TREVISO
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TREVISO

Uiliam da Silva Grizafis
7 min
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Treviso é o nome do vilarejo que levaram Dom Chico e Gerard, os dois ensanguentados e sem nada. Trataram-lhes as feridas, deram-lhes água e comida, dois leitos foram preparados para os dois descansarem. Apesar da decepção sofrida o jovem moço adormeceu, não sonhou, quando percebeu, já era manhã. Os galos cantavam, ouvia-se o barulho dos bois andando ao redor da casa, Gerard tinha fortes dores de cabeça. Levantou-se, apresentou-se na cozinha onde havia uma mesa farta com cafés e pães frescos. Gerard saúda a todas as senhoras que estavam na casa e dirige-se à porta para respirar um pouco. Contempla uma natureza formosa, com montanhas, árvores, ao longo, via-se os cavalos e bois pastando, as galinhas se aproximavam do jovem enquanto ele admirava os patos nadando no lago. Sua reflexão foi interrompida por dona Lúcia que o toca e o dirige até à mesa, implora para que coma algo, pois deveria sentir muita fome. Sentou-se e começou a comer. Logo, perguntou por Dom Chico e as senhoras disseram que o haviam levado ao hospital, mas o tranquilizaram e disseram-lhe que se encontrava bem. Enquanto comiam, conversaram sobre tudo o que havia acontecido no dia anterior, Gerard também lhes contou de sua paixão e a dona da casa, como de súbito, se levanta da mesa e exclama: - Você deve ir ao encontro dessa moça, ainda há tempo! – Após proferir essas palavras, a senhora, de uns oitenta anos, baixa, e usava óculos, saiu para procurar alguém. Os minutos se passaram, mais ou menos vinte minutos, quando a senhora volta com um jovem.

- Esse é Manuel, ele conhece o caminho e pode levar-lhe até essa moça.

Gerard não pestanejou, apertou a mão do rapaz, baixo, magro, com os dentes amarelos, mas que transparecia uma bondade sem limites. Ele trabalhava desde muito novo com os donos da casa, ele cuidava dos animais, os alimentava, os guardava e fazia outros serviços de praxe em uma casa de zona rural.

- Você faria isso por mim? – Perguntou-lhe Gerard.

- Pois claro, meu senhor, estou aqui para servir-lhe.

Rapidamente Manuel e Gerard montam na carroça, essa sim, tinha dois cavalos. A aventura começou. No caminho, Manuel contou-lhe sobre sua família, seus avós vieram da Itália, tentou proferir algumas palavras em italiano, mas sem sucesso, Gerard ria. O caminho era belo, passaram pela beira de um rio que ao redor havia flores das mais variadas espécies. Todos que encontravam no caminho os saudavam com sorriso no rosto, - assim são as pessoas do interior, meu nobre – dizia-lhe Manuel.

O que Manuel não lhe contou, foram as contingências que acometia sua família. Seu pai era alcóolatra, sua mãe sofria diariamente nas mãos do seu José. Dona Lúcia, recorreu o menino e levou para trabalhar em sua casa, deu estudos e comida, além de um pouco de dinheiro pelos serviços prestados. O fato de Manuel estar na casa da dona Lúcia, de certa forma, o protegia das desgraças vividas pela sua família.

Por fim chegaram a Nova Veneza. O dia estava quente, procuraram rapidamente o lugar que fora dado o conserto, e Gerard, ao chegar, perguntou pela espanhola. Era o guarda do lugar que os recebeu.

- Bom dia, senhor, - Gerard não perdeu tempo – Ontem houve um conserto aqui, de uma jovem espanhola, o senhor não sabe se ainda se encontra aqui na cidade?

- Sim, rapaz. Eu a vi saindo do hotel e indo naquela padaria.

O guarda sinalizou onde estava a padaria e Gerard abandonou o guarda e Manuel e saiu correndo em direção ao local quando, de repente, para e pensa: “eu sou um tremendo maluco, o que estou fazendo”? “E se ela me ignorar”? “Serei o homem mais infeliz dessa terra”! Mas o jovem tinha uma coragem ensinada por Dom Chico, a valentia de um homem disposto a tudo. Continua a ir em direção da padaria, abre a porta e entra. Lá estava a donzela, sentada à mesa só, comendo um sonho de doce de leite e uma xícara de café.

Gerard que outrora fora tímido não pensou duas vezes em pedir uma xícara de café e sentou-se junto à moça. Gentilmente a saúde, pergunta se podia sentar junto à ela mesmo já estando sentado e ela gentilmente o permite. Os pensamentos de Gerard apagaram quando lembrou-se que todo o dinheiro que possuía fora levado pelos salteadores e não tinha um tostão para pagar o café. Mari houvera dito umas cinco ou seis palavras e o jovem não a escutou. Olhava para todos os cantos e não encontrava Manuel, ficou frio, uma porque estava sem dinheiro e passaria uma vergonha tremenda, outra, porque estava na frente daquela que tanto sonhou.

Quero dar uma pausa aqui para conversar com você, caro leitor, às vezes, quando lemos romances, dependendo de alguns, tudo parece fácil, outros, tudo parece difícil. Um romance, nunca precisa terminar bem, porque a vida, nem sempre termina bem. O autor deve, de acordo com suas experiências revelar numa história, a fantasia ou a realidade, as contingências ou as alegrias e satisfações. De repente, quando tudo parecia estar perdido, Gerard estava de frente com a mulher que mexeu com seu coração. Vamos voltar para a história.

Gerard decidiu esquecer que estava sem dinheiro, esqueceu-se também, que não estava limpo, não havia trocado a roupa desde o dia anterior quando estava no bar ouvindo Vitor recitar o poema, ou quando entrou na prisão para visitar o mesmo amigo, a mesma roupa que carregava, também era a mesma que entrara no prostíbulo. Gerard estava fedendo. A moça pareceu não importar-se. O olhava de vez em quando e de pronto, Gerard lhe dirigiu a palavra:

- Eu estive no seu conserto em Lauro Müller, maravilhei-me com suas entonações.

Mari, portava um vestido branco, com um lindo colar dourado, sua pele era branca e transparecia limpeza e cuidado.

- Sim, – Responde Mari – gostei muito da cidade, das montanhas, das pessoas, do clima.

- De fato, uma cidade linda – Responde Gerard – Onde você aprendeu a entoar Chopin?

Mari lhe disse que desde criança foi educada na música, entrou cedo para o conservatório e dedicou a maioria do seu tempo à música. Conversaram sobre Bach, Beethowen, Mozart, Vivaldi, Mari ficou encantada com nosso herói, apesar de ele parecer-se com um maltrapilho. Mari disse que teria que ir-se, daria uma palestra sobre música numa escola, mas que gostaria de encontrar-se com nosso jovem mais tarde. Combinaram um jantar, ela ficaria mais três dias na cidade. A jovem levantou-se, deu-lhe a mão e Gerard suavemente a beijou. Mari foi-se, Gerard tinha agora a preocupação de pagar o café, mas não se comparava com a alegria de ter novamente a oportunidade de vê-la outra vez. Pensava em como iria se arrumar para o encontro. Manuel estava por perto, estava vendo tudo pela janela, Gerard ficou aliviado em saber que o menino tinha dinheiro para pagar o café. Gerard lhe contou do encontro que havia marcado para horas depois, Manuel disse-lhe que tinha amigos na cidade e que poderiam ir à casa de algum deles para banhar-se e, talvez, a roupa de algum deles lhe serviria. Gerard estava feliz, tinha esperança, estava completamente apaixonado.

Nesse meio tempo, dona Lu já havia saído do hospital, estava sob os cuidados do seu esposo e de sua sogra, dona Carula, eles não tinham ideia de onde estava Gerard, o pai, o procurou por toda a cidade, inclusive na casa de Dom Chico, surpreendeu-se quando Dona Laura tampouco sabia, inclusive, nem Dom Chico havia aparecido em casa, estavam extremamente preocupados, percorreram a cidade inteira à procura dos dois aventureiros. Dona Carula, preocupada, aproveitou para tomar umas doses de cachaça, Junior, vou à casa do seu avô, para ver se nosso herói estava lá, mas não, até que descobriram, pela boca de Hercílio, que o jovem estava louco para encontrar a jovem cantante, e que talvez os dois malucos cavalgaram até Nova Veneza. Junior, conseguiu um carro e pegou a estrada rumo à cidade italiana.