#17 - o homem da gravata florida
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#17 - o homem da gravata florida

Me diga se essa história é familiar: um pré-adolescente estudioso, com poderes de bruxo, decide burlar as regras do lugar onde vive para buscar a pedra filosofal. Antes de cumprir a missão, ele atravessa por aventuras, descobertas e lições sobre a vi

Fred Fagundes
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#17 - o homem da gravata florida

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Transcrição do episódio: 

Me diga se essa história é familiar: um pré-adolescente estudioso, com poderes de bruxo, decide burlar as regras do lugar onde vive para buscar a pedra filosofal. Antes de cumprir a missão, ele atravessa por aventuras, descobertas e lições sobre a vida. 

Tudo bem responder Harry Potter. Eu teria respondido Harry Potter se não tivesse lido esse roteiro antes. Mas na real trata-se daquele que pode não ter sido exatamente a inspiração de J. K. Rowling, mas com certeza foi a de Jorge Ben. 

Estamos falando de Paracelso. O Homem da Gravata Florida. 

A Tábua de Esmeralda, clássico LP de Jorge Benjor, que na época ainda era Jorge Ben, traz na segunda faixa do Lado A a música "O Homem da Gravata Florida". Uma música que basicamente é um ode ao estilo e combinação de cores desse assessório. 

O tal homem da gravata florida se chama, atenção, hein: Philippus Aureolus Theophrastus Bombastus von Hohenheim. Ou simplesmente Paracelso. Jorge Ben escreveu essa homenagem porque acabou descobrindo a história de Paracelso quando estudava sobre Nicolas Flamel, alquimista, muso de Jorge e namo-mora-rado da viúva. E que também deu nome ao personagem de Edson Celulari na novela Fera Ferida, de 1993. 

<i>Edson Celulari interpretou Raimundo Flamel, o alquimista de&nbsp;Tubiacanga</i>
Edson Celulari interpretou Raimundo Flamel, o alquimista de Tubiacanga

Mas vamos focar no Paracelso, o nosso bruxo. Ele se formou em medicina em Viena por volta de 1490 utilizando métodos que contestavam todos os médicos da época. Nos 30 anos seguintes, Parcelso percorreu a Europa e o Oriente Médio e estudando ciências ocultas, magia negra, curando feridos nas frentes de batalha e, principalmente, se desfazendo dos manuais de Medicina. 

Neste mesmo período, Paracelso iniciou um das suas principais jornadas: a busca pela pedra filosofal. Pra quem não sabe, trata-se de um item capaz de transformar chumbo em ouro e tornar o homem imortal. Para alguns, ele estava se tornando o maior cientista de todos os tempos. Para outros, não passava de um charlatão pretensioso. 

Em 1530, ele irritou o conselho médico de Nuremberg por escrever a melhor descrição da sífilis da época. Afirmou que a doença podia ser tratada por via interna com compostos de mercúrio — diagnóstico que seria comprovado quase quatro séculos depois, em 1909, por um alemão que criou o Salvarsan, o primeiro remédio eficaz contra a sífilis.

Foi pouco depois de 1530 que Paracelso deixou uma de suas maiores heranças pra humanidade. Ele encontrou a ligação entre o bócio aos minerais da água potável, especialmente o chumbo. Frequentando tavernas, em meio a prostitutas, ladrões, soldados e trabalhadores, escreveu o livro As enfermidades dos mineiros, considerado o primeiro tratado de Medicina do trabalho. 

Esse livro levou o então jovem Karl Marx a escrever uma biografia do autor, em 1841. Ambas as obras foram fundamentais para os direitos do trabalhador em relação a sua saúde física e mental que são garantidos até hoje.

As histórias de Paracelso espalharam-se pela Europa. E quando correu a notícia de que ele aceitou lecionar Medicina na universidade de Basiléia, em 1527, para lá foram estudantes de todas as partes. As autoridades municipais ficaram apreensivas quando ele convidou para suas conferências não apenas os estudantes, mas todo o povo. Essa apreensão iria virar escândalo quando Paracelso, cercado por uma multidão, queimou em praça pública livros dos pais da Medicina.

Solução: teve que fugir para não ser queimado no lugar dos livros.

Passou o resto da vida escrevendo sobre pestes, epidemias, glaucoma, ocultismo e filosofia. Em 1541, internou-se em um hospital e passou a escrever sobre misticismo e comentários de passagens bíblicas. No último dia do verão, chamou o tabelião para redigir seu testamento. Quando o escrivão se retirou, escreveu, até nos mínimos detalhes, as instruções para seu enterro. Três dias depois estava morto. 

O enterro, conforme seu desejo, foi na igreja de Santo Estêvão, em Salzburgo, onde em 1591 os moradores mandaram colocar uma placa de mármore: “Aqui jaz Philippus Theophrastus Bombastus von Hohenheim, famoso doutor em medicina que curou toda classe de feridas, a lepra, a gota, a hidropisia e outras várias enfermidades do corpo com ciência maravilhosa. Morreu em 24 de setembro do ano da graça de 1541”.

A pedra filosofal Paracelso não descobriu. Mas além de salvar milhares de vida, criar conceitos essenciais para a medicina moderna, e ainda nos deixar teorias maravilhosas sobre a lenda do superior desconhecido, que basicamente é uma interpretação do Universo onde matéria e corpo astral convivem e se relacionam, o homem inspirou Karl Marx e parte de uma obra prima da música brasileira. 

E olha esse relato. Em novembro de 2009 o Jorge Benjor disse em uma entrevista a Trip que levou o Gilberto Gil até a casa do Paracelso na Suiça. Eles aproveitaram o rolê e foram conhecer também a casa do Nicolas Flamel, em Paris. O diálogo a seguir é uma leitura da entrevista:

E Paracelso é “o homem da gravata florida”?

É! A história dele é maravilhosa também. Tem até hoje a casa dele na Suíça alemã. Levei o Gilberto Gil na casa do Nicolas Flamel. E, por incrível que pareça, o Gil viu uma coisa lá que eu vi, só nós dois vimos, na casa de Nicolas Flamel. Depois eu perguntei: “Gil, você viu uma coisa que eu vi?”. Ele falou: “Eu vi, você viu?”. Foi incrível.

Mas o que foi?

Vi uma coisa lá, na casa de Nicolas Flamel.

Não vai contar o quê?

Não, não. Mas vimos.

E não era sob o efeito de alguma substância?

Não, não. Vimos uma coisa lá. Nós vimos alguma coisa, mas bonita, não feia. Uma coisa bonita.


Eu acho curioso que o Jorge entra nesse tema da visão na casa do Flamel depois da pergunta sobre o Paracelso. O que será que eles viram? Eu apostaria numa gravata. A estampa eu deixo pra sua imaginação. 


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Sobre o autor: Fred Fagundes é jornalista, produtor de podcasts e dono das melhores vagas em estacionamentos. Em caso dúvidas ou sugestões, entre em contato via redes sociais ou pelo e-mail: qmat.podcast@gmail.com.