Ordinária
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Leo Munny
8 min
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Foi em um domingo de manhã como este, chuvoso que encharca toda minha cidade maravilhosa. Estou com a mesma ressaca, porém com um sentimento bem diferente daquele que senti há 5 semanas atrás. Naquele dia acordei livre, feliz, orgulhoso, hoje acordo preso, triste, com vergonha e, ainda, com raiva, traído e me remoendo em ciúmes.

Vou levantar , tomar um café (achocolatado, nisso meu paladar é infantil ainda), tomar um banho, refletir um pouso e contar minha história de forma mais imparcial possível, com todos os fatos, afinal, não deve ser tão difícil, se soubessem o quanto estou me odiando...

Bem, meu nome não interessa, nem o de ninguém que participará na minha narrativa, pois "dentro de nós existe uma coisa que não tem nome, e é essa coisa é o que realmente somos", como já escreveu Saramago. Venho aqui por este modo com a intenção de me expor, mostrar minhas atitudes, meus erros, para que talvez sirva de exemplo para alguém que possa estar numa situação semelhante. A quem estou enganando, uso este manifesto com o simples propósito de desabafo.

Sou homem, faço parte da população adulta e economicamente ativa, busco estabilidade e uma situação promissora. Entretanto, tanto quanto quiçá mais, gosto de diversão, lazer, sexo e companhia. A única coisa que reúne todos estes requisitos e, ainda mais, é a mulher.

Pois bem, namorava há três anos e sete meses quando tudo foi finalizado há 5 semanas atrás. Nunca fui um exemplo de fidelidade, traí inúmeras vezes, mas sem envolvimento com ninguém, criei normas, inventei nomes, empregos e vidas para mim, e me divertia, era puro e simples prazer, a cada saída uma história mais mirabolante. Porém, o meu relacionamento "oficial" estava desgastado, pelo menos eu achava, e queria voltar a vida de solteiro. Lembro-me como se fosse ontem há mais ou menos oito meses atrás, havia ceado do trabalho cansado e irritado, ela me ligou, arrumei uma discussão, que não faço ideia sobe qual foi o assunto, acredito que nem mesmo logo após desligar o telefone, se me perguntassem eu lembraria, mas me senti bem melhor. O quanto isso me enoja hoje!

Queria terminar, dar um fim no relacionamento. É, mas faltava-me coragem e assumi uma postura covarde, imatura, infeliz, imoral, ingrata, inadmissível e qualquer outro adjetivo degradante que possa caber, posso ficar aqui escrevendo todos eles para mostrar todo meu repudio por mim mesmo, mas acredito que quem ler já conseguiu entender.

Bem, minha atitude levou a minha ex-namorada a terminar comigo e não eu. Transformei o relacionamento num inferno, deixava de ligar, mantinha a infidelidade, saia varias vezes a noite durante a semana, apenas sumindo, deixava-a falando sozinha, marcava alguma coisa com ela, já certo de desmarcar para jogar futebol e o plano caminhava para o êxito. Até recordo-me de ela comentar algo sobre casamento, isso me fez aumentar demasiadamente tudo que fazia.

Foram sete meses fazendo-a sofrer, quando, há cinco semanas atrás, ela finalmente me "chutou". Forcei neste dia meia dúzia de lágrimas e, no final nunca me senti tão livre. Neste mesmo dia saí com amigos, comemorei e ainda transei ao final da noite. Acordei no dia seguinte completamente diferente do meu estado de hoje. Foram três semanas de pura liberdade, sem dar satisfação a ninguém, com a vida que ansiava.

Foi quando me peguei pensando nela, sorrindo, olhei sua foto que tinha esquecido que possuía na carteira. Notei que sentia sua falta. E nestas duas últimas semanas, apenas fico me martirizando, lembrando das maldades que fiz, quantas lágrimas a fiz derramar e faltava-me a coragem para reencontrá-la. Ou seja, confirmando o grande merda que sou.

Ontem, alguns amigos, preocupados com minha situação vieram me buscar para tentar aliviar qualquer que fosse meu problema e me divertir um pouco, me disseram que eu havia envelhecido uns dez anos em duas semanas e lembrei dela, devo ter feito-a envelhecer uns trinta anos nos últimos meses. Tudo me desanimava, tudo me fazia lembrar dela. Pedi férias no trabalho antes do que eu pretendia, pois não estava rendendo e seria um grande favorito para demissão.

Continuando, convenceram-me a sair, me arrumei e fomos a um bar que tinha pista de dança, ri bastante, conversei, esqueci-a durante alguns minutos, ia tudo bem, até demais. É, mas surgiu aquela figura na porta, magistral, vestida comm luxo, de forma impecável, com cada detalhe do seu corpo delicadamente salientado, seu rosto perfeito aos meus olhos que lembrava-me de ter a poucos milímetros do meu.

Primeiramente pensei que a bebida estava se fazendo presente em minha mente, mas não havia bebido o suficiente para tal, depois pensei que enlouquecera de vez, que a via em qualquer mulher, até senti prazer nisso, pois haveria enlouquecido e não sofreria mais dentro da minha loucura, mas todas estas hipóteses não duraram nem dois segundo. Um colega mais perto somente me cutucou e com os olhos apontou.

Ela não havia me visto, mexia na bolsa, queria que tivesse uma arma e apontasse sem piedade para mim e metesse uma bala na minha cara, mas foi pior, um braço a envolveu e um sorriso foi retribuído, os corpos enlaçados caminhavam juntos até a mesa indicada por um garçom. Despedacei-me em milhões de partes, ali mesmo. Não tinha lágrimas, odiava-a, odiava-me, queria fazer alguma coisa, mas o quê?

Minhas opções: ir embora; ir cumprimentar; arrumar briga, pelo menos nisso eu me garanto; ou ficar na minha. Por incrível que pareça, esta última era a mais difícil. Minha cabeça estava em turbulência. Devo ter feito uma cara de muita raiva, eu ouvia um colega falando alguma coisa, mas não entendia, não o escutava, pois quando voltei a mim suas palavras foram: Mas vocês não tem mais nada.

Levantei-me, e disse que já retornaria, com certeza todos ficaram me olhando enquanto um deles explicava aos outros o que estava acontecendo. Fui aproximando-me, não havia sido notado, encarei seu acompanhante. Reconheci. Surpresa? Nenhuma. Era seu antigo namorado, esperava mais dela. Ele apareceu milhares de vezes, durante nosso namoro, tentando tê-la novamente.

Esperava um rosto novo, alguém desconhecido, mas não, será que nem capacidade de arrumar alguém diferente ela seria capaz? Senti-me cheio de ironia naquele momento e tomou conta de mim uma vontade incontrolável de brigar.

Cumprimentei-os, ela me viu e fechou rosto, olhando para baixo disse: olá. O outro manteve-se em silencio me fitando bem sério. "Você tem um plano de atuação bem restrito", disse, olhando-a. "Vaza daqui", ele respondeu. Ela continuou em silêncio até que levantou a cabeça com um sorriso de meia boca. "Ainda bem que não perdi meu tempo com você!", falei pronto para falar mais coisas desconexas e frase com a finalidade de me aliviar e colocá-la bem abaixo dos meus tornozelos. Porém foi tudo em vão quando ouvi um corte na garganta que me fez engasgar todas as palavras que havia colocado em mente. "Você achou que era o único durante todo o tempo?", meus olhos foram guiados pelas gargalhadas do imbecil ao lado. "E você seu ridículo? Achava que saía só com você?!", ela falou para o imbecil.

Meu Deus!

Foi tudo que pensei naquele momento. Ela virou a cerveja que estava no copo do imbecil se levantou e me disse: "Eu sempre soube das coisas que você fazia, quando saía, quando estava com outras mulheres. Já ouvi uma frase que vocês homens jogam para no mínimo empatar, mas não adianta, sempre perderão e no seu caso foi de goleada. Eu gostava de você, achava que poderia dar certo, mas foi só um tempo né?".

Como uma cena de filme e colocou as mãos em meu rosto, despedindo-se e finalizou dizendo: "Eram melhor ter ficado quieto na sua com seus amigos, não é?". E saiu andando totalmente resolvida, nem reparei nas pessoas que nos observavam. Deixei-me cair na cadeira e olhei o sofrimento do imbecil. Acho que estava com a mesma expressão, imbecil. Disse afinal "Eu a amo!" e ele respondeu "Eu também!".

Levantei-me, fui até meus amigos, vi suas caras de bunda paguei minha parte e fui embora. Cheguei em casa e entornei no whiskey. Sabia que só dormiria assim, fugindo da realidade.

Voltamos ao presente, de ressaca e pensativo, não se brinca com sentimento de mulher, mas será que elas são confiáveis? E se eu tivesse feito diferente? É tarde.

Vou marcar um encontro com alguém hoje. Ela estava deliciosa ontem, talvez, com um pouco de paciência, eu arrumar um brincadeirinha com ela um dia.

A vida continua. Banal, ordinária...