#16 - história de motel
0
0

#16 - história de motel

Você sabia que os primeiros motéis surgiram após um plano do regime militar que buscava incentivo ao turismo nacional?

Fred Fagundes
5 min
0
0

#16 - história de motel

🎧 Ouça no Spotify | Anchor | Deezer | RSS | iTunes ou no final desta página.  

Transcrição do episódio: 

Histórias de motel todo mundo tem. Das mais comuns, como perceber só no final que está sem dinheiro, encontrar algum casal de conhecidos no meio do caminho, descobrir que a escolha do quarto não foi a das melhores… enfim, pra esse tema eu indico o podcast da Deia Freitas, o Não Inviabilize. Ela narra as melhores histórias recebidas por e-mail e quase sempre tem alguma que envolve motel.

No programa de hoje eu quero contar duas histórias. A primeira é de um amigo de Belo Horizonte (BH), o qual vou manter a identidade intacta. Ele conta um fato maravilhoso de quando foi até um quarto de motel com uma moça que havia conhecido na mesma noite. Chegando lá, tudo minimamente normal, até que ela disse que pegaria uma lata de cerveja. Já ele foi tomar banho. Enquanto isso, a moça abriu a lata, jogou todo o líquido fora. Ele ficou olhando do banheiro meio sem entender, até que ela tirou um cortador de unhas da bolsa, aqueles de vó, sabe, puxou a faquinha, cortou fez um buraquinho na lata e foi pra cama. Ela simplesmente começou a fumar crack no quarto do motel.

É uma pena ele não contar essa história, porque ele diz que ficou debaixo do chuveiro por alguns minutos olhando pro azulejo e pensando se aquilo era normal. Por hora ele pensava "poxa, é só alguém usando um elemento químico pra relaxar". Mas também ficava com medo de sair do banheiro e ver a cena da Uma Thurman em Kill Bill atirada no chão. Ele diz que o resto da noite foi normal, mas nunca mais teve notícias da moça depois que a deixou em casa. 

Eu gosto tanto dessa história que eu não me importo se é mentira. Já virou uma verdade tão grande que eu conto como se fosse comigo. E a coisa já saiu do controle, porque tem mais gente aí contanto essa história como se tivesse sido com eles, inclusive em alguns podcasts por aí.

A outra história que eu queria contar é justamente a do motel. A do motel brasileiro, pra ser mais preciso. Eu terminei de ler há pouco um livro que inclusive tá de graça no Kindle pra quem é assinante Amazon, que é o Os motéis e o poder: da perseguição pelos agentes de segurança ao patrocínio pela ditadura militar. Ele é de autoria de uma dupla:  Murilo Fiuza de Melo e Ciça Guedes. E, cara, é uma delícia de leitura. Uma super reportagem como os motéis tinha uma proposta bem diferente do que a que nós conhecemos atualmente. 

E é engraçado porque, quando eu era moleque, ou meio burro, ou talvez as duas coisas, eu não entendi como nos filmes haviam tantos motéis. Sempre com aquele letreiro gigante, com uma seta piscando. Eu via as famílias nos filmes dormindo no motel, passando uma noite durante a viagem. Eu ficava extremamente confuso porque na minha cabeça de adolescente motel era refúgio para casais, sejam eles públicos ou não.

Mas o Motel, esse modelo americano, vem de motorist’s hotel. Sacou? M de Motorista e h de hotel, daí Motel. Um modelo americano muito popular na beira das estradas criado em 1925. Era um ponto de parada e de descanso que logo virou um grande negócio e essencial para que as famílias fizessem viagens mais longas a partir das décadas seguintes. 

A ditadura brasileira, no embalo da criação da Embratur, achou que a ideia americana seria uma boa referência pra incentivar as viagens dos brasileiros pelo país. Durante os governos de Arthur da Costa e Silva e do Médici, houve uma gigante liberação de recursos públicos e de incentivos fiscais para o setor, causando uma explosão de motéis espalhadas em rodovias do país.  

Email image

A ideia era até interessante, só que os tempos em 65 eram diferentes aos de 25. Vivíamos a era da mini saia, dos beatles, do ácido e da libertação sexual. Os motéis viraram alternativas perfeitas para encontros amoroso e de prostituição, o que antes acontecia em hotéis classificados como ‘suspeitos’ ou de alta rotatividade.

Muitos empresários pegaram financiamento e aproveitaram os benefícios fiscais que eram municipais, estaduais e federais, para investir no sexo. Só que ao mesmo tempo, esse tipo de estabelecimento começou a receber crítica dos conservadores e da polícia, que constantemente fazia operações nos motéis a procura da utilização de drogas ou reuniões clandestinas. Aí a estratégia foi qual? Trazer investidores militares para a putaria, que viraram grandes empresários do ramo. 

Com o investimento dos milicos, o então governador de São Paulo, Laudo Natel, assinou um decreto que regulamentou as diligências policiais destinadas a “fiscalizar hotéis". Os agentes começaram a pegar mais leve. E pra isso foi fundamental a intermediação de um dos mais conhecidos nomes da repressão aos estudantes, o coronel Erasmo Dias, secretário de Segurança Pública do governador Paulo Egydio Martins (1975-79), que foi o responsável pela invasão policial da PUC em 1977.

Depois desse decreto o dono de motel deixou de ser um contraventor. Só o lugar que jamais prestou a função planejada, mas continuou sendo um negócio lucrativo até os dias de hoje. 

Esses relatos e outros muito bons, como o do padre mineiro que levava dezenas de fiéis pra porta do motel pra ficar rezando pelas pessoas que entravam, ou do esquema de seguro que um coronel militar oferecia a donos de motéis com o intuito de livrá-los da investigação da polícia e de fiscais, tudo isso tá no livro da Ciça e do Murilo. Eles ainda descrevem como a revolução sexual, a luta pelos direitos da mulher, a pílula anticoncepcional e o desenvolvimento da indústria automobilística no país foram cruciais para a duração do negócio.

Só não contam a história da moça fumando craque na latinha de Itaipava. Essa eu mesmo faço questão de contar. 


Caso você utilize um agregador como Spotify ou iTunes, siga o podcast e deixe um avaliação. Obrigado! ;)


Sobre o autor: Fred Fagundes é jornalista, produtor de podcasts e dono das melhores vagas em estacionamentos. Em caso dúvidas ou sugestões, entre em contato via redes sociais ou pelo e-mail: qmat.podcast@gmail.com.