Desvirtuamento dos movimentos políticos
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Desvirtuamento dos movimentos políticos

Desvirtuamento dos movimentos políticos na contemporaneidade.

Rafael Condack Barcelos
9 min
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     Caro(a) leitor(a),

     Meu nome é Rafael Condack Barcelos, sou estudante de Ciência Política no Instituto Superior de Ciências Sociais e Políticas da Universidade de Lisboa (ISCSP–UL). Bem-vindo a este espaço onde estarei publicando algumas percepções sobre o mundo da política de maneira simples e objetiva sem vínculo com os meus estudos dentro da universidade. Confesso que nunca me vi escrevendo um artigo técnico sobre este campo do conhecimento. Estou criando este espaço como uma forma de apresentar o meu descontentamento quanto a alguns tópicos políticos, mas também como forma de materializá-los para não serem esquecidos no meu próprio mundo político (eu e eu).

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     Neste primeiro artigo gostaria de abordar um pouco sobre a desvirtuação de certos movimentos políticos ao longo da história. É válido ressaltar que deve-se ter cuidado caso você seja fanático por um movimento social, político, ideologia política ou até mesmo por uma simples página no Instagram. Este texto é para ser lido de maneira neutra e sem a grande influência propagada por estes veículos. O cientista político não está aqui para amenizar os fatos ou “passar pano”, mas sim para trazer percepções da realidade. Um cientista político nunca deve sobrepor a sua opinião política própria sobre as pautas em discussão. Um excelente cientista político será aquele que confunde a cabeça de todos! Digo isso na visão da neutralidade do cientista político enquanto um transmissor de informação. “Ele é de direita ou de esquerda?”, “Ele concorda com isso que está dizendo?”, “Esse cara parece ser de centro mesmo…”, “Em quem que esse cara votou?”. Portanto, essas são algumas perguntas que podem surgir e que para um cientista político, para mim pelo menos que estou iniciando os estudos na área, seria algo incrível de presenciar, visto que mostra um trabalho profissional de análise política.

     É necessário tirar os antolhos e olhar tudo com uma visão livre e ampla sobre o assunto. Bom, a política de antigamente não é a mesma de hoje. O jogo político com certeza não é mais o mesmo. Novas pautas incidem sobre a realidade política atual, que antigamente eram tabus ou até mesmo irrelevantes para a época. Exemplo disso são os movimentos que abordam questões climáticas, raciais, de gênero, etc. As preocupações e os focos eram mais reais dentro e fora destes movimentos. Tampouco, desvalorizo a luta por detrás desses movimentos também, mas algo deveria ser avaliado. As gerações atuais também não estão percebendo o princípio destes movimentos. As gerações atuais não consideram o contexto de luta do passado como forma de entender a real necessidade de manifestação da sociedade, como é o caso das questões climáticas ou a liberdade de expressão, a tolerância religiosa, e assim por diante.

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Reprodução: Apud Renato Lemos (org.) Uma história do Brasil – Através da caricatura: 1840-2006, 2006. 

     Hoje em dia é muito fácil ver um integrante de qualquer que seja o movimento político, seja de esquerda ou de direita e perceber que essas pessoas não se relacionam com a ideia originária dos movimentos dos quais se dizem fazer parte ou apenas apoiar. Vamos para alguns exemplos. O primeiro exemplo que eu gostaria de abordar, foge um pouco dos movimentos ditos de "esquerda" que também irei comentar no decorrer deste artigo. Tivemos no dia 6 de janeiro de 2021, a histórica invasão do Capitólio como forma de protesto ao resultado das eleições americanas que acabaram por eleger o atual presidente Joe Biden, ao invés do ex-presidente Donald Trump conforme a narrativa deste grupo de eleitores pró-Trump. Trump vem de uma ala ultra-conservadora, e obviamente, seus apoiadores deveriam ser conservadores, até ele próprio deveria ser conservador.  Digo “deveriam ser conservadores”, pois existe uma contradição. Bom, se você veste a camisa de um time de futebol há de ter um propósito. Seu propósito é defender as cores do time e participar de sua torcida. O ponto é: ser conservador no princípio de tudo é ser um respeitador da ordem, da justiça e da liberdade. Acredito que quando se invade um local, seja ele qual for, não se demonstra ordem e muito menos a busca pelo respeito às instituições democráticas que é um dos preceitos do conservadorismo. Me parece hipocrisia, defender princípios que não são obedecidos.

<i>Reprodução: BBC</i>
Reprodução: BBC

     Vamos para mais alguns exemplos, agora mais para a esquerda, para alguns movimentos ditos de “esquerda” que em uma percepção geral deveriam ser movimentos para todos e todas pelo fato de englobar várias bandeiras. Hoje, na prática a dita “militância” não veste a camiseta dos princípios do movimento. Exemplo disso é o feminismo, onde as mulheres lutavam por direitos iguais aos dos homens no início. Claro que o mundo evolui e outras necessidades foram surgindo. Porém, concorda que os homens tiveram que atender às reivindicações do feminismo, se não fosse assim o feminismo não teria sequer sucesso durante toda a sua trajetória. Hoje a perda dos objetivos iniciais no feminismo fica notória por parte de feministas radicais que esquecem desses valores iniciais. Onde a luta não é em si uma guerra, mas a tentativa de criar laços, criar forças conjuntas entre homens e mulheres para se fazer do mundo um lugar melhor. Não se faz um mundo melhor com radicalismo e segregacionismo, essa é a verdade. 

     Hoje se vê muito esse afastamento dos homens desse debate, apenas por serem homens. O mundo na abordagem feminista deveria incluir os homens no debate, contando com a participação deles para o alcance das reivindicações, para o respeito, igualdade, e para com isso, conseguir expor uma boa proposta para a resolução dos problemas na sociedade.

     Lamentavelmente uma luta tão séria como a do machismo estrutural foi tomada pela importância de visibilidade pessoal nas redes, a que pelo próprio enfrentamento real do machismo na sociedade. Hoje em dia, algumas pessoas fazem o famoso linchamento virtual, mas na verdade não estão preocupadas com as mulheres que são estupradas a cada 10 minutos no Brasil. Ao invés de se importar tanto com pautas desimportantes como o sexo masculino em si, o foco deveria estar nessas mulheres que foram violentadas e nos homens dos quais fizeram esse tipo de coisa horrenda.

     O foco mais importante hoje em dia deveria ser esse, mas aparentemente parte do movimento gasta mais tempo e energia que deveria ser usada para o bem, criticando de forma generalizada o homem em si. Brincadeiras estragam esse tipo de movimento. Generalizar um homem, como todo homem sendo um indecente, acaba que descredibiliza a luta. Ocorre um afastamento dos homens por essas brincadeiras. Com esse afastamento, nada se resolve.

<i>Crédito: Carlos Latuff</i>
Crédito: Carlos Latuff

     Nos ensinaram a não falar sobre política, mas a vida é feita de política! A vida requer debate, saber ouvir ideias divergentes, mas sobretudo exige evolução de ideias, busca de soluções, enfrentamento de desafios para a sociedade moderna e tudo isso está englobado na política. É necessário sim discutir política. Política é presente, passado e futuro. E por falar em futuro, não se pode deixar de abordar as questões ambientais. O movimento pelas causas ambientais carece de melhoria na sua abordagem. Meio ambiente primeiramente é uma pauta de todos e para todos, não apenas de uma ala da esquerda. É triste ver essa segregação, mas ela acontece. Assim como é triste olhar de longe uma manifestação pelo meio ambiente e ver um monte de garrafa pet no chão ou qualquer outro tipo de resíduo. Infelizmente esse tipo de coisa acontece. O mundo não é perfeito, assim como a militância sempre terá as suas fraquezas, porém é preciso perceber essas pequenas coisas porque no fim elas fazem grande diferença.

<i>Reprodução: Luísa Teresa Ribeiro</i>
Reprodução: Luísa Teresa Ribeiro

     Vamos agora para o movimento negro e LGBT. Quero trazer uma perspectiva agora um pouco feminista da atualidade onde é perceptível que todos esses movimentos querem se unir, mas não se juntam porque parte da militância é simplesmente cega. Vale ressaltar que no início da expansão das sufragistas no Brasil, as mulheres negras queriam o seu espaço para conseguir a abolição da escravidão. Porém, foram negadas pelas sufragistas brancas por medo delas perderem os seus direitos. 

     Perceptível que o que era um problema, ainda persiste. O problema está na hierarquização das classes que no final, se querem que todo mundo seja igual, tenham os mesmos direitos… Façam valer essas palavras. Porém, sempre tem aquela hierarquização! Uma hora esquecem da mulher negra, outra hora a mulher trans é esquecida, outra hora a mulher trans negra é esquecida porque a mulher branca do movimento não sei o que lá. Querem algo tão simples, mas que no final tudo se torna muito complexo. O problema hoje em dia é falar muito e fazer pouco. O problema é se importar mais com o incômodo a que com o próprio incomodado.

     Verdade tem de ser dita. Todo mundo quer ser ajudado, mas ninguém se faz ser ajudado. É mais fácil apontar o dedo para o outro, a que apontar o dedo para si e começar a olhar e perceber os próprios erros antes de fazer algo. Isso serve para os dois lados da moeda. O mundo só vai mudar quando ninguém olhar se o pássaro tem as asas douradas ou prateadas, se o animal tem patas ou não tem, se o tubarão gosta de alga ou de camarão. Resumo do artigo: menos segregação, mais foco na pauta, mais senso de princípio. Claro, o mundo mudou, os movimentos evoluem, mas o foco principal está sempre lá e infelizmente acaba por ser apagado por pessoas desinformadas. Desinformadas porque as redes sociais formam um cabresto sobre as pessoas.

     Ficou confuso? Acha que eu não apoio nenhuma causa? Pensa que eu sou um mero crítico seco? Obrigado! Eu tenho consciência quando acredito em algum movimento. Tudo bem gostar de um movimento que tem pessoas que destroem os princípios. O importante é você acreditar em si mesmo e ter consciência de onde você está dentro de um movimento ou linha de pensamento. Um movimento é para todos, o segregacionismo acaba com um movimento e abre brecha para percepções como essa, assim como deixa de agregar mais pessoas. Não gosto de me sentir um crítico, isso é muito elevado para mim e acredito que para qualquer pessoa. Uma análise de percepções é a palavra correta. Não quero passar uma visão generalista porque sei que tem pessoas que têm consciência dentro desses movimentos. É horrível generalizar, estaria indo até contra o meu próprio artigo.

     Eu sei que esse artigo não vai mudar a realidade. Porque o que se diz hoje pode parecer ou uma grande bobagem, ou algo para ser idolatrado. Infelizmente amanhã todo mundo já esqueceu, assim como esqueceram os princípios dos movimentos aqui abordados desde os mais à direita até os mais para a esquerda. Deve-se evitar a radicalizações em diversos contextos Deve-se evitar a generalização sobre o comportamento das pessoas em seus movimentos. Deve-se evitar a segregação. Faça a sua voz e a dos outros valerem! Obrigado por ler até aqui! Até uma próxima análise quente sobre a realidade política.