#18 - o dia que menti pra Ruth Lemos
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#18 - o dia que menti pra Ruth Lemos

Menti mesmo. Mas foi só pra terminar a faculdade.

Fred Fagundes
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#18 - o dia que menti pra Ruth Lemo

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Transcrição do episódio: 

Recebi há pouco o anúncio de um festival do YouPix que comemora 15 anos em 2021. Quinze anos, cara. Parece que foi ontem que eu vi o Vitinho Sou Foda cantando no YouPix. Mas me chamou a atenção, além desses 15 anos, o título do evento é do Meme ao Negócio. Eu já tava preparando há alguns dias esse episódio e acho que veio a calhar essa inspiração aí do festival.

O meme é um termo que foi ganhando variações e desdobramentos com o passar dos anos. Como quase tudo na Internet, desde blogueirinha pra qualquer pessoa que recebe um midia kit até podcast pra dois trouxas falando numa mesa de madeira. Não vou entrar naquele papo de etimologia do Meme, que todo mundo já tá meio enjoado de saber, de que vem de ‘mesmice’ em Grego, e tal. Eu queria destacar o primeiro meme de nossas vidas. Você lembra qual foi o seu?

Antes é preciso organizar um negócio. Há uma grande diferença entre meme e viral. O viral foi uma praga que as agências de publicidade implantaram na nossa cabeça e que o cliente nunca entendeu direito como funciona. O viral era basicamente uma mensagem que saia do seu controle e espalhava-se por todos os meios. Já os memes eram as variações desse viral, que podiam ser desde funks, até remixes, ou a aplicação da cara do Seu Madruga na imagem. 

Eu lembro do primeiro viral que viciei. Star Wars Kid. Lembram dele? Era um adolescente americano ou canadense, não sei, que se filmou fazendo golpes com um bastão. O vídeo ganhou muitas montagens com sabres de luz, músicas do Mortal Kombat e por aí vai.

No Brasil o termo meme teve grande importância na disseminação dos blogs. Isso porque o meme era um tipo de ‘corrente’ para que o outro blog respondesse e desafiasse um terceiro. Tipo “meme de melhor episódio do Chaves”, aí o blog x postava e desafiava outros 5 a fazerem o mesmo. Isso criou uma grande rotatividade de acessos e proporcionou aos leitores a descoberta de novas páginas. 

O meme foi perdendo essa essência e mesclando o seu significado com o viral. Com grande responsabilidade do alcance de fóruns como o 4chan ou o reddit, as respostas em formato de imagens ou desenhos se apropriaram completamente do que poderia ser um meme. Os fuckyea, poker e troll face se tornaram símbolos de cultura pop digital. Logo, ninguém mais sabia pra onde esse conceito estava indo. Então ficou meio que definido que a repetição de uma mensagem e sua constante variação poderia, sim, ser classificada como meme. 

É claro que eu já to falando de 2011, 2012, por aí. Cinco anos antes a coisa era bem diferente. E foi nessa epoca que eu estava terminando a faculdade e inventei de fazer a monografia sobre Cibercultura. A minha tese defendia que todo mundo, independente do volume de conteúdo, um dia seria uma celebridade digital e relevante para um grupo. É o que hoje, inclusive, chamam de micro influenciadores. Mas em 2008 chegar até essa previsão foi bem complicado. Especialmente porque existia pouca referência bibliográfica. Eu me apoiei muito nos artigos do André Lemos e do Pierry Levy, que foram bem solícitos na epoca. 

Depois de apresentar a tese teórica eu parti para o produto prático. Podia ser um site, uma revista, até um podcast. Mas eu, jovem, cheio de energia e principalmente vaidoso, inventei de fazer um documentário. E lá fui eu e meu cinegrafista Rodrigo Fernandes em busca de depoimentos para o documentário. E chegamos a bons nomes. Entrevistamos o Alexandre Inagaki, Ednei Souza, Mr Manson, Sergio Gwercman, Marcelo Tas, O Kibeloco, Bruna Surfistinha,, também o Guilherme Zaiden, lembram dele? O pessoal dos Melhores do Mundo, enfim, muita gente que divulgava e também os que já eram celebridades por causa do conteúdo que produziam. 

Mas a minha meta era ir até Recife entrevistar aquele que eu considero um dos principais personagens desse tema. Que simboliza tudo o que uma celebridade do início do século carregava. Desde a espontaneidade, passando pelo vexame até a falta de controle pessoal devido o uso de substâncias químicas. Jeremias José do Nascimento.

E eu fiz os 3 mil km que separam Cuiabá do Recife. Depois peguei um ônibus até Caruaru ao lado do grande Sampson Moreira, do blog Inovavox, autor do álbum de figurinhas dos blogs, outro grande meme da epoca. Com a ajuda de Givanildo Siqueira, o repórter do Sem Meias Palavras que entrevista o Jeremias, fomos até a casa do homem. Que infelizmente não estava por lá. Segundo os vizinhos ele tinha ido visitar a mãe em outra cidade. 

Mas tudo bem. De volta ao Recife eu tinha outro alvo: Ruth Lemos, a nutricionista que ficou famosa ao gaguejar numa entrevista a TV Globo Nordeste. Muita gente durante anos achou que a Ruth Lemos fosse gaga. Mas na real ela só ficou nervosa e foi prejudicada pelo atraso do áudio do ponto eletrônico. E de fato, até pra quem é mais experiente, falar com o ponto atrasado é muito difícil. 

Num primeiro momento, quando expliquei do que se tratava por telefone, a Ruth Lemos não quis dar a entrevista. Estava meio entediada desse assunto. Ela já tinha até ido ao Jô Soares, uns 2 anos antes, pra relembrar o fato. Estava, segundo ela, focada na profissão. 

Foi então que, com a ajuda do meu caro Sampson, inventamos no dia seguinte que eramos estudantes de nutrição e queríamos fazer um trabalho sobre a atuação do Conselho Nacional de Nutrição, o qual Ruth era uma das diretoras. Rapidamente conseguimos uma agenda e lá fomos fazer a gravação.

Uns 10 minutos depois de captar imagens da nutricionista falando sobre a profissão e os projetos do Conselho, eu mandei aquele “eu to te reconhecendo…” Ela abriu um simpático sorriso e respondeu “será?”. Foi a deixa pra eu adentrar no assunto e, surpreendentemente, ela reagiu super bem. Reforçou que o áudio atrasado do ponto prejudicou, aquela coisa toda. Foi quanto eu perguntei quando que ela ficou sabendo que o vídeo estava fazendo sucesso. Aí ela fez uma revelação: foi pelo Zico.

- "O Zico?", eu questionei.

E ela explicou.

Uma das melhores amigas de Ruth era governanta na casa do Zico no Japão. Na epoca ele treinava a seleção de futebol deles. Ela passou pelo escritório e o Zico estava quase se mijando de rir de um vídeo no computador. Ele a chamou pra ver e na hora ela reconheceu a amiga. O Zico ficou surpreso e disse “sua amiga é uma estrela”.

Ela mandou um SMS pra Ruth falando que o vídeo dela estava fazendo sucesso até no Japão. Foi aí que a Ruth se aprofundou melhor no assunto e descobriu que os portais, blogs e programas de humor já estavam repercutindo a situação.

Depois eu fiz outras perguntas sobre como ela capitalizou com isso. Inclusive politicamente, já que ela foi candidata a vereadora e a federal nos anos seguintes, além de ser ativa no conselho de nutrição. Ela foi muito simpática. Só que até hoje deve achar que eu virei um colega de profissão. 

Eu não gosto de entrar nessa discussão se antes a internet era melhor ou pior. O que é cada vez mais raro é esse efeito surpresa de quem se tornava um meme, ou viral, como a Ruth Lemos ou o Jeremias. Era tudo muito novo e muito tênue essa linha entre o vexame e a idolatria. Foram muitas experiências numa epoca que se falava ‘não existe uma fórmula mágica para fazer sucesso na internet’. Hoje a gente sabe qual a receita pro vídeo funcionar, o call do action pra interação, as referências de humor adaptadas para um regionalismo…

Todos têm o seu valor e proporcionam momentos legais. Até porque a piada, o humor, ele é mais propriedade de quem precisa do que quem cria. Seja involuntário ou não.



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Sobre o autor: Fred Fagundes é jornalista, produtor de podcasts e dono das melhores vagas em estacionamentos. Em caso dúvidas ou sugestões, entre em contato via redes sociais ou pelo e-mail: qmat.podcast@gmail.com.