A Constituição chinesa e a liberdade

Poucos governos na história têm tamanho poder sobre a sociedade quanto o governo chinês. Pode se dizer que as leis do país impelem a vida de uma em cada cinco pessoas no mundo diretamente, pois há mais de 1 bilhão e 400 milhões de pessoas vivendo na China atualmente. A China é governada por um único partido, o PCC (partido comunista chinês) a maior organização política do planeta, que tem cerca de 90 milhões de membros, quase metade da população brasileira, que utiliza do grande braço constitucional para perpetuar-se no poder. Há mais de setenta anos o mesmo grupo político impede eleições livres e diretas na China, tudo isso previsto constitucionalmente na lei suprema na República Popular da China adotada pelo 5o Congresso Nacional do ‘’Povo’’ em 4 de dezembro de 1982, com novas revisões em 1988, 1993, 1999, 2004 e 2018.

O passado do príncipe vermelho

Muitas dessas mudanças foram feitas pelo então presidente Xi Jinping. Nascido do berço do partido, teve o pai, Xi Zhongxun, um dos fundadores da guerrilha comunista, o número 3 do governo, sendo humilhado e sentenciado em público por traição ao partido. Sem a proteção do pai, o príncipe vermelho foi trabalhar em campos agrícolas e em fábricas como a de Yanchuan e Shanxi. E em 1969, durante a Campanha de Envio ao Campo de Mao Tsé Tung. Agora não mais como príncipe, e sim traidor. Deixando uma marca no futuro líder, que em 2000, em uma entrevista, fala de si como um sobrevivente.

Menção aos corajosos

Li Datong, Ex jornalista da juventude comunista de Pequim afirma que para sobreviver, o príncipe vermelho tinha que se mostrar-se mais revolucionário que qualquer outro camarada, decorando falas de Mao aos 10 anos. Como consequência, o legado de Mao foi instigado nele como em uma síndrome de Estocolmo, afirma Datong, como avalia também Liu Mingfu, Ex-coronel, autor do livro ‘’The China Dream’’. O que nos leva a pensar até que ponto uma constituição pode moldar um país, o país molda a constituição, ou é a própria constituição que o molda?

O judiciário como arma do partido

Quando o PCC chega ao poder em meados do século XX, o ensino das artes marciais já era uma política bem comum no governo. Entretanto, as escolas, mestres e associações identificadas como o guoshu e o projeto nacionalista sofreram perseguições e acabaram se desenvolvendo fora da República Popular da China, fosse em Taiwan, Hong Kong ou no exterior, por exemplo[19]. Na época da Guerra Fria, o esporte era um meio importante de demonstração da superioridade ideológica. As competições, como as Olimpíadas, eram momentos para as nações e seus blocos mostrarem para o mundo a sua superioridade. As artes marciais foram adaptadas pelo governo chinês para poderem cumprir este papel de divulgação da nova China que surgia. Uma das transformações foi de nomenclatura. Guoshu, termo muito associado ao Partido Nacionalista e ao seu projeto, foi transformado em wushu (武術 ou 武 术). Na verdade, guoshu era uma provável simplificação de Zhongguo wushu (中國武術 ), "artes marciais chinesas". A "nova" nomenclatura, neste sentido, apenas teria simplificado de outra forma aquele termo tornando-o pejorativo e supremacista.[18].

Liberdade como defesa

Pois bem, partindo-se da célebre frase de Rui Barbosa: A pior ditadura é a ditadura do Poder Judiciário. Contra ela, não há a quem recorrer. Assim como em nosso ordenamento jurídico, todas as normas constitucionais alentadas no mundo partem de uma representação social da população. Algo que identifique o país. Em nosso preâmbulo constitucional, temos convocado a proteção divina. Algo que representa nossa civilização e que faz parte de nossa cultura. Tendo isso em vista, não podemos negar que todo o ordenamento jurídico advém de uma premissa anterior, que são as leis naturais.

Liberalismo clássico e o governo

John Locke, um liberal clássico em seu livro Segundo Tratado sobre o Governo civil, defendia que estes direitos pertencem ao indivíduo no estado de natureza, e prova que entre eles está o direito à liberdade, pressupondo que Deus deu a terra e tudo que ela tem ao gênero humano, e segue: Todo homem tem uma propriedade em sua própria pessoa, a este ninguém tem qualquer direito a não ser ele mesmo. Tendo em vista tal pensamento, a ideia de que um grupo seleto de pessoas no poder possam arregimentar a sociedade, mudando a sua própria constituição, sem a representação do povo, como acontece na China, não só é inválida, como também criminosa.

A Igreja e o Estado

A China vem desenvolvendo uma perfeita forma de proteção às críticas e interferências externas. Iniciando em sua constituição no Artigo 37o, protegendo seletivamente em território chinês apenas a liberdade pessoal dos próprios cidadãos, o que não condiz com a prática que até 2016 mais de 160 mil câmeras foram instaladas apenas na cidade de Urumqi, capital de Xinjiang, onde muitos de seus cidadãos, a maioria seguidores de uma religião (cristianismo, islamismo e budismo) sofrem com perseguições, prisões e torturas em campos de concentração. Atualmente há uma forte repressão religiosa, principalmente ao povo uigur (de origem muçulmana que vivem na china) caso um homem desse povo venha a ser preso, o que sobra de sua família passa a ser observado de perto pela polícia do partido, que não apenas instala câmeras em sua residência, como manda oficiais para acompanhar o dia a dia debaixo do seu teto e dividir a cama com a suas esposas.

A constituição contra a igreja

Seguindo no artigo 36o parágrafos 3o e 4o que abordam sobre a relação da Igreja com o estado chinês, enfatizando a intervenção do estado nas atividades religiosas. É proibido o culto ao ar livre, em praça pública e lares. É proibido falar de religião para menores de 18 anos, por acreditarem interferir na crença do partido. Também é estritamente proibido estrangeiros falarem de religião para cidadãos chineses. Até mesmo o Vaticano não pode ter relações com igrejas estatais católicas chinesas. O que nos leva a pensar, qual o poder do estado nas igrejas? Quais intervenções devemos empregar em lei? A resposta é única, a liberdade religiosa como também a laicidade de um estado democrático está atrelada a um pilar central, que é o reconhecimento de que o estado entende a religião como equivalente, ou seja, como Abraham Kuyper cita em a soberania das esferas, o estado busca o bem comum na esfera da imanência, e a igreja promove o bem comum na transcendência. Uma escola, tem como fim a educação. um show do AC/DC, tem como objetivo o entretenimento das pessoas.

Artigos que oprimem

No artigo 19 inciso 1o da constituição brasileira. Veda a União, estados e municípios, embaraçar, promover e subvencionar, salvo em corroboração ao interesse público, ou o bem comum. Ou seja, a Igreja, e o Estado, são as únicas entidades que tem um fim em si mesmas, objetivando um bem comum à sua comunidade. Ao estado não compete o fenômeno religioso, ou coisas imateriais. Tendo assim, no Brasil, o melhor modelo do mundo de laicidade. Como diz Thiago Vieira e Jean Regina em Direito religioso: Questões práticas e teóricas, p.133-178.

Freios e contrapesos

Na constituição Chinesa o nome direito é citado 53 vezes, deveres, 29 vezes. Enquanto a palavra liberdade é citada apenas 11 vezes, estes violados diariamente, como no caso do pastor chinês Wang Yi, que está preso por afirmar que a ideologia do Partido comunista é incompatível com a fé cristã. O governo de Xi vem reprimindo igrejas clandestinas tanto protestantes quanto católicas, e adotou uma nova legislação para aumentar a supervisão da educação e das práticas religiosas, com punições mais severas para aquelas não sancionadas pelas autoridades educacionais regionais.

Alterações constitucionais chinesas:

Xi Jinping obteve recentemente o direito de permanecer no poder por toda a vida, por conta de uma alteração constitucional em uma emenda constitucional que elimina os limites do mandato presidencial, permitindo que o presidente permaneça no cargo por tempo indefinido. A medida já era esperada. Num contexto de autoridade, repressão e maioria no parlamento, ninguém tinha dúvida da aprovação. O anúncio da votação, testemunhado por repórteres no Grande Salão do Povo, passou com dois votos "não" e três abstenções entre quase 3 mil representantes.

A legalização de tortura e seus resultados fatais

Com a decisão, a cláusula que limita a dois mandatos o cargo de presidente foi derrubada. Xi Jinping estava prestes a começar o seu segundo e último mandato pela regra atual e agora poderá ficar para além do seu período, que terminaria em 2023. Ao todo o Congresso chinês aprovou em uma única votação um conjunto de 21 emendas constitucionais. A proposta de mexer na Constituição foi recebida com críticas nas redes sociais chinesas. Alguns comparando o regime chinês com o da Coreia do Norte, as mensagens foram devidamente apagadas horas depois. Nenhuma nação do mundo tem tamanha repressão em seus programas de estado quanto a China, tendo cerca de 182 campos de concentração, 209 prisões e 74 campos de trabalho forçado, mesmo com a pena de morte sendo liberada no código penal chinês. Não é de se estranhar a falta de oposição quando o poder totalitário é constitucional.

Os cuidados devidos no constitucionalismo brasileiro:

Observando tais atrocidades na constituição chinesa, em observância à constituição de 1988, que é a 3a maior do planeta. Desde 1988, foram aprovados mais de 6 milhões de dispositivos legais, cerca de 217 mil dispositivos em cima de cada um dos brasileiros, o Brasil tem leis demais, que se aplicadas corretamente, o país pararia. Sem falar das atrocidades constitucionais como o foro privilegiado, a usucapião de propriedade privada, e o Supremo Tribunal Federal legislando e abrindo inquérito sem o objeto da ação, muito menos em conformidade com o devido processo legal, sem acionar o ministério público, ou inquérito policial. Porém, editando a Constituição podemos ter êxito, as possibilidades existem, essa discussão seria positiva para o Estado democrático de Direito.

Para evitar atrocidades jurídicas

Assim como a revolução gloriosa foi influenciada por John Locke por meio das ideias, se aumentássemos essas propostas teríamos progresso, devemos pensar no que nos une como país, pois se não pensarmos, a próxima constituição será apenas a próxima, muito parecida com a chinesa. Então, uma forma de fazer uma constituição que dure mais é se concentrar na moldura constitucional e não na pintura, isto é, qual é a moldura administrativa institucional, o arranjo de poderes, e não quais são as políticas públicas de iremos despojar no texto de lei. Em outras palavras, ela tem que sobreviver a um governo socialista, como tem que sobreviver em um governo liberal como também a um governo conservador, porque as ideologias políticas são a pintura do quadro que escolhemos, de acordo com nossas preferências pessoais de tempos em tempos, transitórias, temporais, enquanto a moldura tem que permanecer, porque é o limite que impomos para até onde a ideologia pode se alastrar na administração pública e nos poderes que nos regem.

Ideologia no ordenamento político

Ou seja, um estado limitado que limite um governo, inicia-se nas eleições. Eleições livres pressupõem liberdade de expressão, pressupõe pluralismo político, como um maestro rege uma orquestra, onde cada um escolhe a música, os instrumentos, em qual tom cantar, em qual nota começar, precisamos aprender a separar isso do tecido constitucional, haja vista, se algo está na ‘’moldura’’ constitucional, é algo inalienável. Por fim, em outras palavras, o que vai decidir se o governo brasileiro é liberal, socialista ou conservador é a eleição, não a constituição, e democracia é fatigante, mas como disse Winston Churchill, primeiro ministro inglês, em discurso na Câmara dos Comuns, 11 de novembro, 1947. A democracia é o pior dos regimes políticos, com exceção de todas as demais. Por conseguinte incomparavelmente melhor do que um comunismo, ou qualquer outro autoritarismo, para termos um governo eficiente precisa-se construí-lo antes das eleições, é algo construído, tendo como pilar o capital de virtudes acumulado ao longo da história, ou seja, elementos positivos que sobrevivem aos testes do tempo na sociedade, restaurando positivas tradições, hábitos, valores, virtudes, ações, leis, instituições do passado que resistiram até o presente fará com que o Brasil se distancie de tempos de repressão religiosa como na China.

Referências

Cf. J.P. Plamenatz, Consent, Freedom, and Political Obligation. Oxford, 1938, p. 7

John Locke. Segundo Tratado sobre o Governo, p. 35.

Thiago Vieira e Jean Regina em Direito religioso: Questões práticas e teóricas, p. 133-178

República Popular da China, Constituição de 4 de dezembro de 1982, Art. 36-56.

A constituição contra o Brasil: Ensaios de Roberto Campos sobre a constituinte e a

constituição de 1988 p.185

Sites consultados

https://veja.abril.com.br/mundo/pastor-evangelico-chinesecondenadoa9-anos-de-prisão-p

or-subversao/

https://g1.globo.com/mundo/noticia/parlamento-chines-altera-constituicaoexi-jinping-pode-

ficar-na-presidencia-por-tempo-ilimitado.ghtml

https://www.theatlantic.com/china/archive/2013/08/a-surprising-map-of-the-world-shows-just

how-big-chinas-population-is/278691/

https://www.eiu.com/topic/democracy-index

https://www.bbc.com/news/world-asia-china-49631120

https://freedomhouse.org/article/china-global-leader-political-prisoners

https://www.cecc.gov/sites/chinacommission.house.gov/files/documents/CECC%20Pris%20

List%2020191010.pdf

https://duihua.org/resources/political-prisoners-database/

https://nationalawakening.org/coordinates/

https://www.youtube.com/watch?v=cMkHcZ5IwjU

https://www.businessinsider.com/china-uighur-prison-camp-suspected-locations-maps-20191

1

https://www.nytimes.com/2018/09/08/world/asia/china-uighur-muslim-detention-camp.html

https://theasiadialogue.com/2016/03/07/spatial-results-of-the-2010-census-in-xinjiang/

http://www.cssn.cn/zjx/zjx_zjsj/201412/t20141224_1454905.shtml?COLLCC=2153343765&

https://www.nchrd.org/2018/07/criminal-arrests-in-xinjiang-account-for-21-of-chinas-total-in

-2 017/

https://www.vox.com/2018/8/15/17684226/uighur-china-camps-united-nations

https://nypost.com/2019/08/13/muslim-women-reportedly-sterilized-in-chinese-re-education-c

amps/

https://www.independent.co.uk/news/world/asia/muslim-china-uighur-forced-share-beds-mal

e-officials-detention-camps-a9185861.html

https://www.aljazeera.com/blogs/asia/2019/01/exposed-china-surveillance-muslim-uighurs-1

90130011449217.html

https://veja.abril.com.br/mundo/demolicao-de-igreja-na-china-causa-temor-de-perseguicao-r

eligiosa/