A pequena e velha Capela
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A pequena e velha Capela

Uiliam da Silva Grizafis06/19/2023
6 min
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O bairro que moravam não era lá grande coisa. As estradas eram de terra, levantava-se poeiras quando os caminhões passavam para recolher o lixo ou quando os carros circulavam pelas ruas esburacadas. No meio dos matagais verdes, encontravam-se casas, ou de tijolos, ou de madeiras, algumas com suas chaminés fumaceando. As famílias que tinham dinheiro pintavam suas residências com duas cores diferentes: a parede de branco e as janelas poderiam ser vermelhas, azuis, marrons, rosas ou verdes. Quando o cuidado era maior, o telhado poderia ser vermelho também. As famílias que tinham pouco dinheiro - ou não tinham nada - deixavam a madeira na sua cor original, com o tempo a madeira envelhecia deixando a aparecia um pouco mais rústica. Pelas ruas, soíam passar os cavalos que puxavam suas carroças a transportar os cidadãos que vinham do campo para a cidade, os camponeses cumprimentavam a todos que encontravam, ou em suas casas, ou pelas ruas com grande sorriso no rosto. 

Além disso, caro leitor, também havia uma pequena e velha igreja caindo aos pedaços, os vidros das janelas quebrados, na entrada havia algumas grandes pedras que serviam como escada para as pessoas entrarem. Gerard um dia presenciou uma senhora que tinha seus oitenta ou noventa anos tentando escalar as pedras para poder entrar na igreja, a idosa gemia, tentava subir e de repente caia, não conseguia entrar para encontrar-se com seus irmãos na fé, até que um homem a encontrou, se compadeceu e ajudou-a levantar-se e adentrar ao templo sagrado.

Nosso nobre-pequeno-cavalheiro que era católico sempre teve curiosidade de entrar em uma igreja protestante e pentecostal. Admirara-se e ao mesmo tempo assustara-se quando ouvia os gritos dos pastores quando passava em frente a uma congregação, queria saber como era por dentro, desejava conhecer esse mundo misterioso, mas quando teve a atitude de entrar e frequentar os cultos, o filho do pastor, enquanto o enchia de bofetadas disse-lhe:

- Nunca mais apareça aqui!

Os sopapos não fariam com que nosso pequeno herói não tivesse a capacidade de tomar suas próprias decisões, atitude que foi tomada sem ser pestanejado algum tempo depois quando essa família de pastores havia saído da cidade antes que passassem fome e desgraça na pequena e quase arruinada igreja. Dificilmente alguma família de pastores ficava mais de um ano no povoado por causa da condição quase miserável em que eram acometidos.

A região era composta de famílias atribuladas que iam até a igreja para reclamarem de seus cônjuges ou filhos que se perdiam no mundo da tentação, talvez isso não fosse muito rentável aos sacerdotes e levitas.

Dois anos se passaram, e de pronto, um carro para na frente da casa do pequeno Gerard:

- Alguém sabe se essa casa está para ser alugada? – Perguntaram os visitantes.

Era uma casa de madeira que outrora havia sido transportada em cima de um caminhão e posta no terreno que ficava ao lado da igreja. O móvel tinha duas janelas na parte da frente, duas na lateral esquerda, uma porta e outra janela na lateral direita e outra porta nos fundos. Atrás tinha um grande terreno limitado por um barranco onde nosso pequeno passava horas a brincar e a travessear.

- Eu conheço a dona da casa, ela mora no centro da cidade, posso te passar o endereço. – Respondeu de forma amável dona Lu, a mãe do Gerard.

Sem alongar-me para não lhe cansar, paciente leitor, vou logo a dizer-lhe que os viajantes que perguntavam pelo aluguel eram os novos pastores que haviam sido mandados para o desafio de pastorear aquele pequeno rebanho de pessoas atribuladas. Logo após falarem com a proprietária trouxeram sua mudança e se instalaram no seu novo lar.

A família tinha quatro pessoas, o pastor, sua esposa e seu casal de filhos e chegavam da parte serrana do estado. Sem dinheiro e condições favoráveis para administrar uma paróquia, corajosamente assumiram o desafio dessa ardorosa tarefa, tinham a convicção de que era Deus que lhes enviara para aquele local e que o soberano lhes daria condições para sustentarem-se.

O pequeno Gerard viu ali a possibilidade de conhecer e frequentar o lugar que tanto o atormentara por causa dos seus mistérios, sempre a brincar na rua, não perdeu a oportunidade de perguntar à esposa do jovem pastor a que horas começava a reunião. Ouvia falar sobre Deus na escola, na igreja católica através da catequese, nas horas em que perguntava à sua mãe sobre a existência de um ser que estaria por trás de tudo que há no universo.

- A reunião começa às sete da noite e você está convidado a ir e conhecer. – Responde amavelmente dona Cecília.

Sem esperar mais tempo, o nosso pequeno herói vai à sua casa e ansiosamente espera o momento em que descobriria parte do enigma que o afligira. Deu o horário que começara a reunião, escalou as grandes pedras que serviam de escada para entrar ao santuário e ao passar pela porta de madeira que estava quase a cair de tão velha e maltratada encontra o pastor que lhe dá as boas-vindas.

No chão havia britas, que haviam sido espalhadas, se alguém caísse naquele piso seria esfolado. Os bancos eram de madeira, as paredes sarapicadas e quando olhava para cima, encontrava o telhado que estava prestes a cair. Algumas pessoas que ali estavam tinham suas faces aflitas; outras, espelhavam esperança; algumas, angústias e outras nem pareciam que estavam no local. O pequeno Gerard ao entrar levou a mão à face com a intenção de persignar-se, lembrou-se que se tratava de uma igreja protestante e que esse sinal fazia apenas os católicos, mas não deixou de fazê-lo, porém, timidamente.

Tudo era estranho. Se na congregação católica todos rezavam o Pai Nosso ou a Ave Maria de forma ordenada, ali encontrou a desordem, cada um falava algo diferente, não entendia muito o que estava a acontecer, tudo era novo. As músicas cristãs eram cantadas pela dona Cecília, com um violão entoava os hinos que exaltava o Criador. Após o sermão feito pelo pastor, convidaram as pessoas a porem-se em pé frente ao púlpito e começaram a orar. Assustado, Gerard começa a ver algumas pessoas caírem no chão, dias depois descobriu que se falava em possessão, nunca tinha visto algo parecido e parece que aquilo faria com que suas dúvidas ficassem mais longe de serem esclarecidas.

Terminada a reunião Gerard foi à sua casa, deitou-se na cama enquanto sua mente viajava através da sua alma platônica pelo mundo das ideias e tentando sobrepor-se à temporalidade para entender o mistério da eternidade. Sem sucesso, seus olhos foram pesando e o sono chegando até que adormeceu, dormiu profundamente, apesar da novidade, seria apenas mais uma noite sem respostas.

Os dias se passaram e Gerard foi aos poucos se adaptando ao novo mundo, se para Platão há o mundo sensível e o inteligível, para nosso jovem, passou a haver um mundo natural e o sobrenatural. Sua nova vida espiritual começou a fazer sentido quando era ajudado a livrar-se dos fantasmas que atormentavam sua mente e seus sonhos.

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