Quando seremos esquecidos?
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Quando seremos esquecidos?

Renato Moraes Rosa
11 min
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Há tempos não entrava aqui, sigo esperando o dia em que a plataforma vai fazer um APP, pois acessar pelo navegador de celular é horrível e não tenho mais o hábito de ligar meu notebook.

Mas hoje senti vontade de escrever esse artigo.

O título é estranho de cara, mas bem simples de se entender, passamos pela vida apenas por algumas décadas da história do mundo, quando nascemos, o mundo já existia há bastante tempo e assim que morrermos, o mundo seguirá existindo da mesma forma. Fato é que mais cedo ou mais tarde, seremos esquecidos, e faremos parte de um mundo que sequer nos conheceu um dia.

Como não podemos conhecer nossas gerações futuras, deixar algumas coisas registradas, com a tecnologia atual é a única forma de alguém num futuro distante ter alguma ideia de quem fomos.

Há pouco mais de um ano, comecei a entrar de cabeça na minha genealogia, descobri muita coisa pesquisando e conversando com as pessoas mais velhas da minha família que puderam me ajudar a pesquisar meus ancestrais de forma mais acertiva no Family Search, um site maravilhoso pra este tipo de coisa.

Comecei também olhar fotos antigas, não só as que estive presente, mas principalmente as que foram tiradas antes mesmo de eu existir. Vou postar algumas fotos aqui neste artigo, onde todas as pessoas já morreram e a grande maioria são meus ancestrais diretos.

Eu nasci em 1984, na zona leste de São Paulo, tenho um irmão 4 anos mais velho que eu, graças á Deus tenho minha mãe mais viva do que nunca e espero que siga dessa forma por mais 60 anos. Meu pai (na foto abaixo) faleceu aos 43 anos, infarto fulminante, eu tinha 18 anos na época. Pra detalhar sobre meu pai, teria que ter um artigo exclusivo pra isso, mas posso dizer que foi meu melhor amigo, um clássico pai herói, aquele exemplo que tenho pra tudo. Sua morte foi uma tragédia pra mim, como se alguém tivesse me tirado um escudo no meio de uma batalha.

Meu Pai Eduardo, com seus 20 anos
Meu Pai Eduardo, com seus 20 anos

Certa vez, meu pai disse que começou a fumar (escondido) quando tinha uns 14 anos, ele amava muito minha avó, mas não tinha um bom relacionamento com meu avô, ambos eram bem afastados, apesar dele ser filho único. Esse Eduardo dessa foto, com cabelo de John Lennon e sem bigode, eu não conheci, quando vejo essa foto, me pergunto como era sua vida nessa época, sua rotina, quais eram seus sonhos antes de conhecer minha mãe e se casar. Fico imaginando se nunca tivesse esse vício, quanto tempo a mais de vida teria e como seria minha vida se essa tragédia não tivesse acontecido.

A ideia deste artigo é contar minha visão histórica em relação aos meus ancestrais, então como minha mãe está viva, não falarei dela aqui, porém, ela está na foto abaixo, nos pés da minha vó Olívia. É estranho ver foto dela criança, sendo a mesma pessoa que convivo há quase 40 anos.

Tia Henriqueta, minha mãe criança no meio, minha avó Olívia, segurando meu tio Donizete
Tia Henriqueta, minha mãe criança no meio, minha avó Olívia, segurando meu tio Donizete

Minha avó Olívia, nasceu em Jaboticabal, interior de São Paulo, em 1916, era filha de Umbelina e Benedito. Umbelina nasceu em Araraquara, interior de São Paulo e morreu de Tuberculose em 1951 com 60 anos. Segundo meu tio Athayde, que a conheceu, era uma mulher negra bem retinta, imagino que seja mesmo, já que minha avó também era e sua irmã Henriqueta que está na foto era também. Benedito, (segundo esse mesmo tio) era de cor branca, nascido em Caçapava, interior de São Paulo, e morreu com 68 anos em 1953, no atestado de óbito, a informação é que faleceu em casa, sem assistência médica. Imagino que tenha sido uma morte súbita.

Ela teve 5 irmãos, cheguei a conhecer dois deles quando era criança, Tio Joaquim, um homem bem alto, negro de bigode, e Tio Sebastião, dono de um bar, um pouco mais claro que eles, careca e de bigode também. Casou-se com meu avô Marcilio em 1933, em Jaboticabal, teve 10 filhos e veio morar em São Paulo com 8 deles, sendo os dois mais velhos (Tio Arlindo e tio Alípio) já casados, com filhos e ficaram por lá até falecerem entre 2012 e 2014. Um pouco mais de um ano antes desse meu tio Alipio falecer, fui até Jaboticabal, e ele estava bem velhinho, parecido com o meu avô. Voltando a falar da minha vó Olívia, ela morreu em 1998, caiu ao descer de um ônibus em São Carlos e quando estava internada, lhe deram um remédio que era alérgica. Apesar de ter morrido com mais de 80 anos, penso que poderia ter vivido bem mais se não fosse essa merda.

Eu tinha 14 anos quando ela morreu, lembro que ela tinha uma disposição enorme, não sabia ler nem escrever, mas pegava condução pra lá e pra cá para visitar os filhos. Os netos tinham um respeito enorme por ela, qualquer um que chegasse e a visse, por respeito sempre pediam bença, (me perguntava porque tinha que pedir bença pra ela e não precisava pedir pra minha outra avó, cabeça de criança e seus vários ´´porquês´´), mesmo assim, sempre tinha o ´´--Bença vó´´ e sempre ouvia dela o ´´Deus te abençoe.´´

Uma história que vale a pena mencionar, é que lembro de estar na casa de uma tia minha e ela estava contado pra alguém que sua sogra a tratava bem mal quando namorava meu avô, pelo fato dela ser negra e meu avô ser branco, ela até dizia as ofensas racistas que recebia dela,e que prefiro nem mencioná-las por aqui. Era uma pessoa agradável de conversar, falava bem alto, com o sotaque carregado do interior de São Paulo.

Meu elegante avô Marcílio
Meu elegante avô Marcílio

Meu avô Marcílio, nasceu em 1911 em Jundiaí, era filho de Leopoldo e Benedita. Até hoje não achei quase nada sobre seus pais, sei que juntos tiveram 4 filhos pelo menos, e quando meu avô se casou em 1933, Leopoldo já era falecido, e Benedita casou-se de novo e teve mais dois filhos. Ainda quero saber exatamente onde e quando nasceram e faleceram.

Seu Marcílio morreu de Cardiopatia em 1989, eu tinha 6 anos, minha memória dele são de flashs, lembro de estar brincando de carrinho no chão da sala de casa e ele estar sentado no sofá assistindo televisão. Também lembro dele segurando seu rádio de pilha cinza, que pedia pra ele se podia ver e ele dava na minha mão seu inseparável rádio. Não consigo me lembrar da sua voz, é estranho, tento, mas não tenho memória dele falando.

Falando agora de meus avós paternos, os noivos da foto abaixo:

Tio Zé (irmão da minha avó) minha avó Ozenia (iracema) e meu avô Joaquim ao seu lado.
Tio Zé (irmão da minha avó) minha avó Ozenia (iracema) e meu avô Joaquim ao seu lado.

Minha avó Ozenia, nasceu em 1927, na cidade de Avaí, interior de São Paulo, teve 8 irmão, era a filha de número 7, do casal de espanhóis Francisco e Rita. Ambos nasceram em Málaga, vindos fugidos da guerra. Francisco nascido em 1883 e morreu em 1946 de uma doença intestinal. Rita nasceu em 1889 e morreu em 1964, vítima de uma insuficiência cardíaca. Meu pai falava muito bem de sua avó, de seu sotaque espanhol e pela forma carinhosa que ela lhe tratava.

Voltando a falar de minha avó, era a pessoa mais doce e carinhosa que conheci, nunca vi alguém ficar tão feliz apenas com a presença de seus netos e filho. Fazia coisas deliciosas na cozinha desde o arroz e feijão, até macarronada, bolo de prestígio.. sei que nunca mais vou comer várias coisas com aquele sabor delicioso que ela fazia. Há um enorme plot twist na vida de minha avó. Passei a vida vendo parentes e vizinhos a chamando de Iracema, pois suas irmãs a chamavam de Cema, e qualquer um imaginava que ela se chamasse Iracema. Mas ela nunca teve esse nome, seu nome na verdade era Ozenia, mas sempre atendia por Dona Iracema rs.

Minha avó passou a vida morando com meu avô e minha tia Santa, sua irmã inseparável, aliás, minha avó e meu pai, nasceram e morreram num mundo onde Tia Santa esteve presente, Tia Santa nasceu em Jaú em 1923 e morreu em 2013 com 90 anos, é estranho viver num mundo sem a Tia Santa atualmente.

Dona Iracema (ou Ozenia) morreu em 2009 aos 82 anos, de insuficiência respiratória, ficou mais de 90 dias internada, sem poder comer e beber nada, deitada num leito do hospital Incor, era muito bem tratada, mas tenho certeza que não mereceu uma morte tão sofrida como essa. Não sei como foi sua vida na juventude, mas creio que não tenha feito nada de errado, a ponto de merecer esse final triste.

Minha bisavó Rita, segurando meu pai Eduardo ainda bebê
Minha bisavó Rita, segurando meu pai Eduardo ainda bebê
Meu Bisavô Francisco
Meu Bisavô Francisco
Tia Santa muito jovem
Tia Santa muito jovem

Seu Joaquim nasceu numa cidadezinha do interior de São Paulo, chamada Óleo em 1934.

Dos 7, era o filho mais velho de Ana, também nascida no Óleo, em 1918, que era filha de Aureliano, nascido em 1886, no estado de Minas Gerais, e de Jacinta, nascida em 1891, na Itália. Ainda quero localizar exatamente onde Aureliano e Jacinta nasceram e faleceram.

Minha bisavó Ana morreu em 1984, alguns meses depois que eu nasci. Era esposa de Laurindo, nascido em Santa Bárbara, interior de São Paulo em 1908, era filho de Antonio, nascido em Araraquara em 1882, ainda não sei exatamente onde e quando faleceu. Também era filho de Elisa, nascida em Santa Bárbara em 1887, falecida em 1951, em Espírito Santo do Turvo, interior de São Paulo.

Meu bisavô Laurindo era barbeiro, na cidade de Domélia, tive a sorte de o conhecer, lembro que tinha uma voz arrastada, um jeito irreverente de falar, um velhinho muito gente boa, que morreu em 1997, na cidade de Domélia.

Como falei antes, meu avô não era muito próximo do meu pai, os relatos do meu pai, é que ele foi um pai ausente, e que o maltratava bastante psicológica e fisicamente.

Sinceramente, tenho muita curiosidade em saber quem foi meu avô na sua mocidade, o que o fez sair do Óleo e vir pra São Paulo, infelizmente, essa curiosidade nunca me passou pela cabeça quando ele era vivo, ele ainda tem 3 irmãos que podem me responder essa pergunta, mas preciso falar com algum deles pessoalmente, não é o tipo de conversa pra se ter com áudio de whatsapp.

O Joaquim que conheci, era um senhor taxista, que tinha um ponto no Bairro do Belenzinho e dirigia um Chevette branco. Em sua casa, estava sempre sem camisa, não importava a temperatura, sua barriga com cicatrizes de uma operação estava sempre á mostra, ele tinha um humor bem peculiar e eu confesso que apesar dele nunca ter encostado a mão em mim, tinha um pouco de medo dele quando criança, levei algumas broncas dele que vi que não era uma pessoa que podia aprontar alguma traquinagem com ele.

Sempre o via bebendo sua 51, hora pura, hora com groselha, ambas as garrafas ficavam embaixo da pia. Batia um pratão de arroz e feijão com alguma mistura e parecia ansioso e viciado em comer e beber. Certa vez vi ele falando que quando não tinha nada pra comer, abria o pote de açucar e comia uma colherada. Nunca o vi mal de saúde, até meu pai morrer. A partir daí, passou a ter problemas de anemia e vivia amargurado, quando via meu irmão e eu chegando em sua casa, começava a chorar. Não sei exatamente o que sentia, mas parecia uma depressão ou algum tipo de remorso por não ter sido um pai presente e amoroso. Morreu em 2006, aos 72 anos, vítima de um câncer no fígado, uma doença bem agressiva que o matou rápido, mesmo assim, sofreu bastante, lembro da última vez que o vi em casa, mal me reconheceu quando minha avó pediu minha ajuda para trocá-lo de roupa na cama.

Meu elegante Bisavô Laurindo
Meu elegante Bisavô Laurindo
Minha Bisavó Ana ao lado de meu bisavô Laurindo
Minha Bisavó Ana ao lado de meu bisavô Laurindo
Minha tataravó Jacinta e meu Tataravô Aureliano
Minha tataravó Jacinta e meu Tataravô Aureliano

Bom, poderia falar da imensa árvore que descobri depois da minha tataravó Elisa, mas o artigo ficaria mais gigantesco citando todos os antepassados até o ano de 1700.

Fato é que nossa vida é um sopro perto do tempo que o mundo existe e continuará existindo, o esquecimento será inevitável, mas registrar sua existência e dos seus antepassados, é algo que as gerações futuras podem se interessar. Deixo por último essa foto abaixo, onde vi na árvore de um primo distante, de sexto grau que a publicou no Family Search. A foto é dos anos 40, os adultos estão todos registrados lá e as crianças também já devem estar mortas, uma vez que a foto tem mais de 70 anos, mas é interessante ver esse tipo de foto antiga, onde as famílias pagavam uma fortuna, para sequer saberem que um dia gerações futuras iriam olhar para elas como relíquias.

Basicamente, nossa vida é o passado do futuro quando o presente terminar, seremos esquecidos, mas a nossa existência ficará na história de algum registro.

Meus primos do passado
Meus primos do passado