Carolina não sabia, mas estava sendo seguida por olhares, depois por passos até que...
Carolina não sabia, mas estava sendo seguida por olhares, depois por passos até que... | ||
- Dra. Algumas coisas... | ||
- Você insiste em me chamar de Dra. e eu insisto em tentar impedi-la. Qual o motivo de hoje? | ||
- Parece que... | ||
Parece que no momento em que eu falo “Clarice”, rompemos um limite. | ||
Na maioria das vezes eu gosto disso, intimidade é uma obsessão pra mim, você sabe. | ||
Você, mais do que qualquer outra pessoa na face da Terra, sabe... | ||
...Na maioria das vezes, não todas as vezes. | ||
- E se não disser nada? | ||
- Gosto de me dirigir ao meu... | ||
- ... ao seu interlocutor por nome, apelido, ou a meu contragosto “Dra.” | ||
Lembro que no dia em que me disse isso, você confessou que é deitar no divã, e ser acometida por uma liberdade. Liberdade de usar seu vocabulário, sem temer parecer prolixa ou pedante. | ||
Carolina concordou sorrindo, por segundos o semblante dela perdeu a escuridão que trazia aquele dia. | ||
- Pois então Dra. como eu dizia, algumas coisas simplesmente não deviam acontecer, e quando acontecem os pensamentos ficam... | ||
...como posso dizer... ficam turvos | ||
- O que aconteceu que não devia ter acontecido? | ||
- Não era nem meia noite e eu quis ir embora da festa. Estava cansada e ficar ali não fazia sentido algum. | ||
Fui até a geladeira pegar o restante da minha bebida, não lembro bem da cena, mas ele me disse algo, e eu disse que estava indo embora. | ||
- ''Ahh, mas por que já vai? Tão cedo'' | ||
Abri a porta da geladeira, abaixei pra alcançar a cerveja, foi quando ele deu uma sarrada na minha bunda, o movimento teve força, não foi como se ele tivesse segurando a porta da geladeira pra me ajudar e por acaso, acabou encostando. Houve dolo. | ||
Carolina não sabia, mas ele estava olhando-a, filmando seus movimentos a noite toda. | ||
Ela se lembrara de o ter flagrado em um desses momentos, mas na hora não deu importância. | ||
Depois do ocorrido, juntou as peças do quebra-cabeça. Quando ela desceu da banqueta pra ir até a cozinha, ele foi atrás dela com intenção. | ||
- Nã0 podia acreditar que aquilo tinha acontecido. Quando o encarei, ele já tinha se afastado uns 2 metros, pensei em gritar: | ||
''- O que foi isso? Você está louco?'' | ||
- Fiquei muito confusa, a situação, o álcool... Não consegui reagir... | ||
- ''E meu abraço de tchau?" | ||
- Eu não acreditei que ele estava dizendo aquilo, depois de ter feito o que fez... O filhinho dele surgiu na cozinha como um anjo e me deu um abraço. Beijei seus cabelos e disse que estava indo embora. Fui embora o mais rápido possível. | ||
- E o que você fez quando chegou em casa? | ||
- Coloquei um filme do Tim Burton. | ||
- E no outro dia? | ||
- Acordei animada. Mas depois de um tempo, entre uma tarefa doméstica e outra, comecei a lembrar do ocorrido, não conseguia completar um raciocínio, esbocei um choro... | ||
- Conte-me um desses pensamentos incompletos | ||
- " Por que ele fez isso comigo? Por que não me respeitou? Por que não respeitou a própria família, esposa, filhos? Será que aquele filho da puta achou que dei algum tipo de abertura pra isso? Nunca dei nenhum tipo de liberdade pra ele..." | ||
- Você está me dizendo que foi assediada e ainda assim se culpou? | ||
- Acho que sim. | ||
Carolina abaixou a cabeça, eu vi quando suas sobrancelhas se moveram, vi seus olhos encherem, e quando iam transbordar, num gesto de desamparo inclinou-se, abraçou os joelhos e morreu em lágrimas. | ||
Registro de assédio contra uma mulher 7191 | ||
Fim da nota. |