O amor supostamente venceu
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O amor supostamente venceu

Uiliam da Silva Grizafis
9 min
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Vamos começar as “Crônicas de um Amor que Supostamente Venceu”. Confesso, caro leitor, que o escritor está começando as crônicas um pouco tarde, já estamos no mês de maio e o atual presidente, que é um ex-presidiário, conseguiu um favor do STF e conseguiu se reeleger em janeiro. Estamos cerca de cinco meses atrasados, mas vamos lá. Separei algumas coisas que aconteceram no governo de janeiro até agora, já é bastante coisa, já temos muito o que falar, o amor, supostamente venceu em alguns lugares.

O amor supostamente venceu através dos desentendimentos entre a presidente do PT, Gleisi Hoffmann, com o ministro da fazenda, Fernando Haddad, até a acusações de envolvimento da ministra do turismo, Daniela Carneiro, com milicianos da Baixada Fluminense. Estes e outros problemas que Lula vem enfrentando o tem deixado, muitas vezes, numa saia justa. Na maioria dos problemas o presidente tem preferido o silêncio, quando não o silêncio, busca minimizar acusações, brigas e rachas dentro da base do seu governo. Lula não imaginava – ou talvez, sim, imaginava, mas preferiu ignorar, ou confiar nas suas capacidades – que esse mandato que começou em janeiro de 2023 seria muito diferente de quando assumiu o Palácio do Planalto em 2002, quando as circunstâncias que acometiam o país eram muito diferentes daquelas que acometem hoje. Não sabia; ou talvez, sabia, que o país é outro. Em vinte anos o país mudou, a oposição é outra, as mídias digitais fizeram com que os eleitores fossem outros. O Brasil não é o mesmo, nem o PT é o mesmo. Os rachas mostraram isso.

Um dos casos que mais repercutiu na imprensa no mês de janeiro foi a acusação de que a ministra do turismo, Daniela Carneiro, havia mantido elo político com o ex-PM Juracy Prudêncio, conhecido como Jura, condenado por comandar uma milícia na Baixada Fluminense, e o ex-vereador Marcio Pagniez, o Marcinho Bombeiro, preso preventivamente sob acusação semelhante. Lula, em entrevista à CNN Brasil, buscou minimizar o elo da ministra com milicianos, tratou o caso apenas como uma simples “fotografia” (fotos denunciaram a ligação entre ambos), sem embargo, relatos mostram, que a relação vai muito além do que uma simples imagem. Foi noticiada a participação de milicianos na campanha da ministra, o fato de Daniela haver se referido ao miliciano como “liderança”, o comparecimento de ambos em festa de aniversário, o fato de Juca receber um cargo na prefeitura de Belford Roxo, comandada pelo marido da ministra, esse cargo lhe obsequiou o regime semiaberto. A minimização de Lula, o silêncio da ministra da Igualdade Racial, Anielle franco, cuja irmã foi morta por milicianos, mostra que, talvez, o governo seja conivente com isso, mas prefere colocar o assunto debaixo dos panos. O amor entre a ministra e os milicianos supostamente venceu.

Outro desgaste envolvendo algum ministro de Lula foi o caso de Juscelino Filho, ministro das comunicações. Juscelino recebeu diárias do governo federal por dias sem agenda de trabalho em São Paulo, São Luiz e até no exterior. Na viagem à São Paulo, o ministro aproveitou a estadia na capital paulista para participar de um evento relacionado à cavalos “Quarto de Milha”, Juscelino é criador de animais de raça. Além de usar recursos para atividades que não se relaciona com compromissos do governo e usar aviões da FAB, Juscelino direcionou verba do Orçamento para asfaltar uma estrada que corta sua fazenda, em Vitorino Freire (MA), antes de assumir o Ministério das Comunicações, quando era deputado na ativa. Esse problema gerou um choque entre o partido e o governo envolvendo, pasmem, Gleisi Hoffmann, pois, a presidente do partido defendeu o afastamento temporário de Juscelino enquanto uma ala do governo tem pregado que ele não poderia ser demitido. Lula, como um político que sabe fazer política, tentou contornar a situação, e na imprensa afirmou que caso não comprove inocência o ministro não seria mantido no governo. A fala poderia ter sido uma forma de dizer à imprensa e ao povo brasileiro que ele se preocupa com o caso, no entanto, Lula pode querer manter o ministro porque uma eventual saída poderia gerar ruídos no Congresso envolvendo o União Brasil que influenciou a indicação de titulares de outros ministérios, isso traria um fator de instabilidade. O amor supostamente venceu nos eventos de cavalos, nas diárias pagas pelos contribuintes e na estrada que passa pela fazendo do Juscelino.

Ainda sobre as brigas entre o PT e uma ala do governo, o que mais chamou a atenção foi a briga entre a presidente do partido, Gleisi Hoffmann, e o ministro da fazenda, Fernando Haddad, em relação aos impostos da gasolina. Haddad, foi defensor da tese de que o governo precisa estancar a renúncia fiscal que faz segurar o preço dos combustíveis. Gleisi, em seu twitter, atacou duramente essa ideia, sob o argumento de que antes seria preciso rever a política de preços na Petrobras. Lula, como um pai que quando precisa separar uma briga entre dois irmãos, precisa dar razão a um, preferiu descumprir o compromisso de campanha dando uma vitória tática à equipe econômica. Logo após o anúncio da proposta, Gleisi chegou a elogiar a solução, mas creditou-a apenas ao presidente Lula. Esse problema mostrou que não há acordo entre o partido e o governo, há desentendimentos que acarretam crises e frituras, principalmente dentro da ala econômica. Veja só, o amor supostamente venceu até na gasolina!

Outro problema, que Lula enfrentou e que não envolveu nenhum ministro, esteve relacionada com o MST (Movimentos dos Trabalhadores sem Terra), outro problema que, em vez de tomar alguma atitude concreta, Lula preferiu ficar quieto, levando a outro descumprimento de campanha. Já era esperado que a volta do governo do PT traria o retorno dos invasores de terra, no entanto, durante a campanha, Lula afirmou várias vezes que os movimentos só invadiam terras improdutivas, mas não foi isso o que aconteceu. Além das invasões do chamado “Carnaval Vermelho”, conduzidas pela Frente Nacional de Luta Campo e Cidade (FNL), que trouxe pressão para que o governo desse alguma resposta e Lula preferiu o silêncio ampliando uma crise com a bancada do agronegócio, houve também invasões em algumas fazendas no sul da Bahia, três dessas fazendas são de cultivo de eucaliptos da empresa Suzano Papel Celulose, portanto, não são terras improdutivas. Lula foi exprimido, pois, integrantes do MST o pressionaram por mais espaços no executivo, o movimento fez chegar ao Planalto a insatisfação com a ausência de um indicado para a presidência do Incra, órgão subordinado ao Ministério do Desenvolvimento Agrário, comandado pelo petista Paulo Teixeira. Dois pontos sobre Lula e o MST:

1) Lula descumpre o compromisso de campanha quando não se posiciona sobre às invasões criminosas em terra produtivas;

2) se aceitar a indicação de algum representante do grupo de invasores de terras no executivo, mostrará que continua a haver, apesar dos discursos de campanha, conivência com esses crimes. O PT e os invasores têm um histórico de companheirismo e amizades. Lula não quer correr o risco da reação política e da sociedade da ação descontrolada do MST. Podemos dizer, então, que o amor supostamente venceu entre Lula e os invasores de terras.

Que há companheirismo e amizade entre Lula e presidentes ditadores não é novidade para ninguém. Financiamento de obras através do BNDS, acordos políticos, defesa de uma união da esquerda latino-americana para ampliar a força política em diversos países e outros eventos que já é de conhecimento de muitos. O governo brasileiro, além de ignorar e minimizar o risco que isso acarreta, decidiu não aderir a uma declaração de 54 países com sansões ao regime ditatorial de Daniel Ortega, presidente da Nicarágua. Segundo Casarões, que é membro do grupo de trabalho do Ministério dos Direitos Humanos de combate ao discurso de ódio no Brasil, o governo perdeu a chance de exercer uma liderança regional ao não se posicionar de maneira clara sobre a Nicarágua, ele afirmou: “Cria-se a contradição. No limite o governo vai ser cobrado por defender algo internamente que não sustenta externamente.” O Embaixador Rubens Barbosa disse que “no caso do Brasil, dentro dos princípios ocidentais de democracia e direitos humanos, a gente não pode defender isso só internamente. É preciso coerência”. Lula prefere calar-se, minimizar e ignorar as atrocidades cometidas pelo regime ditatorial de Daniel Ortega. O amor supostamente vence até nas brutalidades dos regimes ditatoriais. Veja só!

Alguma coisa boa tem que acontecer, não é? Um feito bom que o governo fez, foi fazer a nova versão do programa Bolsa Família, os benefícios serão calculados inicialmente por pessoa, esse valor é de R$ 142 para cada integrante, famílias com menor número de pessoas e que, não atingirem o valor estipulado, receberão um complemento para assegurar o repasse do valor prometido. Haverá dois adicionais ao valor, um deles será de R$150 por criança de 0 a 6 anos, além disso, haverá um pagamento de R$ 50 por cada integrante da família entre 7 e 18 anos. A transição do Auxílio Brasil para o Bolsa família, foi feito com reformulações, nas palavras de Wellington Dias, o governo teve o desafio de “construir uma casa nova sem derrubar a velha”. Parece até algo conservador.

Ao fazer o levantamento, concluiu-se que, nestes primeiros meses de governo, as omissões e o silêncio de Lula sobre as crises entre o PT e o governo, sobre o caso do ministro Juscelino, sobre as invasões do MST e FNL, sobre o repúdio às ações criminosas do presidente da Nicarágua têm trazido:

1) Choques, brigas e desgastes entre membros do partido e a ala do governo;

2) omissão que mostra conivência com a relação de sua ministra com milicianos;

3) Descumprimento de campanha ao silenciar-se sobre às invasões em terras produtivas (o que gerou em crises com a bancada do agronegócio); e,

4) falta de coerência em não aderir a declaração com sansões ao governo criminoso de Daniel Ortega.

Fora isso, Lula tentou segurar a dita CPMI do 8 de janeiro, ameaçando não pagar os R$ 13 milhões em emendas individuais aos 209 deputados federais de primeiro mandato, tramando ofensivas aos parlamentares, por outro lado, garantindo o pagamento de emendas de fim de ano para os que demonstrarem “provas de fidelidade” ao governo petista. Para aquilo que lhe cabe, Lula sabe negociar. Com mais da metade do congresso em oposição, Lula é especialista em articular, é exatamente isso o que ele vem fazendo nestes primeiros meses do seu terceiro mandato.

O amor supostamente venceu em algumas áreas. Ainda é só o começo e ficaremos de olho.