Boicotes, cancelamentos e a birrinha infantil da falta de maturidade política e ideológica brasileira
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Boicotes, cancelamentos e a birrinha infantil da falta de maturidade política e ideológica brasileira

Quem não está cansado dessa birrinha eterna entre crianças mimadas disfarçadas de esclarecidos políticos?

Luiz Costa
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“Belém, Belém, nunca mais estou de bem...”

Quem não se lembra dessa frase repetida à exaustão durante nossa infância, quando brigamos com um coleguinha de classe ou com nossos primos? A mais pura expressão da imaturidade humana externada na voz da inocência das crianças, tomando voz para o descontentamento da atitude de alguém que nos é próximo ou não.

Pois bem; ocorre que, na atualidade, essa voz ainda ecoa, e ecoa, e ecoa, mas não mais na boca de crianças e, sim, através de “adultos” (e bem entre parênteses mesmo). Pessoas que deveriam ser o esteio da sociedade, pessoas que deveriam trabalhar e batalhar a melhoria do meio onde vivem, buscando debates saudáveis que impulsionem o crescimento individual e coletivo, mas não, de jeito algum, isso tem acontecido.

Não é novidade que, nos meios religiosos e mais conservadores da sociedade, fossem rotineiras as convocações de boicotes a marcas e empresas. Nos anos 50/60, geralmente, eram donas de casas unidas pelos bons costumes e pela moral da família, em defesa da unidade do sacrossanto lar e da família, quem costumavam encher a paciência dos canais de radiodifusão e televisão, quando um programa não lhes agradasse, fosse pelo linguajar expresso e que seus filhos, inocentes e angelicais, começassem a reproduzir; fosse pelas vestes das apresentadoras ou participantes (este o motivo mais corriqueiro), ou simplesmente por não terem nada melhor para fazer. À propósito, não podemos esquecer que a principal causa da proibição de jogos de Azar e cassinos no Brasil foi a excelentíssima ex-primeira-dama, Dona Santinha Dutra, cuja voz pela moral e bons costumes ganhou guarida nos ouvidos do General Gaspar Dutra, quem assinou o fim deles no Brasil.

Mas, e hoje? Por que eu estou dando essa volta toda para chegar no ponto central deste artigo? Bem, hoje não é diferente. Em geral, as conclamações para boicotes de serviços, marcas e afins, advém dos grupos mais conservadores, porém foi mimetizado com louvor pela ala mais progressista e de esquerda. Mas a esquerda se utiliza de um outro termo: CANCELAMENTO.

Cancelamento e boicote em nada diferem, a não ser pelo nome e qual o grupo que convoca. Pela ojeriza causada pela “cultura do cancelamento” promovida pela esquerda, a dita “direita” brasileira não utiliza a mesma nomenclatura, preferindo ainda o termo boicote para se referir às suas campanhas de ruína de reputação. E esses se tornaram empenhados em empunhar essa arma da justiça pelos valores sociais que tomaram para si, da mesma forma que a esquerda brasileira, e porque não mundial, sequestrou várias pautas que a transformaria na única via possível em defesa dos fracos e oprimidos.

Munidos dessa falsa moralidade, dessa “couraça de virtude” que não possuem de fato; ambas, esquerda e “direita” (sim, também entre muitas aspas, mas isso é assunto para outro artigo), mobilizam suas tropas, virtuais ou não, em busca de uma nivelação da sociedade que nada mais é que um revanchismo barato, infantil e imaturo.

Geralmente, em um ambiente saudável, em uma comunidade pacífica e democrática (como se isso existisse mesmo, a tal democracia), quando há discordâncias políticas ou ideológicas, a primeira ação a ser tomada é o debate acerca dessas mesmas discordâncias, para que se chegue em um meio termo justo e agradável para a sociedade como um todo.

Só que... não é isso que acontece. A “cultura do boicotelamento” só faz crescer e engolir a tudo e todos, mas agora em um nível diferente. De uns tempos para cá, tem-se tornado rotineiro receber em grupos de Telegram e WhatsApp, listas de comerciantes e marcas cujos proprietários ou redes sociais tenham se posicionado de forma contrária ao que um certo grupo defenda, seja esse grupinho a manada da “direita” ou da esquerda.

Não respondeu ao toque do berrante, é um alienígena (no sentido estrito e no sentido comum da palavra), um ser abjeto e digno de ser expurgado da sociedade, que não merece respirar o mesmo oxigênio terrestre que esses seres iluminados respiram. É impensável que alguém se digne a não seguir o rebanho, independente se esse rebanho é canhoto ou “destro”, se é um rebanho de bodes ou búfalos, ambos raivosos, ávidos por sangue e dor, prontos para dilacerar qualquer um que se oponha a eles. Criticou seus portentosos porta-vozes político-ideológicos? PARA A FOGUEIRA SOCIAL. Vai entrar na lista do boicote, seja do “fazuéle!” ou do “tálkey?!”.

Só que, o mais interessante, é que nesse ímpeto arrogante e hipócrita travestido de justiça social, moral e retidão, seja de qualquer um dos lados, os promotores desses “boicotelamentos” não se atentam a uma coisa simples e primordial: ao incentivar o boicote a uma determinada empresa ou marca, não estão prejudicando única e exclusivamente o dono dessa empresa ou marca. Em casos de marcas grandes, pra eles tanto faz, como foi o caso da Heineken, há bem pouco tempo, quando lançou uma publicidade onde uma parcela de seus consumidores se sentiu ofendida. Para a Heineken, tanto faz se o consumo do produto cair, eles simplesmente retiram seu negócio do país, uma vez que não trás lucro, deixando vários brasileiros que necessitam desse dinheiro desempregados.

Não entendeu ainda o ponto que quero chegar? Pode ser, talvez eu tenha exagerado utilizando uma multinacional como exemplo, então vamos para algo mais simples: sabe aquela padaria onde trabalha o filho da sua vizinha? Então, se você, caro patriota, resolve parar de comprar ali, prejudicará não apenas o dono da padaria que postou algo contra o seu político de estimação, estará também colocando em risco o emprego daquele jovem que não tem nada a ver com essa birrinha político-ideológica entre você e o dono da padaria.

E isso não acontece apenas no campo político da pseudo-direita, mas também na esquerda histérica. Basta alguém pisar fora da linha do que o pessoal do “mais amor por favor” dita para o mundo, que você já se torna todos os istas possíveis, independente se você seja ou não. E o linchamento deles é mais sistemático: se identificam onde você trabalha, fazem uma pressão absurda para que seja despedido e perca sua renda, independente se você tem responsabilidades financeiras para arcar ou não. Se é um empresário, então que se danem seus funcionários, o importante é fazer você falir.

Percebe? Não há diferença nenhuma no modus operandi, ambos agem sistematicamente iguais como em um reflexo em um espelho sujo e trincado. E o pior, não notam isso, não notam o perigo que colocam a sociedade como um todo, ao difundir toda uma intolerância raivosa com quem pensa diferente, não há o mínimo de civilidade e maturidade em nenhum dos lados, há apenas a idolatria política muito bem explorada por esses que se beneficiam e nada fazem a favor dos que bradam a seu favor e hasteiam suas bandeiras.

É necessário crescer, é necessário amadurecer, para de espernear como uma criança mimada que não aceita o contraditório, o não, a correção. É necessário entender que somos indivíduos livres para pensar como quisermos, e que o discordar é saudável para a evolução do ser humano enquanto sociedade, porém sem prejudicar pessoas que nada têm a ver com atitudes de terceiros. É legítima a liberdade de expressão, a liberdade da discordância e a liberdade de não querer compactuar com o que o lado A ou o lado B pensam, como disse anteriormente, são todos livres, mas antes de conclamar a próxima sessão do apedrejamento, lembre-se: o mundo não dá voltas, ele capota. O próximo a ser apedrejado, pode ser você.