Se Deus se esconder de você, você jamais será capaz de achá-Lo novamente, a menos que Ele o queira.
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(…) | ||
– “Então é assim que as coisas se parecem aqui embaixo…?”, pensou Ele tão logo se deu conta do que tudo aquilo significava. | ||
Demorou um pouco, é verdade. | ||
Você não se interessa muito pelas coisas dos homens quando é uma criança livre e feliz. | ||
Que dirá dos deuses. | ||
Mas Ele se acostumaria. | ||
Logo, notou que rever todas as coisas ali, eras e eras após criá-las – Ele mesmo, com suas próprias mãos (não, aquilo não havia sido um sonho que Ele tivera!) –, saber delas tantos detalhes, tantas peculiaridades, sem, contudo, poder, dessa vez, enxergá-los todos, a olho nu, dada aquela limitação existencial inédita, foi, para dizer o mínimo, diferente. | ||
Vejam, por exemplo, o horizonte! | ||
Era estranho demais para Ele olhar para longe e, de repente, não conseguir ver mais nada; e, ainda assim, conhecer melhor do que ninguém tudo aquilo que lá estava, além d’olhos. | ||
Mas Ele foi se acostumando. | ||
De tal maneira, que não eram poucas as vezes em que Ele simplesmente se esquecia de quem era. E se preocupava apenas com os ludismos da infância. | ||
Dentre eles, um em especial, no qual Ele era muito bom: | ||
Pique-esconde. | ||
Isso porque seus amiguinhos nunca imaginavam que aquele moleque franzino e pequeno pudesse subir e se esconder tão bem por entre as folhas das copas das árvores do bosque modesto adjunto ao jardim que havia ali perto. | ||
Pois ele se escondia. Camuflava-se tão bem que era preciso quase escalar também as árvores se quisessem vê-Lo; e poucas vezes viam. | ||
Lembre-se: se Deus se esconde de você, você jamais é capaz de achá-Lo novamente, a menos que Ele o queira. | ||
Então, o menino saltava por detrás e corria feito um raio, descalço, flutuando sobre as pedras (habilidade que Lhe seria muito útil mais tarde, inclusive), para chegar até o pique e salvar-se. | ||
O garoto era danado. | ||
As árvores, aliás, eram dele o passatempo favorito. | ||
Nelas, Ele convidava seus amigos a se pendurarem, balançavam-se uns aos outros no pequeno balanço de cipreste feito por seu pai, que era carpinteiro, e, depois de tudo, descansavam os corpos cansados, deitados sobre a relva amarelada, sob a sombra que encontrassem. | ||
Ficavam ali por horas a fio. | ||
Nessas horas, o tempo parecia não ter pressa para eles. | ||
Jesus, como Ele era conhecido, gostava muito das árvores. | ||
Mais do que outra coisa. | ||
Mas uma era-Lhe ainda mais especial. | ||
Ninguém sabia exatamente o porquê. | ||
A árvore, um carvalho de idade ancestral, frondoso, de tronco largo, galhos fortes que pendiam até ao chão, era a mais exuberante de toda aquela região, e talvez fosse por isso. | ||
Mas poderia ser outro o motivo: | ||
Corria por aquelas bandas uma lenda que dizia que o velho carvalho embrutecera. | ||
Embora houvesse alimentado muitos rebanhos e manadas em sua longa juventude, cessara seus frutos quando adulto. | ||
Hoje se diria, não sem alguma controvérsia, que aquilo se deu devido a algum evento genético adverso raro em sua biologia. | ||
Mas naqueles dias o que se dizia é que, frustrado com os infortúnios da vida, passara a negar-lhe a descendência, vivendo triste desde então. | ||
Fato é que Jesus nunca o confirmou. | ||
Ele simplesmente gostava dela. | ||
Muito. | ||
Quanto mais pudesse, | ||
Era pra lá que Ele ia, | ||
No arrebol do dia, | ||
Sozinho (inda que verdade), | ||
Como se isso por si só fizesse | ||
Com que ela se consolasse | ||
Da esterilidade. | ||
Alguém já disse uma vez tê-Lo flagrado, não raramente, sussurrando àquela árvore palavras que, entretanto, eram silenciosas demais para serem compreendidas. | ||
– “Não chores…”, parecia dizer a ela. | ||
Mas quem chorava era Ele. | ||
(...) |