Reencontro (Parte 5): O Espinho
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Reencontro (Parte 5): O Espinho

Ela estava bastante diferente do tronco bruto, mas ainda jovem, que, na oficina de seu pai, Ele talhara, plainara e lixara com maestria. Ainda estava bonita, ainda estava imponente — fizera um trabalho realmente lindo! — mas viera permeada de um sang

Carlos de São Bernardo
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Foto de nito103, em DepositPhotos
Foto de nito103, em DepositPhotos

(...)

E então, enfim, eles se reencontraram…

O momento, entretanto, não poderia ser pior;

Mais sombrio ou mais triste,

Mas era esperado que um dia,

Nem cedo de menos

Nem tarde demais,

Ele aconteceria.

(...)

Seu corpo, talhado e moribundo, sangrava e molhava o chão batido de terra onde fora atirado com desprezo.

Perplexo, umedeceu o dedo ali, numa das manchas de sangue ao seu lado.

Sentiu-lhe a estranha viscosidade.

Provou-lhe o sabor.

Tudo parecia tão novo e assustador, como, de fato, era.

Procurava fôlego, mas o menor deles, que lhe teimasse a vida, lancinava o peito. 

Finalmente, a dor.

Falta o abandono.

Àquela altura, não encontrava mais lágrimas que pudesse chorar.

Havia tumulto por toda a parte e Ele podia ouvir, longe e perto, gracejos, motejos, blasfêmias. 

“Santo Deus, como ousavam dizer coisas como aquelas?”

Mesmo não podendo vê-los, sabia quem era cada um deles. 

Voz por voz. 

Uma a uma. 

Ouviu uma delas chamar-lhe e, num esforço hercúleo, levantou a cabeça…

Mas um pontapé lateral o fez tombar novamente.

Ecos gargalhavam no ar…

A cabeça doía tanto que mal podia abrir os olhos.

Quando, de repente…

TUM!

Um baque surdo.

Perto.

Bem perto.

Olhou e viu a trave fria e avelhantada ao seu lado.

Ela estava bastante diferente do tronco bruto, mas ainda jovem, que, na oficina de seu pai, Ele talhara, plainara e lixara com maestria.

Ainda bonita, ainda imponente — Ele fizera nela um trabalho realmente lindo! — mas agora estava encharcada de um sangue que não era o seu.

E um cheiro forte de morte dela recendia.

Colocaram-no sobre ela e ela sobre Ele, e sentiu-a mais pesada dessa vez. 

Ele não se lembrava de ter conhecido nela, enquanto obra de seu entalhe, aquele peso estranho.

De braços e mãos atados fortemente à viga gelada, Ele agora a olhava intimamente e, feito um mórbido romance, sorrindo, balbuciou-lhe baixinho:

– “Oi, minha sementinha!”

Ela, porém, não respondeu.

(...)