Opinião sobre as decepções, surpresas, os melhores jogos, os gols mais bonitos, as revelações, os melhores jogadores e a seleção da Copa do Mundo de 2022
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Após 64 jogos disputados por 32 seleções e 172 gols marcados - recorde em uma única edição - a Copa do Mundo de 2022 conheceu neste domingo (18) a seleção vencedora. Em jogo épico finalizado em 3 a 3 na prorrogação, a Argentina bateu a França na disputa de pênaltis (4 a 2) e sagrou-se tricampeã mundial. | ||
Foram seis gols na partida - três feitos em cobranças de penalidades - e muita emoção, com sentimentos de alegria, incredulidade e alívio por parte dos argentinos, que estavam há 36 anos sem comemorar o título mais importante do futebol. | ||
Apesar de as duas melhores equipes do torneio chegarem à decisão, pudemos observar muitas surpresas, como as vitórias da Arábia Saudita sobre a própria Argentina, as viradas do Japão sobre Alemanha e Espanha que a classificaram para as oitavas de final, além das passagens à segunda fase de Austrália, Coréia do Sul e a maior sensação deste Mundial, o Marrocos, que tornou-se a primeira seleção africana a alcançar a semifinal. | ||
O nível técnico esteve longe do primor na maioria dos jogos. Entre as que acompanhei, esta edição fica atrás apenas do Mundial de 2010. Contudo, o aspecto tático e físico foram essenciais para o equilíbrio de forças entre as seleções consideradas "pequenas" e "médias" perante às grandes. | ||
Esse foi o grande ponto positivo. É importante ver o crescimento não somente do futebol como também de outras modalidades em países menos tradicionais. Isso ajuda a fomentar o esporte mundo afora e, consequentemente, aumenta o nível dos praticantes. | ||
Com o fim da competição, fiz um breve balanço sobre essa Copa, disputada pela primeira vez no 'mundo árabe', apontando as decepções, surpresas, os melhores jogos, os gols mais bonitos, as revelações, os melhores jogadores e a seleção da Copa. | ||
Confira a seguir. | ||
DECEPÇÕES | ||
Três seleções deixaram a desejar nesta edição. Menção honrosa para o Brasil, pois eu esperava, no mínimo, uma semifinal. | ||
3 - Alemanha | ||
Apesar dos 4 a 2 sobre a Costa Rica pela última rodada, a boa atuação em um dos melhores jogos da Copa que culminou no empate em 1 a 1 contra a Espanha e o excelente primeiro tempo diante do Japão, a Alemanha foi uma das grandes decepções. Nem tanto por seu desempenho em campo, mas, obviamente, por não se classificar para a segunda fase do certame pela segunda vez consecutiva, uma façanha inédita entre as seleções campeãs do mundo. | ||
A derrota de virada para o Japão logo na estreia pressionou a renovada equipe. Como anteriormente dito, a primeira etapa diante dos nipônicos poderia ter selado um destino diferente. Entretanto, o ataque pecou nas finalizações e pagou caro pelo alto índice de desperdício das chances criadas. | ||
Um disciplinado Japão, vertical e cirúrgico, provocou uma reviravolta numa partida em que esteve sob domínio em boa parte do tempo e reverteu todo o cenário à seu favor com dois gols em oito minutos, entre os 30 e 38 do segundo tempo. O tento derradeiro veio com a ajuda do VAR, no lance em que mostrou que a circunferência da bola estava sobre a linha de fundo por milímetros antes do cruzamento de Itakura para Takuma Asano, que complementou para o gol. | ||
2 - Bélgica | ||
A famosa 'geração belga' teve seu trágico fim decretado nesta Copa do Mundo. Foi inferior aos três adversários de sua chave – Canadá, Marrocos e Croácia. Ainda que tenha saído vitorioso, foi completamente dominado pelo ímpeto canadense, que criou diversas oportunidades através de seu forte volume de jogo. | ||
Nada fez contra Marrocos e apresentou bom futebol somente no segundo tempo contra a Croácia, tendo oportunidades, inclusive, de ter vencido o duelo. Lukaku não aproveitou as boas chances e a Bélgica caiu logo na fase de grupos. | ||
Há o agravante do péssimo clima no vestiário. De Bruyne chegou a proferir declarações polêmicas, como dizer que a melhor chance da seleção havia sido em 2018 e que agora os jogadores estavam velhos, portanto, não possuíam mais o favoritismo. O zagueiro Vertonghen ironizou o meia e, após a derrota para o Marrocos, declarou que o time atacou mal porque os jogadores de frente também estão velhos. | ||
Ainda sobre decepções, o próprio De Bruyne também foi um dos destaques negativos. Parecia estar em campo por obrigação. Pouco ativo e tampouco criativo, não foi nem sombra do que é quando está vestido pelo tom azul do Manchester City. | ||
Por fim, Eden Hazard anunciou aposentadoria da seleção aos 31 anos. Amargando a reserva no Real Madrid, o capitão belga demonstrou que suas condições técnicas e principalmente físicas estão, atualmente, visivelmente aquém do que um dia já apresentou no Chelsea. | ||
1 - Dinamarca | ||
Promessa de surpresa, a Dinamarca apresentou um futebol sem sal neste Mundial. Teve lapsos diante da França, mas saiu derrotada por 2 a 1. | ||
No empate sem gols frente à Tunísia e na derrota para a Austrália, jogou um futebol modorrento, burocrático. | ||
Esperava-se mais de uma seleção que vinha conquistando bons resultados recentes. Os escandinavos atingiram a semifinal da Eurocopa-2020 (disputada em 2021) mesmo com o desfalque de seu principal jogador, o meia Erikssen, que sofreu uma parada cardíaca durante a estreia contra a Finlândia. Recentemente havia conquistado duas vitórias sobre a França pela Liga das Nações, o que aumentou a expectativa de um bom papel no Qatar. | ||
Dos nove pontos possíveis, os dinamarqueses amealharam apenas um, o que coloca sua performance como a 28ª no ranking das 32 participantes. | ||
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SURPRESAS | ||
3 - Austrália | ||
Apontada antes do início como a pior equipe que a Austrália havia enviado para uma disputa de Copa, os Socceroos se superaram com disciplina tática e avançaram em segundo do grupo sendo derrotados apenas para a agora vice campeã França. A goleada de 4 a 1 sofrida na estreia não abalou o conjunto. | ||
Apesar de ter sido inferior à Tunísia, venceu o duelo por 1 a 0 e posteriormente bateu a Dinamarca pelo mesmo placar com uma atuação melhor. Conteve os europeus e até criou mais duas chances perigosas além do gol. | ||
Sua baixa qualidade técnica não resistiu e a queda ocorreu nas oitavas de final para a campeã Argentina. Pouco produtivo, o time verde e amarelo chegou a assustar no fim do embate depois de diminuir o placar num lance em que Goodwin chutou e a bola, que iria para fora, desviou em Enzo Fernández e entrou na meta. | ||
Pela campanha muito acima do esperado, considero a Austrália como uma das grandes surpresas da Copa. | ||
Menção honrosa para a Arábia Saudita, que registrou um dos grandes jogos na parte tática contra a Argentina, ao adotar uma estratégia de risco com linhas altas de impedimento e ótima compactação, que tirou o conforto e minou as construções do meio de campo da albiceleste. Os sauditas brigaram pela classificação até a última rodada. | ||
2 - Japão | ||
Os samurais azuis conseguiram uma virada épica sobre duas campeãs mundiais, Alemanha e Espanha. E melhor: fizeram por merecer. A linguagem da disciplina oriental foi traduzida ao pé da letra para o mundo do futebol. Organizado, o Japão até deslizou com a derrota inesperada para a Costa Rica, mas se classificou em primeiro do grupo cumprindo muito bem seu papel tático preestabelecido. | ||
O jogo contra a Croácia foi fraco tecnicamente, mas a seleção oriental se comportou bem e até se apresentou melhor. Contudo, o péssimo aproveitamento na cobrança de pênaltis – única seleção da história a não converter nenhuma cobrança – tirou o sonho de alcançar as quartas de final pela primeira vez. | ||
1 - Marrocos | ||
Uma das maiores histórias já escritas em uma Copa do Mundo. A seleção conseguiu um empate com a Croácia e vitórias sobre Bélgica e Canadá na primeira fase para avançar como líder de seu grupo. Eliminou a Espanha nas oitavas de final nas cobranças de pênaltis e se apresentou com autoridade para bater Portugal nas quartas de final e assim se tornar a primeira seleção africana e dos países árabes a atingir uma semifinal em plena a realização da competição no Qatar. | ||
O técnico Walid Regragui assumiu há três meses e nos proporcionou uma equipe lendária. Antes do certame iniciar já havia uma certa esperança de que Marrocos poderia até brigar por uma vaga nas oitavas de final, entretanto, nem o mais otimista imaginaria presenciar sua chegada numa semifinal. | ||
Como escrevi nesta coluna, chamar uma equipe de zebra é válido quando ocorre um resultado inesperado e de forma isolada. Neste caso, Marrocos provou ser muito bem treinado, organizado, objetivo e letal. | ||
Sua preferência de estilo é ser um time reativo, deixando a posse de bola com o adversário para poder aplicar sua estratégia se aproveitando de seus adjetivos. Sua capacidade, porém, não se limita a isso. Quando obtém a posse de bola, sabe circular e construir para criar. | ||
Antigamente, notava-se uma ingenuidade nas seleções africanas que, possuindo bons jogadores ofensivos, se lançavam à frente e desguarneciam seus sistemas defensivos. Marrocos certamente quebrou esse estigma, assim como Senegal também nesta edição. | ||
Os talentos internacionalmente reconhecidos de Hakimi e Ziyech aliados à outros bons jogadores como Boufal, Amrabat (espetacular no meio de campo) e o goleiro Bounou elevaram o nível da coesa atuação coletiva. | ||
As derrotas por 2 a 0 para a frança na semifinal e para a Croácia em 2 a 1 na disputa do terceiro lugar não apagam a campanha brilhante e a grata surpresa que foram os africanos nesta Copa. O quarto posto consolidou um trabalho incrível e que vem se desenvolvendo desde 2010, quando o rei Mohammed VI passou a investir em um centro especializado em formação de atletas denominado "Academia de Futebol Mohammed VI". | ||
Sediado em Salé, periferia de Ravat, o projeto engloba crianças de 12 aos 18 anos e já revelou nomes como En-Nesyri, Nayef Aguerd e Azzedine Ounah, titulares desta seleção emblemática. | ||
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MELHORES JOGOS | ||
A despeito da qualidade técnica desta edição, uma das mais fracas na minha visão, a final foi uma das melhores de todos os tempos. Sendo assim, a decisão foi, automaticamente, a melhor partida desta Copa. | ||
O empate em 1 a 1 entre Espanha e Alemanha foi um ótimo jogo, porém fica aqui como menção honrosa, pois não entra no meu top 5. | ||
5 - Sérvia 3 x 3 Camarões | ||
4 - Suíça 3 x 2 Sérvia | ||
3 - Argentina 2 x 2 Holanda | ||
2 - França 2 x 1 Inglaterra | ||
1 - Argentina 3 x 3 França (Argentina campeã nos pênaltis) | ||
GOLS MAIS BONITOS | ||
Muito difícil escolher cinco gols dentre os 172. A beleza por vezes vem com o contexto da partida e não só puramente pela plasticidade, como por exemplo o tento de empate da Holanda no último minuto do tempo regulamentar, em que Wou Worghorst recebeu um passe numa cobrança de falta ensaiada que surpreendeu não só a defesa argentina, como o mundo. | ||
Minha menção honrosa vai para este gol acima citado. | ||
5 - Mbappé: Argentina 3 x 3 França (o segundo francês, em que pega cruzado de primeira da entrada da área) | ||
4 - Gvardiol: Croácia 2 x 1 Marrocos (jogada ensaiada no primeiro gol croata) | ||
3 - Mitrovic: Sérvia 3 x 3 Camarões (combinação de construção e trocas de passes incríveis que colocou Camarões na roda no terceiro gol sérvio) | ||
2 - Vincent Aboubakar: Camarões 3 x 3 Sérvia (gol de cobertura sobre o goleiro sérvio) | ||
1 - Richarlison: Brasil 2 x 0 Sérvia (voleio maravilhoso do Pombo) | ||
REVELAÇÕES | ||
Jude Bellingham (Inglaterra) | ||
Aos 19 anos, Bellingham tornou-se o primeiro jogador nascido neste século a marcar um gol em Copas. Inaugurou o placar para a Inglaterra nesta edição, pavimentando o caminho para a goleada de 6 a 2 sobre o Irã. | ||
Mesmo jovem é um líder em campo, tanto que já foi capitão pelo Borussia Dortmund. | ||
Bellingham apresentou boa leitura de jogo, dinamismo e bons dribles. Sua boa condição física o permitiu dar conta do setor defensivo do meio-campo e o impulsionou a chegadas agudas com qualidade no ataque. | ||
Neste Mundial teve mais liberdade para atuar da faixa central para frente, contando com a sustentação de Henderson e Declan Rice. Ainda que tenha ajudado ambos em algumas ocasiões, teve mais liberdade para explorar suas várias qualidades ofensivas. Usou bem sua velocidade para avançar no campo de ataque para quebrar as linhas de marcação, contribuir com passes e até finaliza quando necessário fosse. | ||
Gvardiol (Croácia) | ||
Gvardiol finaliza este Mundial como um dos jogadores mais valorizados. Assinou uma extensão contratual com seu clube, o alemão Red Bull Leipzig, até 2027, mas provavelmente receberá ofertas de clubes da primeira prateleira dispostos a contar com seu talento. | ||
Um dos pilares do sistema defensivo croata, o zagueiro mostrou ter uma leitura muito boa de marcação e de espaços, realizando cortes e desarmes em momentos importantes para impedir a progressão de jogadas adversárias. | ||
Seguro, além de sua consistência defensiva mostrou técnica para iniciar a construção de jogadas, tendo calma sob pressão, controle de bola e bom aproveitamento tanto nos passes curtos quanto nos longos. | ||
Enzo Fernández (Argentina) | ||
Premiado como a Revelação da Copa pela própria Fifa, Enzo Fernández consertou o meio-campo argentino. Além de marcar bem no setor defensivo, preenchendo os espaços ou atacando o detentor da posse de bola, por vezes ajuda também na marcação no campo de ataque. Sua rápida recomposição ajuda na compactação da equipe. | ||
Apresenta saída de bola com qualidade e tranquilidade e organiza a faixa central. Dono de uma ótima mobilidade, sabe se desvencilhar para criar espaços quando necessário para poder conduzir a bola e também se projeta bem entrelinhas para avançar. | ||
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MELHORES JOGADORES | ||
A excelente atuação da Argentina consolidou Messi como o melhor jogador da Copa pela segunda vez. Sendo assim, ele é o único em todos os tempos a conquistar o prêmio por duas vezes. | ||
Para muitos (me incluo nessa), não há mais dúvidas que Messi, agora, se tornou o maior jogador da história. | ||
Claro, o Pelé não conta pois é de outro planeta. O Rei do Futebol ocupa uma categoria exclusiva, acima de qualquer outra. | ||
3 - Griezmann (França) | ||
Apesar de não ter marcado gols nesta edição, Griezmann foi extremamente importante para o funcionamento da engrenagem francesa. Atuando como um meia, teve papel fundamental tanto na fase ofensiva quanto defensiva, sendo voluntarioso em ambos os setores. | ||
Suas três assistências e mais de 20 chances criadas ajudaram a abastecer o ataque. Polivalente, além do combate inicial na faixa central e o preenchimento de espaços, também reforçou a defesa e serviu como o elo para o ataque. Ou seja, o consagrado atacante se mostrou, nesta Copa, um meio-campista completo, com direito até a uma brincadeira de seu ex-companheiro de seleção Pogba, fora desta edição, que o chamou de “GriezmannKanté”. | ||
2 - Mbappé (França) | ||
Mbappé foi gigante. Artilheiro da Copa com 8 gols, marcou três deles nesta final e registrou feitos históricos e raríssimos. O francês igualou a marca de Geoff Hurst, autor do hat-trick pela Inglaterra campeã do mundo de 1996. Além disso, Mbappé e Vavá (1958 e 1962) são os dois únicos jogadores a balançarem as redes em duas decisões seguidas. Por fim, há outros três jogadores que marcaram gols em duas finais, porém não consecutivamente: Pelé (1958 e 1970), Paul Breitner (1974 e 1982) e Zinédine Zidane (1998 e 2006). | ||
O técnico Didier Deschamps montou uma equipe em que não exige muita doação de Mbappé á marcação para o deixar descansado e poder usufruir de de suas diversas qualidades ofensivas. Aliando técnica e velocidade, o atacante francês, usando sua explosão, foi muito perigoso quando recebia progredindo para o ataque e letal tanto pelo lado esquerdo como se deslocando em diagonal pelo centro. | ||
Messi (Argentina) | ||
Messi, enfim, fez uma Copa digna de nível Messi. Portanto, nem preciso discorrer muito sobre suas atuações, pois assistimos a recitais do gênio argentino que credencia seu desempenho como uma das grandes atuações de um jogador em Copas. O mundo do futebol concedeu sua honraria máxima a um jogador que possui dons além do extraordinário. Sorte a nossa poder presenciar sua magia. | ||
Semelhante ao que ocorreu com Mbappé mas com execução diferente, Messi teve um esquema estratégico com reforço no meio de campo visando deixa-lo preservado para suas funções ofensivas sem precisar se desgastar tanto para cumprir papéis de marcação. Assim, o argentino guardou gasolina em seu tanque para aproveitar sua liberdade e criar chances a partir de sprints com a bola nos pés. Sua inteligência e técnica o permitem achar espaços mínimos para passes ou finalizações que exigem muita precisão e visão de jogo, daquelas que poucos na história possuíram de forma tão apurada. | ||
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TIME DA COPA | ||
Fiquei em dúvida para escolher o goleiro. | ||
No desempate entre os guarda-redes, escolhi Lloris em relação à Bounou e Livakovic por suas ótimas atuações principalmente nas quartas de final e semifinal. | ||
Pela Fifa, o premiado foi Emiliano Martínez, goleiro da Argentina. | ||
Goleiro: Lloris (França) | ||
Zagueiros: Gvardiol (Croácia) e Upamecano (França) | ||
Laterais: Hakimi (Marrocos) e Theo Hernández (França) | ||
Meias: Enzo Fernández (Argentina), Tchouaméni (França), Luka Modric (Croácia) e Griezmann (França) | ||
Atacantes: Lionel Messi (Argentina) e Kylian Mbappé (França) | ||