Entenda como Olavo Bilac e José do Patrocínio protagonizaram o primeiro acidente de carro registrado no Brasil.
#22 - poetas não sabem dirigir | ||
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Transcrição do episódio: | ||
Quando foi a sua primeira vez? | ||
Você pensou em sexo, né? | ||
Tá tudo bem, não precisa se envergonhar. É natural. Logo cedo, ainda jovens, descobrimos a imposição da sociedade sobre a importância da primeira relação sexual para meninos e meninas. De modos distintos, é claro. | ||
Mas existem outras primeiras vezes que também podem ser marcantes. Primeiro banho de mar. Primeiro dia de aula. Primeira ida ao cinema. Primeiro porre. Primeira passagem pela polícia por desacato a autoridade. | ||
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É uma transição de experiências. Um fechamento de um ciclo, abertura de outro. Na maioria das vezes não muda quase nada. Mas é simbólico. Eu diria que é até poético celebrar ou relembrar algumas primeiras vezes. | ||
O fator pioneirismo tem grande prestígio pra ratificar uma autoridade. Ele demonstra que em algum momento você esteve avançado dos demais. E que, teoricamente, tem mais bagagem no assunto. Tem mais conhecimento e noção do que é bom ou ruim ou do que dá certo ou pode dar errado. | ||
Há séculos a gente procura soluções criativas para o nosso conforto e até mesmo conquistas como sociedade. E por mais que exista uma equipe, um time, toda uma estrutura que leve até a descoberta, o ator principal é quem carrega essa honra pela eternidade. O primeiro avião, quem pilotou? Santos Dumont. O primeiro homem a pisar na lua, Neil Armstrong. | ||
Monstros, mitos sagrados, só fizeram coisa massa. | ||
Mas eles, os vanguardistas, até eles erravam. | ||
Em 1904, no Rio de Janeiro, aconteceu aquela que ficou conhecido como o primeiro acidente de carro registrado no Brasil. | ||
E não foi qualquer carro. E muito menos qualquer motorista. | ||
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O Rio de Janeiro do início do século passado era uma cidade bucólica, com pouco mais de 800 mil habitantes e que via a crescente chegada de imigrantes da Europa em busca de trabalho. Nem todas as ruas eram pavimentadas. Mesmo assim, um intelectual brasileiro não pensou duas vezes ao trazer de Paris a seguinte novidade: o Serpollet. | ||
O Serpollet era um triciclo com motor a vapor. Havia sido inventado há apenas 3 anos, era uma novidade na Europa e inédito no país. Foi anunciado com grande pompa no Rio de Janeiro. | ||
Eu não falei quem era o tal intelectual, né? Simplesmente José do Patrocínio, abolicionista, poeta e Fundador da Academia Brasileira de Letras. No artigo “A era do automóvel”, daquele mesmo ano, o cronista João do Rio relatou a reação da população ao se deparar com um automóvel do seguinte modo: | ||
O primeiro (carro), de Patrocínio, foi motivo de escandalosa atenção. Gente de guarda-chuva debaixo do braço parava estarrecida, como se tivesse visto um bicho de Marte ou um aparelho de morte imediata. | ||
O José, digamos, apenas curtia o momento. Certo sábado ele estava lá de bobeira, dando um trato no possante, quando pensou: “vou dar um rolê”. Foi então que ele teve a brilhante ideia de convidar um amigo pra fazer companhia. Esse amigo era Olavo Bilac, o príncipe dos poetas brasileiros. | ||
Patrocínio, então, sentou no banco do carona (à esquerda, pois os carros ainda eram projetados em mão inglesa) e Bilac assumiu a direção sem, obviamente, nunca ter tido contato com um carro. | ||
Patrocínio deu algumas instruções ao amigo, que partiu de Botafogo ruma à Estrada Velha da Tijuca, no Alto da Boa Vista. | ||
Você já ensinou alguém a dirigir? Pois então, mesmo o carro sendo a vapor, automático, com seguro ou não, você nunca, jamais dá o carro pra alguém que não dirige perto de locais onde existem árvores ou postes. | ||
Faltou essa mãnha ao José do Patrocínio. | ||
Segundo registros do próprio Olavo Bilac, o carro chegou a 4 km/h antes da primeira curva. Foi aí que ele perdeu o controle e bateu uma árvore. Graças a deus, ninguém se machucou. Mas o carro deu perda total. | ||
Em 1905, Bilac escreveu sobre o acidente no jornal A Notícia. Ele descreveu o primeiro automóvel do Rio como feio, pequenino, amarelo e que deixava um cheiro "insuportável" de petróleo no ar. | ||
O fato do primeiro acidente automobilístico do Brasil envolver dois dos maiores brasileiros de todos os tempos, José do Patrocínio e Bilac, quase deixa em segundo plano uma informação valiosa dessa história: 4km por hora. Era essa a velocidade do carro. E o Bilac bateu numa árvore porque não conseguiu fazer a curva. | ||
Pense numa curva fechada, né? E batendo justamente numa árvore. Que é tema de um dos mais conhecidos poemas de Bilac, Árvores Velhas. | ||
O homem, a fera, e o inseto, à sombra delas | ||
Vivem, livres de fomes e fadigas; | ||
E em seus galhos abrigam-se as cantigas | ||
E os amores das aves tagarelas | ||
É. Por isso que eu sempre digo: dirigir é cabeça. É concentração. Jamais, no trânsito, se deixe levar pelas emoções. | ||
E imagina como isso deve ser difícil para um poeta. | ||
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Sobre o autor: Fred Fagundes é jornalista, produtor de podcasts e dono das melhores vagas em estacionamentos. Em caso dúvidas ou sugestões, entre em contato via redes sociais ou pelo e-mail: qmat.podcast@gmail.com. |