Escritor (a) ser ou não ser?
9
0

Escritor (a) ser ou não ser?

Girei a chave do portão, me veio à mente a conversa que tive com o Uber no dia anterior, (engraçado como chamamos o App de Uber, o carro de Uber e o motorista de Uber) ele havia mencionado que morava sozinho, mas o foco da conversa não era esse, naqu

Gisele Lance
4 min
9
0

As idas ao mercado quase sempre rendem boas ideias, e quando com sorte, consigo parar um Golden na rua e ganhar algumas lambidas e arranhões, ou arrancar o sorriso de uma criança.

Email image

Girei a chave do portão, me veio à mente a conversa que tive com o Uber no dia anterior, (engraçado como chamamos o App de Uber, o carro de Uber e o motorista de Uber) ele havia mencionado que morava sozinho, mas o foco da conversa não era esse, naquele momento era apenas contexto.

Quase no final da corrida, voltamos ao assunto dessa vez como tema principal.

O motorista mencionou a solidão, e como faz falta ter alguém pra jogar conversa fora, alguém pra fazer as refeições junto...

Tratei logo de dar fim aquelas ausências todas, e trouxe a conversa pra uma ótica mais positiva.

_ Sim, essas coisas fazem falta, mas na MAAAIORIA das vezes, é bom morar sozinho! Frisei para o motorista, ou talvez tenha afirmado em voz alta pra mim.

Ele concordou empolgado dizendo como era bom chegar do trabalho tirar a roupa e andar nu pela casa, tomar banho ou ir ao banheiro com a porta aberta, assistir o que quiser sem ninguém criticando a escolha da programação, ou querendo conversar enquanto você só quer se distrair com a TV.

A conversa seguiu animada passeando por inúmeras vantagens de se morar sozinho, e apesar de me parecer um homem bastante simples, quase boçal, o diálogo evoluiu pra um nível mais profundo.

Falamos de liberdade, de amizade, de prazer...

Ele com exemplos, citando nomes e apelidos, (gostei quando ele falou da “Sininho”, pensei brevemente no motivo pelo qual ganhara esse apelido. Seria uma pessoa que gostava muito de Peter Pan? Teria uma aparência semelhante à personagem de Barrie? Ou quem sabe teria a personalidade travessa e irritadiça da fada... Confesso que me ocorreu ainda que essa tal de Sininho pudesse ser uma prostituta, de fato, seria um belo nome pra uma puta; tudo isso passou pela minha cabeça de forma muito rápida e bonita, acho que desejei conhecer Sininho) eu como sempre, puxando a coisa pro campo das ideias, como que cavando, cavando naquele ser humano até encontrar algo realmente valioso.

Quanto se cava pra encontrar água numa terra árida? Quanto se cava pra encontrar ouro?

Cheguei ao meu destino, o papo com o Uber teve um ponto final, mas conversa ficou reverberando em mim.

Senti a necessidade de escrever sobre isso, não tinha ideia de que o texto se construiria dessa maneira. Gosto da sensação de escrever e descobrir o que eu escreveria, se escrevesse.

É a descoberta de um texto, sua estrutura, seu conteúdo, porém mais do que isso, o exercício da escrita tem sido sobretudo, a minha descoberta de mim.

Outro dia acompanhei uma briga no Twitter, coisa de twitteiro treteiro. O sujeito estava injuriado com uma escritora/roteirista que dissera que ‘escrever livros, não faz da pessoa um escritor’.

Ela havia dito ainda que escritor é “quem se expressa pela escrita como caminho, como necessidade, como vocação. Por necessidade.’’

O twitteiro treteiro disse que ela estava “cagando regra”...

Eu admito que que gostei bastante da definição dela sobre o que é ser um escritor.

Talvez tenha gostado porque me vi ali, naquela descrição. Talvez tenha sido alguma coisa de ego, não descarto.

A opção mais provável, porém, é que tenha me sentido justificada perante ao mundo, minha existência ganhou um pouco de sentido ali, naqueles poucos caracteres. Talvez tenha sido um breve bálsamo na minha permanente ferida de AUTOcrítica/destruição/sabotagem.

Segundo essa definição eu sou uma escritora!

Sou uma escritora? Talvez. Mas sigo escrevendo porque me é imposta a necessidade, porque me sinto mais eu, quando o faço.

Não que ser eu, seja algo fantástico, bom ou agradável, mas na falta de escolha, o caminho da autenticidade me parece o mais digno.

Tenho buscado conexões com outros seres humanos, com os animais, com a natureza, com a arte, com a cidade onde vivo, e o faço com muita paixão, de forma quase obcecada. Já o exercício da escrita, promove o encontro mais importante de todos, o encontro comigo.

 Aqui, escrevendo, sinto que na estrada pra descobrir quem eu sou, só há bolas de feno rolando, posso percorrer livremente.

Não sei se tem um destino final, mas por hora a caminhada me basta.