O fim da oratória
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O fim da oratória

Você investiria seu tempo, dinheiro e esforço para obter uma melhoria de 1% em algo que você está fazendo? Com certeza. Principalmente se você já garantiu todos os outros 99% de fatores que já melhoraram a sua atividade.

Rafael Spínola
4 min
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Você investiria seu tempo, dinheiro e esforço para obter uma melhoria de 1% em algo que você está fazendo? Com certeza. Principalmente se você já garantiu todos os outros 99% de fatores que já melhoraram a sua atividade.

Essa é a minha briga com a oratória. Ela é esse 1%, consequentemente o último item a ser trabalhado. Na regra de Pareto, 80/20, a oratória muitas vezes exige 80% do esforço para 1% de benefício. Oratória é como o glacê. Glacê te faz querer comer o bolo, mas não é bolo. Para chegarmos a essa conclusão, precisamos entender quais são os outros fatores que, quando trabalhados, rendem um ganho para o comunicador muito maior que a oratória.

O fator número um que qualquer pessoa precisa ter para levar uma mensagem adiante é ter adquirido o direito de falar sobre aquele assunto, seja por estudo ou por experiência. Somente quem entende do assunto é capaz de fornecer evidências que comprovem seus pontos de vista, de ajudar as pessoas do público no que querem e precisam, de responder perguntas com precisão, e de provocar mudanças no entendimento, nas ações e na forma de pensar do público.

O segundo fator é estar com vontade de falar sobre aquele tema. Dificilmente conseguimos fazer algo bem quando estamos contrariados. Mesmo o maior especialista sobre o assunto não vai se abrir se naquele momento ele não estiver a fim.

Esses dois primeiros fatores são barreiras proibitivas. Sem eles, não tem como uma pessoa se comunicar diante de uma audiência. Do terceiro fator em diante teremos itens que aprimoram a experiência do público.

O terceiro fator é o entusiasmo ao falar. Podemos facilmente distinguir quem realmente está entusiasmado para falar de um tema e quem não está. Uma piada a respeito dos praticantes de CrossFit, por exemplo, é: por que o praticante de CrossFit atravessou a rua? Para falar para a pessoa do outro lado da rua que ele pratica CrossFit. Ah, então só vai funcionar se for um entusiasmo extremo? Claro que não. Até porque temos os introvertidos, os intelectuais, que demonstram seu entusiasmo de maneiras diferentes. Precisamos sentir que a pessoa está "com o dedo na tomada" enquanto fala.

O quarto fator é a estrutura. Começamos com adquirir o direito de falar, mais racional, depois falamos de vontade e entusiasmo, emocionais, e aqui fechamos um ciclo retornando para um fator racional. É comum vermos pessoas apaixonadas e entusiasmadas por um tema, que querem falar quatro tópicos, chegarem no primeiro e entrarem em um mergulho sem fim, esgotarem o tempo, falarem de coisas que não fazem sentido para a audiência, e não atenderem os desejos e necessidades do público. A estrutura vem para garantir que o propósito seja atendido, que o tempo seja cumprido, e quem fala não se perca.

O quinto fator é a congruência. Congruência é fazer com que o tom de voz, os gestos e as expressões corporais coincidam com as palavras que estão sendo ditas. Se a mensagem é triste, cara, corpo e tom de voz tristes. Se a mensagem é animada, cara, corpo e tom de voz animadores. O conceito de congruência pode se estender, inclusive, para os slides e materiais gráficos para apoio da audiência.

Recapitulando, quem fala precisa dominar o assunto e querer falar sobre ele. Na sequência, o entusiasmo ajuda a dar vida ao tema, a estrutura coloca cada coisa no devido lugar, e a congruência fortalece o entendimento da mensagem ao eliminar possíveis divergências.

Notou que a oratória não foi sequer mencionada? Onde ela entraria nesse sistema? Na melhor das hipóteses, a oratória ajudaria a trazer mais congruência, e aumentar o fator entretenimento, com mais variação de voz e gestos. Do jeito que ela vem sendo ensinada e trabalhada, ela acaba se tornando um desafio mais maléfico que benéfico. Em um recente benchmark de um de nossos concorrentes, que ofereceu um curso on-line de oratória e comunicação gratuitamente, identificamos 98 pontos que quem fala deveria prestar atenção para "garantir a efetividade da comunicação". Vamos concordar que é humanamente impossível.

Aliás, tudo em comunicação tem status de "unicórnio", esses seres míticos que povoam a imaginação, e não existem de fato. A oratória é um desses unicórnios, que ninguém sabe exatamente dizer o que é. Assim como a própria palavra comunicação. Esse é assunto para um outro dia.

Até lá, pense em como trabalhar cada um dos cinco fatores que te transformam na pessoa que as pessoas querem ouvir e na primeira pessoa que as pessoas se lembram quando pensam no assunto que você domina.