Quanto mais expectativas, mais feliz você será
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Quanto mais expectativas, mais feliz você será

Quando falamos sobre desejos, podemos utilizar de várias fontes de referências. Cada uma, em sua época, com suas definições.  Para fins de compreensão, neste artigo irei apresentar três das definições mais comuns. O objetivo é traçar um paral...

Raphael Ivan
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Quando falamos sobre desejos, podemos utilizar de várias fontes de referências. Cada uma, em sua época, com suas definições.  Para fins de compreensão, neste artigo irei apresentar três das definições mais comuns. O objetivo é traçar um paralelo entre elas e como irei desenrolar o texto usando uma como referência.


Bora lá!!!

Para os estóicos, o desejo é a falta. A ausência. O que não temos e que queremos ter. Aquilo que não somos, mas bem que seria bom, se fossemos.  Ou seja: O desejo é ausência. Só podemos desejar o que não temos, a partir do momento que conseguimos, deixamos de desejar.   Só se deseja ter um trabalho, quando não se tem um trabalho. Uma vez que o tem, não terá mais desejo pelo trabalho.  Para eles, o desejo é a representação da carência, da lacuna e da infelicidade. "Não deseje!" é o que eles te recomendariam. Em Grego, claro.


Outra referência sobre desejo é de Espinoza. Para Espinoza, o desejo é a força potencializadora  da vida.  Só vivemos porque desejamos. Desejamos sobreviver ante um perigo.  Desejamos reproduzir nossa espécie, desejamos ter uma vida diferente daquela que  hoje temos.  Aqui, o desejo é a principal força do homem para viver, evoluir e reproduzir. "Não existe nada vivente  no universo, que não esteja desejando" Espinoza. 


Agora vem, o que é pra mim, a melhor definição do desejo. Para Jacques Rousseau, o desejo é condição da felicidade. Somos felizes justamente porque desejamos. Vai além! Para Rousseau, o desejo é a própria felicidade.  O homem, através dos seus desejos e expectativas que cria do mundo, o torna melhor.  O desejo torna a vida real mais divertida, mais colorida, mais vivível.


Um ponto importante:  Durante o texto usarei o termo expectativas. Ao desejar, criamos expectativas sobre o objeto de desejo. Sendo assim, aqui não existe distinção  entre expectativas e desejos.

Com base em Rousseau:  Quanto mais expectativas você criar, mais feliz você será.

Poucas definições eu gosto mais do que a de Rousseau.  Para tentar deixar claro o cenário, vou criar uma estória hipotética, sem a mínima condição de acontecer no mundo real(contem ironia): Pedro conhece Laura numa festa, eles conversam por horas. No dia seguinte, eles saem para se conhecer melhor. Uma semana depois, Pedro está apaixonado por Laura.

Agora vamos a reflexão: Por quem Pedro realmente se apaixonou?

Aos olhos de Pedro, Laura é linda, inteligente, astuta, carinhosa,  fiel,  leal e qualquer outra características  que faria a Garota de Ipanema de Vinícius ficar no chinelo.  Somando todas as horas, Pedro passou 6 horas com Laura.  Seis horas de uma conversa filtrada, pois Laura mostrou à Pedro somente o que ela gostaria de mostrar.  Como poderia Pedro conhecer a verdadeira Laura tão bem, se nem Laura, que convive com ela tem 29 anos, se conhece? 


O que Pedro deseja tanto em Laura, se ele conhece tão pouco sobre Laura?


E aqui vem a delicia da vida: Pedro se apaixonou pelo o que ele projetou, desejou e/ou criou expectativas em Laura.   Pedro se apaixonou pelo imaginário que ele fez de Laura. Ele colocou em Laura, o que para ele são características importantes. Ele  projetou nela, o seu ideal de parceira.  A Laura  em si, foi apenas uma muleta para suas projeções.   Pobre Laura contra o imaginário de Pedro. A Laura da vida real, não tem a mínima condição de competir com a Laura de Pedro.  A Laura da vida real é chata, mimada, fala errado e não tem a performance sexual digna do Cirque  du Soleil, que Pedro imaginou.

Quando passa pela cabeça de Pedro sua primeira noite com Laura, ele imagina mil e um cenários. Mil e uma posições. Mil e um lugares diferentes.   O Imaginário tem permissões físicas, biológicas e químicas, que o mundo real não tem. A primeira noite de Pedro com Laura, só pode ser em um lugar e se bobear tediosa, por ambos estarem tímidos no primeiro encontro. 

A gente goza muito mais com o mundo almejado do que o mundo real. O mundo que imaginemos é muito mais divertido do que o real. O mundo real não tem a mínima condição de competir com o imaginado.No mundo real, Laura não consegue fazer as acrobacias sexuais que Pedro imaginou.  O objeto de desejo de Pedro  é o próprio imaginário do Pedro, não realmente Laura.  O desejo de Pedro é quase que só imaginação. Nossos desejos têm pouco a ver com o mundo e si, e muito a ver com a imaginação que fazemos sob o mundo.  Colocamos nas pessoas que desejamos, características que não são suas, mas sim, nossas. Aquelas que gostaríamos de encontrarmos ali.  

Em sua canção "Só para o meu prazer", o compositor Leoni  descreve muito bem este contexto:

"Não fala nada
Deixa tudo assim,por mim
Eu não me importo Se nós não somos bem assim
É tudo real nas minhas mentiras

...
Eu te recriei só pro meu prazer
....
Só pro meu prazer, eu quero você como eu quero.
 ...
Será que você não é tudo que eu penso?
Também se não for, não faz mal, não.
"


Ahhhh o amor! 

Nesta bela canção de amor, Leoni descreve muito bem como funciona nossa máquina de projetar desejos.  Não é o outro que faz nascer o desejo em nós, somos nós que usamos o outro como meio para alimentar nossos desejos. No fim das contas, nós não desejamos o outro. Nós desejamos nós mesmo, através daquilo que projetamos no outro. Por tanto, todo desejo não passa de uma ilusão, de uma expectativas, de uma figuração de nossas vontades, no objeto desejado.

Caramba!!! Agora até deu vontade de tomar uma Bavária.

Voltando...

Outro exemplo: Pedro vai viajar para o México. Ao se preparar para a viagem, escolher os locais de visitação,  das pessoas que ele encontrará lá. Dos momentos que ele terá no México, Pedro é feliz.  Ao se imaginar, criar as expectativas, sobre como será a sua viagem, Pedro transforma a viagem em algo muito mais divertido do que ela realmente será.  Ao chegar no local, a realidade irá se impor e Pedro poderá se frustar.  A imaginação de Pedro criou uma viagem que é muito mais divertida e prazerosa do que a viagem em si.

Minha avó dizia: "O Melhor da festa é esperar por ela. " Sem saber,  ela era partidária da definição de Rousseau.

Que véia(sic) foda!!!

Podemos entender isso como algo ruim, porém, para Rousseau, não é. A capacidade de imaginar, de criar um mundo melhor do que ele realmente é, torna a vida humana na terra mais festiva, mais divertida e menos tediosa.  Por tanto, a imaginação humana atribui qualidade ao mundo, que ele não as tem. Nós dissolvemos a realidade e convertemos  o outro em uma abstração. O homem, através de um imaginário, ele embeleza o objeto do mundo, fazendo do mundo um lugar muito mais bonito do que ele realmente é. A capacidade de desejar e criar expectativas, torna a vida humana mais prazerosa.

Nem tudo são flores:

Rousseau, como  ser pensante que era, também descreveu que haverá um momento em que a realidade irá se impor sob a expectativa.  Haverá um momento que Pedro irá conhecer a verdadeira Laura.  Haverá um momento em que Pedro chegará no México.  Quando a realidade se impõe e desmente de forma irreversível a imaginação de Pedro, haverá  ruptura, haverá desconforto e infelicidade.  Quando o convívio apresenta a Pedro uma Laura que rompe com seus ideias, Pedro se colocará frustado.  Quando Pedro chegar ao México e percebe que é humanamente impossível realizar todas as aventuras que planejou, ele se colocará diante da realidade e, mesmo que por pouco tempo, haverá frustração.

A imaginação, o desejo e felicidade, tanto serão possíveis, quanto menor for o conhecimento da realidade. Ou seja: O desejo se alimenta da ignorância.  No mundo adulto, não é possível viver sem frustrações, sem decepções ou infelicidades.  A realidade sempre irá se impor perante o imaginário. 

O leitor, como ser questionador que é, deve estar se perguntando: "Sendo assim, como desejar ou criar expectativas irá me tornar mais feliz?" 


Que orgulho, aspira! 

Segundo o próprio Rousseau, quanto mais distante for o objeto de desejo, por mais tempo você se permanecerá feliz. Um moleque que se imagina jogando a final de uma copa do mundo, tem muito mais tempo até que a realidade se imponha, do que uma pessoa onde seu maior sonho é comprar um carro novo. Não necessariamente pelo carro ou pela copa do mundo em si, mas sim pelo tempo que separa o ser desejante do seu objeto de desejo.

"Se nós matássemos toda a nossa vontade, nosso destino seria inevitavelmente o tédio."(Schopenhauer)

Entre uma vida de tédio e o medo da frustração, com a imposição da realidade perante minhas expectativas, eu fico com a resposta das crianças: É a vida, é bonita e é bonita.

Por mais que o medo de me frustar e a realidade se impor perante minhas expectativas, eu ainda a prefiro que ao tédio. Prefiro a beleza da imaginação e o conflito da frustração do que a empatia pela vida.

Pobre daquele que se satisfaz da realidade como ela é.

Enquanto vivo, serei desejo.