As lições da Katerra
1
2

As lições da Katerra

#0013: Em um grande exemplo de como inovar no mercado AEC não é fácil, o pedido de falência da Katerra no último mês de junho mostra como é difícil escalar soluções na construção civil.

Tiago Ricotta
7 min
1
2

#0013: Em um grande exemplo de como inovar no mercado AEC não é fácil, o pedido de falência da Katerra no último mês de junho mostra como é difícil escalar soluções na construção civil.

Who is Katerra? (1/7)

Fonte: Pro Builder Media in Youtube - The World According to Katerra
Fonte: Pro Builder Media in Youtube - The World According to Katerra

Para os que não conhecem ou nunca ouviram falar, a Katerra era uma das principais StartUps da construção civil do Vale do Silício, todo grande case de inovação em AEC se direcionava para a empresa.

A Katerra foi fundada em 2015 por Michael Marks junto com Fritz Wolff. Mark tinha um background da indústria de eletrônicos e Wolff vinha do setor de incorporação, tecnologia e construção era a essência da visão da empresa como descrito abaixo em uma tradução literal da visão no site deles:

A indústria de construção é uma das últimas indústrias artesanais que ainda não abraçou totalmente a era da tecnologia. A Katerra existe para ajudar a transformar a construção por meio da tecnologia - cada processo e cada produto. O progresso incremental não é suficiente - estamos buscando uma mudança transformacional em grande escala. A indústria da construção é vital para o meio ambiente e o tecido social de nossas comunidades. Temos uma oportunidade na próxima década de desenvolver novas soluções da maneira certa, soluções que não apenas aumentem a produtividade da indústria, mas também reduzam drasticamente a pegada de carbono da construção e proporcionem alívio para a escassez e acessibilidade de moradias.

Como visão e ideia a coisa era muito legal, a grande questão foi a execução, afinal, refundar a indústria da construção do zero, mesmo com um cheque de U$ 2 bilhões do Softbank pensando em um addressable market de U$ 10 trilhões não é algo fácil.

Industrializar uma placa de computador é um desafio mais simples do que industrializar uma casa ou prédio.

O pedido de falência (2/7)

Email image

O press release da empresa sobre a falência trás a seguinte alegação sobre a razão do pedido:

A rápida deterioração da posição financeira da empresa é o resultado dos efeitos macroeconômicos da pandemia COVID-19 na indústria de construção, incapacidade de obter títulos para projetos de construção após o inesperado processo de insolvência do antigo credor da Katerra e tentativas malsucedidas de garantir capital adicional e negócios.

A empresa cresceu em 6 anos de uma startup com poucos funcionários para atingir algo como 7500 funcionários em 2021, tendo no portfolio de ativos fábricas de pré-fabricados de concreto, CLT, componentes e acabamentos além das fábricas de modularização off-site.

Mesmo com gente grande financiando a empreitada é difícil você verticalizar tudo e qualquer componente da construção civil.

Quando falamos de fragmentação sendo o principal problema do mercado AEC, isso não diz respeito somente a parte da gestão da informação, isso também leva em conta a fabricação de produtos.

É de se admirar a tentativa e aqui não há uma falha e sim um aprendizado enorme para indústria.

A cultura que repele.. (3/7)

Propósito move pessoas e claro que com a hype que a empresa criou em torno dela atraiu uma série de profissionais do mercado AEC que queriam ajudar a construir a visão de refundação da construção civil.

O problema é que na dor do crescimento de encontrar gente para fazer parte dos times o fit cultural é algo que não pode ser descartado.

Acima de tudo a mente aberta para o novo, o diferente e contraditório, que as vezes pode até desrespeitar as leis da física não pode ser barrado pelos métodos tradicionais de trabalho existentes no mercado.

Um grande aprendizado do processo de expansão deles é que expandir trazendo grande parte das pessoas de empresas tradicionais que vivenciaram uma cultura tradicional do mercado, possuem já seus dogmas do que funciona e não funciona, pode ser um grande problema.

Aproveitando a ida do Sir Richard Branson ao espaço, é como se a tripulação do Unity 22 acreditasse que ir ao espaço só fosse possível pelo ônibus espacial da Nasa ou por um foguete tradicional russo.

Afinal, quando chega a hora da onça beber água, existe um natural instinto de sobrevivência de correr para aquilo que é sabidamente conhecido que dá certo.

Apollo (4/7)

Fonte: Katerra
Fonte: Katerra

A experiência com relação aos softwares em AEC tem que ser melhorada? Com toda certeza, trabalho isso diariamente no atual trabalho inclusive.

A Katerra foi pelo caminho de criar o seu próprio software de gerenciamento de construção chamado Apollo.

Você pode até bater na porta dos programadores da Autodesk e levar alguns deles a acreditarem no seu propósito e convencê-los a se juntar a você para construir um software disruptivo de construção.

Contudo, aqui tem um novo aprendizado: se você acha que o que existe no mercado em termos de tecnologia não atende aos seus requisitos por qual motivo você vai bater na porta do povo que desenvolveu essa tecnologia que você considera que não serve para você?

As telas do Apollo parecem um copy and paste do que já existe no mercado, as visualizações e ferramentas são as mesmas, claro que muita coisa no taylor made tem suas vantagens, mas talvez o custo de manter a infraestrutura e os programadores para um uso interno somente não pague a conta.

O que me deixa mais curioso nessa história é a mensagem “503 Service Temporarily Unavailable” quando você tenta acessar o site oficial do Apollo.

No fim, depois do aprendizado geral que os 7500 funcionários levam, o Apollo pode ser um belo ativo a ser disponibilizado no mercado.

O que a Katerra fazia? (5/7)

Fonte: Katerra
Fonte: Katerra

É até engraçado chegar até essa parte do texto e ficar um pouco confuso sobre o que de fato os caras faziam, qual era o foco da empresa?

Falamos aqui de software, de fábricas em geral, de modularização e industrialização da construção, para seis anos de vida o negócio cresceu absurdamente em diversas direções.

Na própria visão da empresa quando eles falam da necessidade de mudança da indústria não fica muito claro qual será o produto final, o pãozinho quente que vai fazer o mercado querer o produto e pagar as contas.

Existe, claro, no site da empresa os produtos que eram comercializados como plataforma de construção, estruturas, janelas utilização de madeira CLT.

Como o sonho era tão grande a sensação que passa é que fazer projetos ou produtos que não acompanhassem essa grandeza não seria de interesse ou não valeria a pena financeiramente.

Fica o grande aprendizado sobre o foco no problema mais que na solução.

E o futuro? (6/7)

Foram investidos U$ 2 bilhões na industrialização da construção e mesmo assim a coisa não conseguiu mudar, tem solução? É viável?

Fonte: Business Insider - CEO do Softbank - Masayoshi Son
Fonte: Business Insider - CEO do Softbank - Masayoshi Son

Claro, os problemas continuam aí, mas agora tem um aprendizado enorme no mercado em relação a industrialização, só seria um fracasso se a coisa não evoluísse ou houvesse uma desistência da ideia, o que não é o caso.

No final do dia o que vai acabar acontecendo é que muitos daqueles 7500 funcionários que viveram essa experiencia não vão desistir do propósito da Katerra, muitos já estão abrindo suas próprias empresas e com base no que viveram vão corrigir o que deu errado e focar naquilo que deu certo.

Pode ter certeza de que irão surgir algumas iniciativas interessantes no Vale do Silício nos próximos meses, talvez vá demorar um pouco, mas com certeza vão ter vários founders que trabalharam na Katerra ou gente que se inspirou na ideia para criarem suas empresas.

As empresas de projetos que foram adquiridas continuarão suas atividades até que apareça um comprador para elas, mesmo esse know-how de projeto será passado adiante em algum momento.

Inovar em AEC (7/7)

A inovação em AEC leva tempo e empresa a resistência que muitas outras indústrias enfrentaram no passado para se reinventar, mas nem por isso a coisa esta fadada ao fracasso eterno.

A cada novo texto que coloco nesta Newsletter da AEC Experience vejo que aparece uma discussão interessante, confio que a indústria vai conseguir evoluir com base nos aprendizados do passado.

No trabalho também estou encontrando várias experiências interessantes que vão mudando sua visão sobre as coisas e fortalecendo outras, como o bom shift para a boa experiência do cliente.

A Katerra foi um marco em AEC e o que podemos fazer é aprender com tudo o que eles fizeram e tentar evoluir.

Se cadastrem aqui na Pingback para mais conteúdos sobre o tema,

Obrigado,

Abs.

Tiago Ricotta

Publicado em 14 de Julho de 2021 às 13:26