A “teoria” de Greg Ellifritz: uma visão alternativa sobre o poder de incapacitação
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A “teoria” de Greg Ellifritz: uma visão alternativa sobre o poder de incapacitação

Autor - Dr. Paulo BedranPolicial Federal

Sheepdog Brasil
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Autor - Dr. Paulo Bedran

Policial Federal

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Sempre que o assunto é calibre anêmico, surge alguém evocando os estudos de Greg Ellifritz. Não raro, são interpretações rasas e redutoras do conhecimento gerado pelo policial norte-americano. Ellifritz ganhou notoriedade, anos atrás, ao publicar os resultados de uma década de estudos sobre o poder de incapacitação das armas de fogo. Nesse artigo, vou tecer algumas considerações sobre seu trabalho.

Sobre a origem dos estudos

Achei curiosa a origem da motivação de Greg em se embrenhar em desvendar a dinâmica de incapacitação por disparo de arma de fogo. Ele sempre foi interessado pelo assunto, lia Evan Marshall mesmo antes da publicação da obra “Handgun Stopping Power: The Definitive Study by Evan Marshall”. Apesar da obra que consolidou a expressão “Stopping Power” ter se tornado referência na década de 90, sempre sofreu questionamentos quanto a metodologia empregada, e Greg era um dos que levantavam suas inconsistências.

Marshall e Sanow, na construção da teoria do “Stopping Power” descartavam as ocorrências onde mais de um disparo tivessem atingido uma pessoa. Isso, para Greg, comprometia os resultados almejados, pois, deixou de considerar inúmeros casos em que o atingido por disparos não foi “parado”, gerando um percentual alto, e irreal, de incapacitados. Portanto, já dono desses questionamentos, o policial resolveu tornar-se pesquisador após ler um artigo de ninguém menos que Massad Ayoob. A lenda do tiro de combate, nessa publicação que inspirou Greg, apresentou uma tabela de “Stopping Power” criada por ele próprio. Mas não foram os dados que impressionaram, foram as considerações do autor. Ayoob sugeria aos seus leitores que questionassem os seus dados e buscassem coletar os seus próprios, realizando suas próprias interpretações.

Foi aí que Greg Ellifritz, seguindo o conselho do mestre Ayoob, deu início à sua própria jornada de estudos. Balizados em estatísticas geradas de análises de confrontos reais, os resultados auferidos enriqueceram o debate sobre incapacitação por arma de fogo. O autor analisou filmagens, entrevistou pessoas que participaram de confrontos, assistiu à autopsias… dedicou dez anos de sua vida para consolidar suas próprias inferências.

Os números

Quando publicados, alguns números chocaram, ao sugerirem que os calibres, em geral, tinham a mesma eficácia na incapacitação de um ser humano. Essa interpretação deu origem a uma suposta “teoria” que tornava o calibre irrelevante, no universo da defesa. Além disso, apresentou algumas inferências aparentemente contraditórias, como o 32 AUTO apresentar poder de incapacitação superior ao 44 Magnum e o 380 AUTO superar o 9mm Luger (gráfico 1).

Gráfico 1: percentual de incapacitação com apenas um disparo. (fonte: www.activeresponsetraining.net)
Gráfico 1: percentual de incapacitação com apenas um disparo. (fonte: www.activeresponsetraining.net)

O número médio de disparos efetivos (que tenham atingido a pessoa) até a incapacitação, também parece equiparar os calibres. Pelo gráfico, os calibres nominais mais comercializados não necessitam de mais que 2 disparos efetivos para incapacitar um ser humano. (gráfico 2)

Gráfico 2: média de disparos até a incapacitação. (fonte: www.activeresponsetraining.net)
Gráfico 2: média de disparos até a incapacitação. (fonte: www.activeresponsetraining.net)

Esse próximo gráfico (gráfico 3) já altera, um pouco, aquela percepção de igualdade entre os calibres. Aqui, foram contabilizados os casos de não incapacitação, independente dos número de disparos efetivos. Nesse, calibres reconhecidamente anêmicos lideram em números de falhas ao incapacitar, o que sugere haver uma diferença eficiência.

Gráfico 3: falha em incapacitar (fonte: www.activeresponsetraining.net)<br>
Gráfico 3: falha em incapacitar (fonte: www.activeresponsetraining.net)

A correta interpretação do estudo

Numa visão cartesiana, os resultados parecem reveladores. Mas esse estudo precisa ser analisado com certos cuidados. Alguns vídeos, que sintetizam suas inferências, focam nos números, como estratégia de propaganda de uma teoria “revolucionária”, porém, passam longe do debate técnico sobre a metodologia utilizada.

Ao explicar os resultados, o próprio Greg contextualizou algumas discussões importantes sobre o método. Assumiu que também desconfiava de alguns números, em especial os atrelados aos calibres: 25 AUTO, 32 AUTO e 44 Magnum. E confessou que não teve dados suficientes para fazer uma comparação precisa. Disse não acreditar, apesar dos números, que o 32 AUTO, por exemplo, tivesse maior potencial de incapacitação que o 45 AUTO.

O pesquisador destacou, também, que as incapacitações, em regra, são causadas por fatores psicológicos e não fisiológicos. Motivo pelo qual calibres distantes, em termos de energia, se aproximaram quanto à “eficiência”. E complementou que a incapacitação psicológica é incerta e, se sua vida depender da incapacitação fisiológica de alguém, calibres “maiores” são mais confiáveis. Também defende os calibres maiores quando ressalta que, na maioria dos casos avaliados, não houve disparos indiretos (através de barreiras intermediárias: vidros, roupas grossas…). Pois, se fossem necessários disparos nessas circunstâncias, calibres “maiores” seriam mais convenientes.

Sobre o número médio de disparos necessários para incapacitar, Greg concorda que não se deve vincular esses números à eficiência do calibre para incapacitar. Um número maior de disparos pode ser fruto da facilidade do operador efetuar sequências rápidas e precisas, em razão das características do conjunto arma/munição. Afirma que um maior número de disparos precisos, observados num caso real, não representa, necessariamente, o número mínimo de disparos necessários à incapacitação.

Fez ressalvas, também, relativas aos números atribuídos ao calibre 9mm Luger, pois, em mais da metade dos incidentes analisados, os projéteis eram do tipo “ball”, aqui chamados de ETOG (encamisado total ogival). Greg relata acreditar que os resultados do referido calibre são melhores do que os auferidos, em razão da significativa maior eficiência dos projéteis modernos.

Apesar das taxas de incapacitação deixarem os calibres numa espécie de empate técnico (gráfico 1), o número de não incapacitados os distanciam (gráfico 3): 22, 32 AUTO e 25 AUTO apresentam taxa de não incapacitação praticamente dobrada em relação a calibres maiores. O que, segundo Greg, sugere diferença de eficiência entre eles.

Considerações finais

Enfim, apesar das novidades trazidas pelo autor, precisamos ser críticos e técnicos nas avaliações dessas novas teorias. Basta lembrar de Marshall… o “stopping power” reinou verdade, por décadas, pela falta do senso crítico dos especialistas da época. Os estudos de Greg Ellifritz trouxeram contribuições à doutrina, ajudaram para que os calibres deixassem, em parte, de representarem o foco das soluções em defesa. Mas, não a ponto de se tornarem variáveis desprezíveis, como alguns “especialistas” sugerem.

Entender as limitações dos calibres e cartuchos disponíveis às armas de porte, vai muito além da simplificação redutora sugerida por alguns, onde a única preocupação sugerida é o local de impacto dos disparos. Calibres e cartuchos importam sim, da mesma forma que o equipamento, a técnica e a programação mental.