Reencontro (Parte 3): O Cultivo
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Reencontro (Parte 3): O Cultivo

Se Deus se esconder de você, você jamais será capaz de achá-Lo novamente, a menos que Ele o queira.

Carlos de São Bernardo
3 min
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Foto de shico3000, em Depositphotos
Foto de shico3000, em Depositphotos

(…)

“Então é assim que as coisas se parecem aqui embaixo…?”, pensou Ele tão logo se deu conta do que tudo aquilo significava.

Demorou um pouco, é verdade.

Você não se interessa muito pelas coisas dos homens quando é uma criança livre e feliz.

Que dirá dos deuses.

Mas Ele se acostumaria.

Logo, notou que rever todas as coisas ali, eras e eras após criá-las – Ele mesmo, com suas próprias mãos (não, aquilo não havia sido um sonho que Ele tivera!) –, saber delas tantos detalhes, tantas peculiaridades, sem, contudo, poder, dessa vez, enxergá-los todos, a olho nu, dada aquela limitação existencial inédita, foi, para dizer o mínimo, diferente.

Vejam, por exemplo, o horizonte!

Era estranho demais para Ele olhar para longe e, de repente, não conseguir ver mais nada; e, ainda assim, conhecer melhor do que ninguém tudo aquilo que lá estava, além d’olhos.

Mas Ele foi se acostumando.

De tal maneira, que não eram poucas as vezes em que Ele simplesmente se esquecia de quem era. E se preocupava apenas com os ludismos da infância.

Dentre eles, um em especial, no qual Ele era muito bom:

Pique-esconde.

Isso porque seus amiguinhos nunca imaginavam que aquele moleque franzino e pequeno pudesse subir e se esconder tão bem por entre as folhas das copas das árvores do bosque modesto adjunto ao jardim que havia ali perto.

Pois ele se escondia. Camuflava-se tão bem que era preciso quase escalar também as árvores se quisessem vê-Lo; e poucas vezes viam.

Lembre-se: se Deus se esconde de você, você jamais é capaz de achá-Lo novamente, a menos que Ele o queira.

Então, o menino saltava por detrás e corria feito um raio, descalço, flutuando sobre as pedras (habilidade que Lhe seria muito útil mais tarde, inclusive), para chegar até o pique e salvar-se.

O garoto era danado.

As árvores, aliás, eram dele o passatempo favorito.

Nelas, Ele convidava seus amigos a se pendurarem, balançavam-se uns aos outros no pequeno balanço de cipreste feito por seu pai, que era carpinteiro, e, depois de tudo, descansavam os corpos cansados, deitados sobre a relva amarelada, sob a sombra que encontrassem.

Ficavam ali por horas a fio.

Nessas horas, o tempo parecia não ter pressa para eles.

Jesus, como Ele era conhecido, gostava muito das árvores.

Mais do que outra coisa.

Mas uma era-Lhe ainda mais especial.

Ninguém sabia exatamente o porquê. 

A árvore, um carvalho de idade ancestral, frondoso, de tronco largo, galhos fortes que pendiam até ao chão, era a mais exuberante de toda aquela região, e talvez fosse por isso.

Mas poderia ser outro o motivo:

Corria por aquelas bandas uma lenda que dizia que o velho carvalho embrutecera.

Embora houvesse alimentado muitos rebanhos e manadas em sua longa juventude, cessara seus frutos quando adulto.

Hoje se diria, não sem alguma controvérsia, que aquilo se deu devido a algum evento genético adverso raro em sua biologia.

Mas naqueles dias o que se dizia é que, frustrado com os infortúnios da vida, passara a negar-lhe a descendência, vivendo triste desde então.

Fato é que Jesus nunca o confirmou.

Ele simplesmente gostava dela.

Muito.

Quanto mais pudesse,

Era pra lá que Ele ia,

No arrebol do dia,

Sozinho (inda que verdade),

Como se isso por si só fizesse

Com que ela se consolasse

Da esterilidade.

Alguém já disse uma vez tê-Lo flagrado, não raramente, sussurrando àquela árvore palavras que, entretanto, eram silenciosas demais para serem compreendidas.

“Não chores…”, parecia dizer a ela.

Mas quem chorava era Ele.

(...)