A Pandemia Endossou Vygotsky.
1
0

A Pandemia Endossou Vygotsky.

A Pandemia Endossou Vygotsky.

Lucas Odenir Niespodzinski
7 min
1
0

A Pandemia Endossou Vygotsky.

Email image

     Chegamos ao final de mais um ano e consequentemente ao fim de mais um ano letivo na educação, ano letivo que, com certeza, entrou para a história e nos fez refletir sobre a importância da escola, visto que devido a pandemia, esse ambiente ficou impossibilitado de ser frequentado por alunos e professores durante o ano de 2020.

     Mesmo com o impedimento de se frequentar o espaço escolar, as aulas aconteceram normalmente através de aulas online ou impressas. Porém, tal situação nos fez refletir e relembrar as teorias de um famoso pensador russo, Lev Vygotsky (1896-1934), que até hoje é considerado um dos principais pensadores da educação. O russo Vygotsky, formado em direito e que devido a uma tuberculose acabou morrendo ainda jovem, deixou um legado de mais de 200 artigos científicos escritos, muitos deles relacionados aos processos psicológicos do homem e suas funções cognitivas, artigos fundamentais para a educação, para entender um pouco mais o processo de ensino e aprendizagem.

     Entre suas teorias temos a famosa teoria da psicologia histórico cultural, ou social, ou ainda interacionista, que pregava que o indivíduo só aprende através de experiências sociais que requerem participação e colaboração de todos, ou seja, que o homem só aprende se interagir com o meio. Com certeza, tivemos mais uma prova durante a pandemia, de que o pensador estava correto em sua teoria e ao dizer que: “O homem não nasce humano, ele irá se humanizar à partir de interações com os outros”.

     Mesmo após 86 anos de sua morte, Vygotsky continua presente na educação. Conseguimos encontra-lo, por exemplo, na BNCC (Base Nacional Comum Curricular) principal documento norteador da educação brasileira, nos eixos estruturantes, que de acordo com o documento, devem ser assegurados seis direitos de aprendizagem e desenvolvimento para que as crianças tenham condições de aprender e se desenvolver, e o primeiro direito da lista é o da convivência, reforçando a influência do pensador na nossa educação. Dessa forma, durante esse período de aulas online, podemos ver e refletir a grande importância que o espaço escolar tem para a garantia de um processo de ensino e aprendizagem eficaz.

     Sou um professor muito crítico aos modelos educacionais atuais, principalmente a estrutura física das escolas brasileiras. Em um mundo tecnológico e dinâmico, onde o aluno tem na palma da mão acesso à informação e notícias praticamente em tempo real, por exemplo, ficar por 5 horas diárias na frente de um quadro negro, cá entre nós, não é nem um pouco atrativo para o aluno. Hoje as escolas do país, em sua maioria, não oferecem ao aluno métodos inovadores para que o mesmo possa aprender com êxito e prazer, muito por conta de sua estrutura física. Sabemos que o bom e velho quadro e giz ainda é importantíssimo e essencial, assim como um bom livro, porém temos consciência que a geração atual necessita de algo a mais para desenvolver seu aprendizado nesse mundo inovador e que muda constantemente. Isso não é uma crítica com o objetivo de desvalorizar a escola, muito pelo contrário, pois mesmo com todas essas mazelas, endosso a frase do ex político, professor e médico Enéas Carneiro (1938-2007) que disse certa vez em entrevista ao programa Roda Viva da TV Cultura, em 1994 que: “A escola atual é melhor que a não escola”.

     Sendo assim, as aulas online, cheias de tecnologias, realizadas durante a pandemia, poderiam ser a garantia desse êxito e necessidade de tecnologias e metodologias ativas na educação para que houvesse uma aprendizagem qualificada e eficaz, mas na prática isso não aconteceu da melhor maneira. Por quê?

     Além de professor de educação física escolar em São Bento do Sul, sou professor em uma escola de futebol na cidade de Rio Negrinho e lá as atividades estiveram liberadas, com suas respectivas medidas de proteção, durante uma parte da pandemia.  Lá, ao indagar os alunos sobre como iam os estudos remotos, as respostas foram praticamente as mesmas; “professor, pra aprender é melhor ir para a escola”. Tal fato me fez refletir e pensar o porquê todos os meus atletas me deram respostas tão parecidas.

     Pensando e refletindo sobre o assunto não tive outra via para concluir meu pensamento que não fossem as teorias de Vygotsky que afirmam que para crescer, aprender e construir conhecimento o ser humano necessita dos outros. Interagir, trocar, partilhar, são elementos fundamentais para que o homem, através de sua linguagem, se complete e conquiste o seu potencial de forma plena. Assim, o espaço escolar, mesmo com todos os seus problemas, tem evidente importância nesse processo, pois atos como interagir, trocar e partilhar ficam prejudicados sendo feitos pela tela de um computador, não é a mesma coisa.

     É na escola que tudo isso acontece! Interagir com todo o ambiente escolar durante o dia. Colegas de turma, professores, serventes, diretores, cozinheiros e etc, sendo em uma interação planejada e mediada pelo professor ou em uma conversa descontraída em momentos de intervalo. Trocar um sorriso, um abraço, um aperto de mão, uma gargalhada na chegada à escola ou na hora de ir embora. Partilhar momentos de alegria com os colegas nos êxitos, tristeza nos erros, dúvida e aflição em uma avaliação, revolta e contradição em um debate, compreensão em um trabalho em grupo. Toda essa socialização que é fundamental no processo de ensino e aprendizagem ficou seriamente prejudicada durante as aulas online na pandemia e só reforçaram o pensamento de Lev Vygotsky.

     Dessa forma a escola mostra mais uma vez o seu valor, pois é só lá que além de agir, o aluno pode interagir sobre o meio onde vive em sua plenitude, algo que ainda é limitado via internet, pois seguindo a teoria “Vygotskiana”, o indivíduo adquire seus conhecimentos através de relações interpessoais, de troca com o meio onde vive. As características individuais estão profundamente ligadas as trocas com o coletivo e é ali, na socialização que se constrói e se internaliza o conhecimento. Qual foi a socialização e interação que os alunos tiveram com o meio e com os conteúdos ministrados nessa pandemia? Com certeza o distanciamento social ocasionado pela COVID-19, prejudicou a interação das partes envolvidas no processo de ensino e aprendizagem. Os alunos não puderam interagir da melhor maneira, assim como a mediação dos professores para que tal interação acontecesse também ficou prejudicada.

      Antes de finalizar, quero dizer que o objetivo do texto não é criticar o modelo online adotado durante a pandemia, mas sim enaltecer a importância do espaço escolar na aprendizagem dos alunos, pois sei que as aulas online foram a melhor opção disponível para se aplicar no momento para que as aulas pudessem ocorrer, já que o país não dispunha de um plano formado para algo assim.

     Por fim, torço para que as aulas presenciais voltem o quanto antes em 2021, claro que com segurança para todos, pois acredito que a aprendizagem só é alcançada com êxito quando existe essa socialização de todos os envolvidos no processo de ensino e aprendizagem. Valorizem a escola, pois é nela que as relações sociais acontecem de verdade e o aprendizado ocorre, pois como disse Vygotsky na obra A Formação Social da Mente: “na ausência do outro o homem não se constrói como homem” e por isso precisamos de todos juntos, de forma presencial, interagindo para que possamos formar com sucesso nossas crianças e jovens para o Brasil.

Texto escrito em dezembro de 2020.