A culpa foi do Nicolau.
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A culpa foi do Nicolau.

As férias escolares do meio do ano me deixavam sempre com um gosto agridoce na boca. Digo isso não de forma literal, obviamente, mas numa tentativa desastrada de tentar colocar em palavras as sensações daqueles anos estudantis.

Gisele Lance
3 min
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As férias escolares do meio do ano me deixavam sempre com um gosto agridoce na boca. Digo isso não de forma literal, obviamente, mas numa tentativa desastrada de tentar colocar em palavras o que foram as sensações daqueles anos estudantis.

Achei na internet esse exemplar do livro, muito parecido com o que tenho na minha lembrança.
Achei na internet esse exemplar do livro, muito parecido com o que tenho na minha lembrança.

Ao passo que havia um alívio provocado pela ideia do recesso, havia o peso da responsabilidade, afinal o ano letivo ainda não tinha acabado, havia um semestre inteiro pela frente, as provas finais, aquela coisa toda.

Isso explica o sabor dúbio, mas e o coração apertado naquele julho de 2005? 

Ouvi que o cérebro não consegue distiguir o que é real e o que é memória, provavelmente elaborei essa frase errada, os neurocientistas que perdoem a falta de habilidade pra explicar o conceito, o fato é que isso me parece verdade, já que sinto meu coração apertar exatamente como há 16 anos.

Posso ver a cena com clareza, a grade do portão; há uma agitação típica de porta de escola, mas não beira o caos, não estamos na porta de saída dos alunos, estamos no portão dos docentes, fato esse que me faz sentir superior aos demais alunos.

Consigo sentir agora aquela arrogância juvenil boba, não fosse a nostalgia e os longos anos que me afastam daquela cena, com certeza me envergonharia neste instante.

Mas tudo bem, o que é a adolescência, senão o período que o ser humano tem pra encher o acervo pessoal de vergonhas e arrependimentos?

Alguns desses, andam, falam e te chamam de "pai''.

Caminhamos juntos até o limite do que ele poderia me acompanhar, mais que isso quebraria as regras éticas.

O gosto é amargo, sentirei falta dele, das aulas dele. Saudade mesmo. 

Ele me entrega "O Príncipe", o gosto é doce.

Não é um livro da biblioteca da escola, tampouco faz parte do conteúdo programático. É pessoal. O objeto é pessoal, a indicação é pessoal.  É ele, tipografado e com capa dura.

O gosto é agridoce, amargo porque eu deixava Felipe, doce porque o levava comigo.

Acho que DECIDI que faria "História" naquele segundo em que o livro passou das mãos dele para as minhas. 

Não me julgue querido leitor, pelo clichê do romance professor/aluna, nem pelo aparente exagero em dizer que tomei uma decisão importante num espaço de tempo tão curto.

Os neurocientistas já citados, não me deixam mentir, decisões envolvem processos emocionais. Mas isso nem vem ao caso.

O caso é que a decisão fora tomada.

Um pensamento quando muito fértil, é consumado, é concebido, é gerado, algumas gestações são longas, é verdade, mas é um processo irreversível, caminha para um único fim: dar à luz.

É um menino, passa bem, e atende pelo nome de BACHARELADO EM HISTÓRIA.

01, de novembro de 2021- primeiro dia de aula.