamavam a competição de “Olimpíada Vermelha”. Os críticos ainda afirmavam que a realização e o uso do termo Olimpíada eram uma afronta ao COI e que nunca mais Barcelona realizaria os jogos olímpicos.

Duas características marcantes desse evento: primeiro, as possibilidades de inscrição de equipes regionais e locais, como a Catalunha, País Basco e Galícia, da Espanha e equipes das colônias francesas em Marrocos e Argélia, além da Palestina, à época em mãos inglesas. A outra foi a prioridade incentivo à participação das mulheres nas competições. Pra você ter uma ideia, em Berlim apenas 8% de todos os inscritos eram mulheres. 

Desde o início, a organização buscava realizar um evento amplo e democrático. Não há informações de um time brasileiro. Ao final participariam dez federações internacionais, oito espanholas e seis catalãs.

Pois é, participariam. Milhares de atletas já estavam na capital, a cerimônia de abertura ensaiadinha, quando deu ruim. Dias antes da abertura, notícias de um golpe militar partir dos territórios espanhóis na África tomavam a conta da Espanha.

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E em 19 de julho, logo cedo, as ruas de Barcelona vivenciaram uma insurreição militar do ditador Francisco Franco que tentou controlar a cidade. Foram dois dias de combate, centenas de mortes e milhares de feridos. Com o início da Guerra Civil muitos atletas deixaram o país. Alguns até ficaram para contribuir com a república, principalmente franceses e exilados alemães e italianos. Há relatos, inclusive, de atletas que mais tarde incorporaram às colunas das milícias populares contra o fascismo.

É um capítulo importante da história e do esporte que possui poucos registros oficiais. Grande parte das informações são baseadas em crônicas e publicidade do evento. Mas é certo que muitos esportistas colaboraram com a resistência ao golpe militar

O livro “L’Altra Olimpíada”, do catalão Carles Santacana, por exemplo, confirma que um grupo de alemães teria lutado em algumas frentes, como a Ofensiva de Aragão, Italianos e franceses também teriam participado dos combates em Barcelona. Além disto, esportistas espanhóis de Mallorca e Zaragoza decidiram permanecer na capital catalã, já que suas regiões haviam sido tomadas pelos insurgentes. 

E com o passar do tempo, ganhou força a tese de que aqueles atletas teriam sido uma espécie de embrião das Brigadas Populares, que eram formadas por milhares de estrangeiros que deixaram seus países para lutar ao lado da República.

Essa é história dos não-Jogos Olímpicos de Barcelona em 36. Que não aconteceu de fato. Mas, pra muitos, a chegada dos atletas foi evento essencial para a geração de grupos de resistência às forças militares franquista.

Imagina só. Você é atleta. Vai disputar um evento subversivo, um ato político contra o nazismo e acaba na linha de frente um grupo armado dando tiro em cabeça de fascista.

É esse o espírito olímpico que a gente gosta.

Caso você utilize um agregador como Spotify ou iTunes, siga o podcast e deixe um avaliação. Obrigado! ;)


Fontes: Opera Mundi. Autores: Juliana Sada e Rodrigo Valente; blog da Flavia Durante.


Sobre o autor: Fred Fagundes é jornalista, produtor de podcasts e dono das melhores vagas em estacionamentos. Em caso dúvidas ou sugestões, entre em contato via redes sociais ou pelo e-mail: qmat.podcast@gmail.com.