O jovem Gerard havia passado toda sua adolescência e parte da juventude na igreja e conhecia um pouco da história do povo judeu e do cristianismo, mas isso não o impediu de fazer seus questionamentos de praxe, aprendeu com os filósofos a pensar e não deixar que outros pensassem por ele. Aprendeu nas aulas de lógica aristotélica a educar seu pensamento quando passou a usar das inferências e conclusões para estabelecer seus argumentos, “Deus é o criador, o universo foi criado, logo, Deus é o criador do universo”, pensava. Mas também tentou descobrir quando lia Agostinho de Hipona sobre o que Deus fazia antes de criar o mundo. |
Gerard estava no bar à espera de seu amigo Victor. A essas alturas já havia pedido outra dose de whisky quando uma mão feminina toca no seu ombro, era Joana, sabia que nosso jovem estaria ali naquele horário para conhecer a moça que deixara Victor apaixonado. |
- O que fazes aqui neste bar? Aqui não é lugar para você! – Exclama Gerard de forma grosseira. |
- Calma, jovem – Retruca Joana – Eu imaginei que você estaria aqui, por isso vim, e desejo conhecer essa tal de Camila. |
Não há dúvidas que Joana passou a ser o centro da atenção naquele local, os homens com longas barbas, roupas sujas e fedendo a cigarro pararam de jogar bilhar para concentrarem-se na bela moça que adentrara ao local. |
- Todos estão a te olhar – Disse-lhe Gerard. |
- Não me importo com os olhares desses homens, já estou acostumada com isso, são homens que não querem nada além de beber e jogar, jamais me fariam algum dano. |
- Acho que devemos sair daqui. |
Gerard terminou sua dose em um só trago, pagou e saíram. Sentaram-se no banco da praça central, não se livraram dos olhares dos homens porque ali, os aposentados se reuniam para jogar baralho ou dominó. A noite esfriava cada vez mais. |
- Você não está com frio? – Perguntou Gerard – apenas está com uma blusa fina. Toma! |
Neste momento, Gerard tira sua jaqueta e seu cachecol e entrega à Joana. |
- Vista-se, você é muito irresponsável, além de entrar em um bar cheio de homens com más intenções, também anda pelas ruas neste frio apenas com uma blusa fina. |
Joana agradeceu a bondade do nosso herói, tomou a jaqueta e o cachecol e vestiu-se. No exato momento aparece Victor cambaleando e quase caindo. |
- Ela já está quase chegando! – Grita Victor. |
Não é de admirar-se que o jovem se encontrava embriagado, sujo e malvestido. Joana e Gerard o olharam e o censuram. |
- Não posso acreditar que você bebeu de novo! – Disse-lhe Joana. |
- Desse jeito, você vai perder sua musa, meu chapa. – Seguiu-se Gerard. |
- Nós não precisamos saber aonde vamos, nós só precisamos ir[1]... – Victor começou a cantar parte de uma outra música, mas da mesma banda da qual havia comentado na manhã do mesmo dia – Temos que pensar no hoje, desfrutar do hoje, porque o amanhã não sabemos onde estaremos e olhem, lá está ela! A mulher mais bonita dessa mísera e pobre cidade! A mulher mais bela que eu já vi na minha vida! Os lábios mais preciosos que eu já beijei em toda minha vida! Seu corpo é como um violão e suas palavras são os mais doces poemas que se transformam em trágicos romances! Jovens, apresento-lhes Camila! |
Para surpresa de seu amigo e sua irmã, a jovem Camila também estava um pouco embriagada, abraçou o jovem Victor e não se importou que ele estivesse fedendo desde a noite anterior. |
Gerard e Joana se olharam, não se aguentaram, e caíram na gargalhada. |
- Encontrou sua alma gêmea – Grita Gerard ao mesmo tempo que aplaudia o sucesso de seu amigo. |
Quase todas as mulheres da pequena cidade eram bonitas e elegantes. Mesmo as que não tinham dinheiro sabiam se arrumar e cuidavam de sua beleza. Camila não era diferente, morena, cabelos cacheados, olhos pretos, usava um vestido negro com listras brancas que ajudavam a contornar seu corpo. Usava um batom marrom, olhos bem delineados e um brinco de argola prateado. Era uma linda mulher. |
- Permita-me, minha princesa, apresentar-lhe minha irmã, Joana, ela é um pouco mais nova que eu, sem embargo, um pouco mais responsável. – Apresentou-lhe ao mesmo tempo que dava risadas. |
- Este, é meu amigo de infância, Gerard, ele é um pouco estranho e tímido, no momento ele está a tentar desvendar os mistérios do mundo, não sei se quer ser filósofo ou teólogo – Outra vez caiu na gargalhada. |
Gerard também caiu na brincadeira e da mesma forma Joana, que gostou da moça que estava saindo com seu irmão. Apesar de um pouco embriagada, Camila não deixou de transparecer simplicidade e simpatia. Levantaram-se e foram a comer e a beber, se divertiram bastante. Logo, quando o relógio apontava quase meia noite decidiram ir a um baile que estava acontecendo a uns quinhentos metros dali. Beberam, dançaram e se divertiram. |
- Viu como a vida é boa, meu chapa. – Gritava-lhe Victor a Gerard que também se divertia. |
Pôde esquecer um pouco de suas aflições. Chegaram em casa às quatro e meia da manhã. Gerard chega, entra na ducha, logo veste seu pijama e cai na cama. Não dormiu muito, pois as oito da manhã seu pai o acorda, tinha que levar umas madeiras à cidade vizinha. Levantou-se e apesar de haver dormido pouco foi trabalhar mais leve, fazia tempo que não experimentava uma noite de baile e, Victor fora o único amigo capaz de convencê-lo a desfrutar de uma festa. Trabalhou o dia inteiro, feliz, cantarolava enquanto dirigia pelas estradas. Às sete da noite, após o jantar, foi dormir, teve um sono profundo, descansou, não sonhou naquela noite, apenas desfrutou de uma noite bem dormida. |
[1] Outro trecho da música da banda gaúcha Engenheiros do Hawaii. |