Mais uma nota sobre assédio
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Mais uma nota sobre assédio

Carolina não sabia, mas estava sendo seguida por olhares, depois por passos até que...

Gisele Lance
3 min
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Carolina não sabia, mas estava sendo seguida por olhares, depois por passos até que...

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- Dra. Algumas coisas...

- Você insiste em me chamar de Dra. e eu insisto em tentar impedi-la. Qual o motivo de hoje?

- Parece que...

Parece que no momento em que eu falo “Clarice”, rompemos um limite.

Na maioria das vezes eu gosto disso, intimidade é uma obsessão pra mim, você sabe.

Você, mais do que qualquer outra pessoa na face da Terra, sabe...

...Na maioria das vezes, não todas as vezes.

- E se não disser nada?

- Gosto de me dirigir ao meu...

- ... ao seu interlocutor por nome, apelido,  ou a meu contragosto “Dra.”

 Lembro que no dia em que me disse isso, você confessou que é deitar no divã, e ser acometida por uma liberdade. Liberdade de usar seu vocabulário, sem temer parecer prolixa ou pedante.

Carolina concordou sorrindo, por segundos o semblante dela perdeu a escuridão que trazia aquele dia.

- Pois então Dra. como eu dizia, algumas coisas simplesmente não deviam acontecer, e quando acontecem os pensamentos ficam...

...como posso dizer... ficam turvos

- O que aconteceu que não devia ter acontecido?

- Não era nem meia noite e eu quis ir embora da festa. Estava cansada e ficar ali não fazia sentido algum.

Fui até a geladeira pegar o restante da minha bebida, não lembro bem da cena, mas ele me disse algo, e eu disse que estava indo embora.

- ''Ahh, mas por que já vai? Tão cedo'' 

Abri a porta da geladeira, abaixei pra alcançar a cerveja, foi quando ele deu uma sarrada na minha bunda, o movimento teve força, não foi como se ele tivesse segurando a porta da geladeira pra me ajudar e por acaso, acabou encostando. Houve dolo.

Carolina não sabia, mas ele estava olhando-a, filmando seus movimentos a noite toda.

Ela se lembrara de o ter flagrado em um desses momentos, mas na hora não deu importância.

Depois do ocorrido, juntou as peças do quebra-cabeça. Quando ela desceu da banqueta pra ir até a cozinha, ele foi atrás dela com intenção.

- Nã0 podia acreditar que aquilo tinha acontecido. Quando o encarei, ele já tinha se afastado uns 2 metros, pensei em gritar:

''- O que foi isso? Você está louco?''

- Fiquei muito confusa, a situação, o álcool... Não consegui reagir...

- ''E meu abraço de tchau?"

- Eu não acreditei que ele estava dizendo aquilo, depois de ter feito o que fez... O filhinho dele surgiu na cozinha como um anjo e me deu um abraço. Beijei seus cabelos e disse que estava indo embora. Fui embora o mais rápido possível.

- E o que você fez quando chegou em casa?

- Coloquei um filme do Tim Burton.

- E no outro dia?

- Acordei animada. Mas depois de um tempo, entre uma tarefa doméstica e outra, comecei a lembrar do ocorrido, não conseguia completar um raciocínio, esbocei um choro...

- Conte-me um desses pensamentos incompletos

- " Por que ele fez isso comigo? Por que não me respeitou? Por que não respeitou a própria família, esposa, filhos? Será que aquele filho da puta achou que dei algum tipo de abertura pra isso? Nunca dei nenhum tipo de liberdade pra ele..."

- Você está me dizendo que foi assediada e ainda assim se culpou?

- Acho que sim.

Carolina abaixou a cabeça, eu vi quando suas sobrancelhas se moveram, vi seus olhos encherem, e quando iam transbordar, num gesto de desamparo inclinou-se, abraçou os joelhos e morreu em lágrimas.  

Registro de assédio contra uma mulher 7191

Fim da nota.