Respire bem baixinho.

    Mamãe sempre disse que não tem nada de errado em ser um pouco travesso, brincar com as outras crianças até mais tarde, demorar um pouco mais para ir dormir e deixar de estudar em alguns dias.

    "Quando o dia chegar, em que você realmente vai precisar me obedecer, você vai saber sem que eu precise falar." Ela dizia isso sorrindo e me abraçava antes que eu pudesse correr para brincar lá fora, como eu fiz tantas vezes. Passando pelo portão da nossa casa, eu não precisava andar muito para chegar no poço onde eu me encontrava com as outras crianças, se não fosse pelas árvores do bosque, eu conseguiria vê-lo pela janela todos os dias.

    Por que nós brincávamos perto do poço? Eu também não sei.

    Não é como se chamássemos tanta atenção para que algum adulto pudesse se preocupar, éramos só 3 crianças. Ysa, filha do ferreiro e mais velha entre nós, Thal, o mais novo, e eu. Acho que ficar perto do poço dava algum tipo de magia para nossos dias sempre tão iguais, era misterioso, era mais divertido.

    Podíamos nos sentar em baixo das árvores ao redor e ficar olhando para o poço, inventando histórias sobre o que tinha lá em baixo. Ysa sempre tinha as melhores histórias, eu queria poder ouvir mais, mas acho que mesmo se isso acontecer um dia, não vai mais ser uma história inventada.

    Eu nunca imaginei que gritos pudessem ser tão amedrontadores, nunca vou esquecer o som que ela fez enquanto caía pelo poço. Foi alto, seco, e dava pra perceber o quão rápido ela estava caindo.

Todo mundo ouviu e veio correndo ver o que aconteceu, mas nem mesmo o pai dela teve coragem para questionar o enviado do rei. Acho que ninguém teria, o rei é assustador até para os adultos da vila. O ferreiro simplesmente se virou e foi embora com a expressão mais triste que eu já vi.

    Minha mãe me pegou pelo braço e me trouxe para casa assim que chegou. Foi tudo tão rápido, mal consegui entender o que aconteceu, mas o momento em que aquela armadura vermelha empurrou a Ysa para dentro do poço ficou marcado na minha mente. Cadê a minha mãe? "Fique dentro do armário, e respire bem baixinho", ela me disse. Estou aqui esperando, mas já faz tanto tempo.

   Não consigo nem imaginar o que está acontecendo, já não escuto mais os barulhos horrorosos que estavam lá fora há um tempo, mas ninguém veio me buscar ainda. Não sei se tenho coragem para abrir essa porta sozinho, acho que foi isso que minha mãe quis dizer todos esses anos.

    Será que alguém vai abrir essa porta um dia? Quem vai ser essa pessoa? Espero que seja alguém legal que me ajude a procurar minha mãe.

    Tudo o que eu posso fazer é esperar, ficar aqui dentro, e respirar bem baixinho.