Um anjo entre demônios
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Um anjo entre demônios

O período renascentista foi para a humanidade o despertar, como se estivessem acordando de um grande e doloroso pesadelo. Ciência, astronomia, filosofia e humanismo batiam de frente com o poder religioso, a Europa fervia com novas ideias e pe...

Dirlene Rezende
24 min
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O período renascentista foi para a humanidade o despertar, como se estivessem acordando de um grande e doloroso pesadelo. Ciência, astronomia, filosofia e humanismo batiam de frente com o poder religioso, a Europa fervia com novas ideias e pessoas eram queimadas e torturadas por discordarem ou por buscarem lógica e racionalidade em muitos fatos impostos ou sem explicações racionais.

Cientistas e grandes pensadores discutiam suas ideias escondidos, com medo de serem vítimas de um tribunal cruel e parcial.

Ao mesmo tempo, algumas nações queriam ampliar seus territórios, viagens extraordinárias começavam a surgir, buscavam novas rotas, novos mundos a serem explorados.

No interior da França uma linda jovem, levantava todas as manhãs bem cedo, arrumava a carroça e seguia até a feira da cidade em busca de legumes, temperos, bebidas e tudo que precisaria para fazer as refeições. Nessa manhã ela andava pelas ruas, curiosa, ela às vezes parava para ouvir escondido o que alguns moradores comentavam sobre esses novos fatos tão surpreendentes para muitos ali. Entretida com tudo que ouvia esqueceu que precisava voltar rápido, ainda a tempo de servir café ao pai. Criada só por ele desde seus treze anos tentava dar o mínimo de trabalho possível e o máximo de ajuda que conseguia. Trabalhava e cuidava do pequeno estabelecimento que tinham, ela aprendeu o ofício da cozinha com a mãe, ela gostava do que fazia, dedicava amor e alegria a cada prato, além de muito caprichosa e extremamente organizada. Ela e o pai viam que o lugar ficava cada vez mais cheio, seus pratos ganhavam cada vez mais fama. Mas sempre que alguém a elogiava o pai se aproximava a fazia entrar, ele não gostava que as pessoas olhassem muito tempo para Bianca.

Ela obedecia, mas sempre a contragosto, pois queria ser reconhecida, pelo seu trabalho. Nunca entendeu a superproteção do pai, até mesmo a mãe quando ainda estava viva agia da mesma maneira com ela.

Bianca nesse dia em especial teve uma reação mais tempestuosa, voltou para a cozinha brava, seu pai deixou outros cuidando do público e seguiu atrás dela.

— Você sempre soube que nunca gostei que se aproximassem de você, e não vou mudar isso agora Bia.

— Eu gosto do que faço, faço por amor, tanto ao senhor quanto aos nossos negócios, só que não é só isso que importa agora, quero sim que as pessoas me reconheçam.

— Só quero que você me obedeça, e pronto.

Irritada ela, puxou uma panela em cima do balcão derrubando outras, andava brava pela cozinha, o pai olhava aquilo com pena, não queria que ela ficasse daquele modo, mas sabia que faltava pouco para que ela conhecesse seus motivos, e sabia que no final ela iria entender e aceitar com facilidade.

— Nunca se aproxime de ninguém sem minha permissão, entendeu isso mocinha? — Ressaltou ele.

— Sim pai. Vou ficar por aqui hoje.

Bia passou o resto do dia ajudando na cozinha, não saiu mais, se alguém a quisesse elogiar, o pai dizia que iria levar a ela os elogios. Já no final da jornada ela estava terminando de organizar tudo para o dia seguinte, não deixava nada fora do lugar, arrumava tudo de maneira perfeitamente organizada, quase simétrica. O pai só olhava, não iria mexer com ela, sabia que ela ainda estava brava, e era melhor evitar atritos, apesar da maneira doce e meiga que ela tinha, quando contrariada poderia ser enérgica demais.

Todas as noites, depois de se arrumar para dormir, Bia ficava olhando as estrelas pela janela.

— São lindas, não são?

— São sim, pai. — falou ela mais calma — Será que existe algo lá fora, digo algo que nós não conhecemos, elas não podem ser somente pontinhos luminosos.

— Acredito que sim, mas nunca, jamais comente essas coisas com ninguém. Não vê o que qualquer assunto relacionado a isso, por mais inocente que seja, pode causar?

— Eu sei me cuido muito com relação a isso. Mas às vezes eu acho que sou diferente da maioria das pessoas. Escuto vozes o tempo todo, uma vez quando eu estava sozinha algumas panelas voaram em minha direção.

— Eu acho que precisamos ter uma conversa, mas tudo que falarmos aqui será segredo. Pode ser?

— Sim, não comento com ninguém.

— Eu queria esperar que as pessoas certas viessem te buscar, mas acho que não dá mais para esperar por eles, você vai precisar entender algumas coisas antes. E precisa entender que você é realmente diferente, assim como eu e sua mãe.

— Que pessoas? Sou diferente como?

— Se acalme, irei te contar. Existem certas lendas, que não são realmente lendas. Há muitos milênios atrás uma raça de outro mundo, um mundo lindo, porém com algumas crises, chegou na Terra. Eles brincaram um pouco com as coisas aqui, e acabaram criando os humanos. E passaram a ser retratados como deuses, anjos caídos. Só que eles se apaixonaram pela criação que fizeram e dessa paixão nós surgimos.

Ela estava assustada com o que o pai contava, mas os olhos dele brilhavam tanto que ela sentiu um pouco de medo.

— Você quer dizer que existe algo lá fora? E que eu, o senhor e a mamãe somos dessa raça? E por que seus olhos brilham tanto assim?

Ele pegou um espelho e colocou na frente de Bia, assim ela viu o quanto seus olhos também brilhavam.

— Você entende agora o motivo que sempre te tirei de perto de pessoas que te elogiavam, te deixavam feliz, com raiva ou com qualquer sentimento mais forte? Você ainda não tem controle sobre suas emoções e no mundo em que vivemos hoje você poderia estar morta. Quando você sai pela manhã não me preocupo porque sei que nesse horário a maioria das pessoas nem reparam tanto nisso.

— Agora eu entendo, e vou me cuidar mais, prometo. Quem vai vir me buscar?

— Ele é um guerreiro antigo, se chama Argos, é o único de vocês que não experimentou a morte.

— De vocês quem?

— Dos sete juízes de Hix. Um grupo que era encarregado de cuidar da Terra e dos humanos, vocês perseguiam gigantes, traidores, e todo tipo de escória que atacava os humanos com covardia.

— E quem era esse Hix?

— Ele teve inúmeros nomes: estrela da manhã, Ea Enki, Shiva, Samyaza e Quetzalcóalt. Ele quer resgatar os humanos do caos e restabelecer a ordem. Argos é o atual representante dele, e vai reunir vocês, acredito que essas mudanças que estão ocorrendo com o modo de vida humano estão demandando muita atenção dele, por isso não veio ainda, mas eu vou te ajudar enquanto isso, e quando ele chegar você estará pronta.

Bia se mostrou bastante receptiva ao que ouvia, e também disposta a cooperar, se deitou, só que não conseguiu dormir estava impressionada com tudo que descobriu, só conseguia pensar em como seria conhecer essas pessoas que o pai havia contado, e como é ser uma Nefilim.

No outro dia pela manhã, saiu e seguiu sua rotina. Ela e o pai sentaram-se para tomar o café, mas dessa vez algo diferente aconteceu, o pai não pediu que ela passasse o açúcar a ele simplesmente o fez levitar até sua mão, ela ficou impressionada, perguntou se poderia aprender.

— Vou te ensinar, não se preocupe, acredito que você passará por alguns testes com Argos, e alguma coisa você já vai ter desenvolvido, mas ele vai te ensinar muito melhor que eu.

Ela não conseguia fazer nada como ele, algumas coisas só balançavam quando ela tentava. Ela até se divertia com isso. O pai a orientava a ter foco, mas ela sempre se desprendia.

— Pai, se eu fui um ser desses juízes, como você diz quem foi você, e a mamãe?

— Eu e sua mãe, já ajudamos você quando se chamava Kenix, em grandes batalhas e guerras.

Ele se sentou ao lado da filha, pois via que ela queria saber o que fosse possível sobre o mundo que ela acabava de descobrir.

— Sua mãe e eu, somos o que dizem de contraparte. Algumas vezes seguíamos separados, mas sempre que podíamos ficávamos juntos. Quando perguntaram a ela e a mim se aceitaríamos que você renascesse como uma filha nossa, aceitamos de imediato. E então sua mãe Zaniah veio da Itália, onde estava, e passamos a viver os três aqui, ela escolheu seu nome, em homenagem a uma humana que conheceu onde morava.

— Eu prometo que vou fazer o possível para aprender tudo que puder.

— Venha comigo.

Bianca seguiu o pai até o porão que ficava dois lances de escada abaixo da cozinha que ela trabalhava, poucas vezes ela havia entrado naquele lugar, e quando entrava era rápido, tinha um pouco de medo, pois era escuro, e cheio de coisas que ela nem conseguia definir o que eram direito. Assim que entraram o pai dela procurou algo em cima de um armário assim que achou, ele entregou a Bia, era uma foice com uma corrente presa ao cabo.

— Vê aquele boneco ali?

— Sim.

— Treine, essas eram as armas que você usava, tente reaprender a usar isso, temo que a demora de Argos faça você ter que se defender sozinha por enquanto.

Bia passou a praticar todas as tardes após o expediente, o pai a orientava sempre, e cada vez ela progredia mais e mais. Mas as outras habilidades ainda eram difíceis para ela, por mais disciplina que tivesse.

O pai sempre se mostrava paciente, ele via a vontade dela em aprender tudo que podia, e ficava mais tranquilo quanto ao destino dela.

O brilho nos olhos era uma coisa ela já havia dominado bem, ela aprendeu com ele a esconder os sentimentos, e não demonstrar quem era. Ele já estava tranquilo em deixa-la sozinha com os fregueses, ela era elogiada e conseguia se manter tranquila.

Exausta depois de um treino mais pesado que o pai aplicou, e curiosa quanto a vida de Kenix e resolveu perguntar:

— Como era essa Kenix?

— Não era essa Kenix, era você. Ela era meiga, tranquila, equilibrada. Das três que sempre andaram juntas, ela era a que as fazia pensar em como agir, sem rompantes emocionais.

— Quem eram as outras?

— Lix e Elenia. Dois turbilhoes, e você sempre esteve entre elas, tentando acalma-las.

— Deve ter sido uma vida bem diferente.

— Foi sim. Mas o que virá agora vai fazê-la bem.

Ele seguiu até o canto de um armário, lá havia um velho e empoeirado baú, que estava trancado, pegou uma chave que estava presa atrás do armário, e quando abriu o baú tirou dele: um frasco amarelo, uma pulseira e uma pequena sacola amarela.

— Essas coisas eram de Kenix, e agora são suas.

Ela olhava tudo, com calma, perguntava sobre cada umas das coisas, e ele explicava com detalhes.

— Se um dia precisar, use as joias, para se esconder.

— Me esconder de que?

— Existe um ser maligno que persegue você, perseguiu Kenix e agora quer você. Ele é como nós, um Nefilim, mas só sabe fazer atrocidades, leva dor e pânico aonde vai, ele parece um anjo, mas é um demônio.

— Se precisar eu fujo. Imagino que a morte da mamãe tenha sido causada por ele.

— Os escolhidos para serem pais de vocês seis, sempre souberam o que poderiam passar, mas era necessário que cada um de você retornasse.

Bia guardou as coisas novamente no baú, que agora não ficaria mais chaveado, mas ela achava que ali ainda era o lugar mais seguro, se esteve por quase vinte anos ali então não seria agora que ela iria tirar.

Na manhã seguinte, enquanto escolhia algumas batatas na feira uma moça bem vestida, mas com um ar misterioso, se aproximou de Bia, ela não deu muita conversa, e não deixou que a moça a tocasse. Sabia que teria que ter cuidado, mas a moça persistia na aproximação. Perguntava sobre os produtos que ela estava comprando e vendo que eram muitos perguntou se eram para algum restaurante. Bia respondeu que sim sem dar muito assunto. Havia algo estranho nela, era como se algo pesado rodeasse aquela moça.

Assim que chegou a casa comentou o fato.

— Como era essa moça? — Perguntou o pai aflito.

— Alta, cabelos cacheados, e os olhos tinham uma cor diferente.

— Amarelados?

— Sim, eram assim mesmo.

— Mila. Ela está procurando por você. Não a deixou saber seu nome e nem ondem você está?

— Não, ela quis me cumprimentar, mas eu fingi que não era comigo.

— Fez bem.

Mila entrou em uma construção antiga em ruinas, cercada por alguns arbustos e árvores que davam um ar sombrio ao lugar.

— Um verme só pode se esconder em lugares assim. — Falava ela enquanto entrava.

— O que veio fazer aqui?

Ela tentava achar de onde a voz vinha, mas parecia ressoar de vários lugares.

— Você vive como um verme, o que reflete bem sua essência Túlio.

Uma risada alta se fez por toda parte. Mila então conseguiu identificar que vinha de uma porta mais ao fundo, caminhou até lá um pouco incomodada, imaginando que veria coisas terríveis, até mesmo para ela, tudo o que a mente sórdida dele era capaz de criar. Mas para sua surpresa era uma simples sala, mas, por mais sordidez e crueldade que ele tivesse sempre estava bem vestido, tudo nele combinava com o rosto angelical que tinha, e quem não o conhecesse bem, o julgaria o ser mais puro e bondoso ser que existia.

— O que veio fazer aqui? Marduk não nos deu descanso? Ou ele quer meus serviços novamente?

— Você sabe que nossa boa vida está acabando. Estou encarregada e reunir os dele, vim leva-lo, Túlio.

Túlio estava com os pés em cima da mesa, parecia contrariado em aceitar ir com ela.

— Eu não vou ainda, preciso achar uma pessoa antes.

— Achar quem? Kenix?

— Tenho procurado por ela a anos, mas ela evaporou, sumiu, não consigo nem sentir um traço da energia dela, quando eu consegui uma pista sobre a Nefilim que a gerou eu a matei. A maldita deveria ter me informado sobre Kenix, ninguém esconde nada de mim.

— Você é tão tonto que dá pena. — Mila empurrou os pés dele da mesa.

— Você invade a minha fortaleza e me desacata assim? Você perdeu o juízo? Sabe bem que eu sou o pior dos sete. — Ele apontava uma adaga no pescoço de Mila.

— Isso aqui não passa de ruinas, que você se apoderou. Eu ia te ajudar, mas resolvi não fazer. Vire-se um pouco mais.

Assim que Mila saiu ele lançou a adaga em sua direção, ela segurou rápido antes de ser atingida.

— Me diga como iria me ajudar?

— Não vou, aprenda a se comportar e terá o que tanto quer.

— Se você me der o que eu procuro eu irei com você e volto a servir Marduk.

— Vou pensar, e volto em alguns dias.

Mila sabia que ele iria tentar segui-la, para ver se ela realmente sabia onde achar Kenix, mas foi mais esperta que ele e o confundiu, Túlio acabou sendo direcionado para um lugar oposto ao lugar que deveria ir.

Mila chegou novamente na cidade onde viu Kenix. Procurou por ela até chegar a um pequeno restaurant um lugar pequeno, mas aconchegante, lá dentro viu quem ela tanto procurava.  Bia servia algumas mesas e arrumava as que já estavam desocupadas. Mila entrou escolheu uma das mesas que Bia já havia arrumado, e esperou para ser atendida.

Bia a viu entrar e foi até o pai, ele pediu que ela não saísse da cozinha e foi até Mila.

— O que você faz aqui?

— Nossa! Quando nos conhecemos você era bem mais jovem Seth.

— Não uso esse nome entre os humanos.

— Devo chama-lo como?

— Vá embora Mila, deixe minha Bianca em paz.

— Que nome lindo ela tem agora. Mas sinto muito, vou leva-la, ela vai servir de moeda de troca. Tire todos daqui se não quiser que o estrago seja maior.

Seth preocupado foi rápido até Bia.

— Vá embora filha. Pegue as coisas que te dei e fuja.

— Não vou deixa-lo sozinho.

— Precisa, você é importante, não pode morrer ainda, eu vou encontrar sua mãe.

Bia correu até o porão, pegou tudo que estava dentro do velho baú, subiu rápido e pegou algumas roupas na cômoda. Sabia que o pai iria segurar Mila o máximo que poderia. E então saiu pelos fundos.

Assim que todos foram embora Mila pediu que Seth trouxesse Bia.

— Ela está longe, você sempre com esse medo ridículo de Marduk, nos deu tempo mais que suficiente.

De repente a porta abriu com violência, e Túlio entrou nervoso.

— Me entregue ela. — Ordenava ele.

— Ela está longe, longe da sua perseguição.

Túlio o ergueu alto, com os olhos brilhando de raiva.

— Você sabe que vai morrer, por que não revida? — Perguntava Túlio.

— Não quero mais me manter vivo, sei que minha filha logo encontrará Argos.

— Que assim seja. — Túlio o matou rápido, com uma faca, direto no coração.

Bia corria com a carroça, queria chegar logo à outra cidade, mal sabia ela que era exatamente onde o covil de Túlio ficava. Ela torcia para que esse Argos, que o pai dela havia dito, chegasse logo. Procurou abrigo em um celeiro, ela conhecia os donos e sabia que não haveria problema em ficar por ali. Ao longe ela viu a uma construção abandonada. A construção a fazia sentia medo só de olhar, parecia o lugar mais terrível que já havia visto. Queria ter tido tempo de aprender mais com o pai, mas isso agora não era mais possível. Precisava buscar algo para comer, não havia dado tempo de pegar nada.

Seguiu até o centro da cidade e procurou algum lugar que pudesse comprar algo que fosse simples e fácil de levar para onde estava.

Enquanto isso Mila e Túlio entravam no covil dele, os dois discutiam muito, ele completamente irado, afinal, esteve tão perto de ter quem que queria e ela atrapalhou tudo.

— Nós vamos acha-la Túlio, eu a vi sei como ela é agora.

— Nós, nós. Vá e traga ela para mim ou quando eu descobrir seu amado Galaz, eu mesmo o mando de volta, para o inferno de onde sei que ele saiu.

Mila saiu brava, ele havia mexido onde era o ponto mais frágil dela. Ela iria procurar pelos arredores, afinal Kenix não poderia ter ido muito longe e aquela cidade era a mais próxima da cidade de onde ela havia saído.

Bianca olhava o céu estrelado, sentia falta do pai, não poderia nem ir até ele, sentia que ele havia perdido a vida tentando protege-la. Sempre viveu tão tranquila, e de repente tudo mudou, não sabia nem mais quem ela era ao certo, tinha medo das pessoas, sabia que se descobrissem algo desse tamanho ela estaria perdida, decidiu que pela manhã bem cedo iria sair dali, procurar algum lugar que pudesse viver sem nenhuma preocupação.

Acordou bem cedo colocou tudo que havia trazido dentro da carroça e seguiu por uma estrada de terra batida, correia o mais rápido que podia só que para sua infelicidade a estrada passava em frente à assombrada construção. Mila estava saindo quando a viu passar. Mila era um demônio, e alcançar a carroça de Bia foi simples sentou-se ao lado de Bia e segurou as rédeas e a fez parar. Bia pegou as armas que seu pai a ensinou a usar, estava decidida a se defender o máximo que pudesse. Estava impressionada com o que Mila havia feito, mas não se acovardava.

— O que é você? — Perguntou ela.

— Sou a mesma coisa que você, um demônio. Você agora vai comigo.

Bia se defendia de Mila, como podia dando certo trabalho para leva-la. A paciência de Mila ia ficando cada vez menor, até que conseguiu deixar Bia imóvel.

— Você vem comigo. Alguém espera por você.

Assim que Mila terminou de falar uma flecha ficou o solo, próxima aos seus pés.

— Esqueça essa vocês perderam! — Gritava Mila.

Uma figura de uma moça portando arco e flecha surgiu na frente das duas.

— Ela vem comigo Mila, você não vai leva-la.

De repente Túlio aterrissou entre elas com uma força estrondosa capaz de levantar poeiras do solo.

— O lugar dela é comigo! — Esbravejou ele.

Ele ficou entre elas e pegou Bia pela cintura, a levando para dentro da construção que a fazia sentir tanto pavor.

— Por essa você não esperava não é Ester? — Mila seguiu atrás de Túlio.

Dentro da construção Túlio levou Bia até um quarto e a colocou lá dentro. Mila que chegava logo atrás viu o quarto.

— Que paraíso é esse, escondido nesse lugar horrível?

— Eu fiz para ela, quero que ela se sinta feliz em estar comigo.

Bia não se sentia à vontade ali, por mais lindo que fosse, estava presa, Túlio trancou a porta e ela não conseguia abrir, a janela era alta não tinha como saltar. As coisas dela ficaram na carroça e a essa altura não restaria mais nada.

Ester esperava por Ângelo e Argos ao lado da carroça de Bia e guardava tudo que ela havia levado.

— Onde ela está? — Perguntou Argos chegando.

— Cheguei muito tarde, não consegui impedi-los de leva-la.

— Vamos salva-la. Nós três somos em maior número.

— Como vamos fazer isso Argos? — perguntava Ester — Temo que ele traga mais alguém.

— Ele é uma praga, entre todos eles, é o pior, mas temos que tirar ela de lá o quanto antes.

— Invadimos então?

— Sim, vamos até lá.

Os três seguiram até o covil de Túlio, sem saber que ele já previa isso.

— Não dá para entrar! — Ester estava inconformada — Ele pediu para a bruxa, a vassala de Marduk proteger o lugar.

— Mas nós também temos um bruxo. E um dos melhores.

— Isso Argos, Baltazar consegue neutralizar a magia dela.

Argos pediu auxílio a Baltazar, e a única coisa que restava aos três agora era esperar que ele abrisse o caminho. Esconderam-se em uma árvore próxima, Argos procurava conseguir sintonia com a amiga queria tentar tranquiliza-la.

Kenix. Chamava ele em pensamento.

Bia estava sentada no canto do quarto, atormentada pelo que poderia acontecer a ela. O rapaz que a levou pareceu ser um pouco perturbado, ela não tinha nada ali para se defender caso fosse necessário. Então ouviu uma voz masculina em sua mente.

Quem me chama? Perguntava ela.

Sou Argos, vim resgatar você.

Meu pai me disse que você viria, mas é um pouco tarde.

Não se preocupe, vamos tirar você desse lugar.

A porta do quarto se abriu e Túlio entrou, trazendo uma cesta com frutas e um jarro de água. Ela estava faminta então aceitou o que ele trazia, mas não o deixava se aproximar, ele tentava passar a mão nos cabelos dela e ela se esquivava. Assim que ela terminou de comer ele disse:

— Você não vai sair daqui nunca mais. Nasceu para ser minha, e será minha.

— Nunca vi você. E você não tem o direito de me aprisionar assim.

— A você me conheceu, e conheceu muito, quando era Kenix. E me amava.

— Eu nunca amaria alguém capaz de me aprisionar.

Túlio deu um tapa no rosto de Bia e rasgou a roupa que ela usava. Bia sentiu mais medo ainda, afinal não sabia como se defender dele.

— O que você vai fazer?

— Quero você e vou ter de um jeito ou de outro.

Ele estava tomado pela fúria, deu mais um tapa em Bia e a jogou em cima da cama. Ela sentia tanto medo dele, ele se aproximava dela e ela enrijecia o corpo, só que ele era forte. Bia só queria se defender dele a todo custo e não se dava conta da mudança que estava sofrendo, mas ele sim, ele viu que os olhos dela brilhavam muito, o medo a fez virar uma fera, por mais que ela não soubesse usar aquilo a seu favor, ela conseguiu pará-lo, ela estava com olhos e garras prontas para tentar se defender.

Ele sabia que ela iria lutar contra qualquer coisa que fizesse então a ergueu segurando pelos ombros e a atirou contra a parede.

— Assim eu não consigo o que eu quero.

Ele saiu irritado, a deixando jogada no chão. Ela olhava as mãos sem entender o que estava acontecendo, ela estava desesperada, tanto pelo que poderia ter acontecido quanto por não conseguir voltar ao normal.

Acalme-se. Dizia Argos novamente.

Ela arrumou a roupa como pôde e tomou um pouco mais de água. Sentada na cama ela temia a própria sorte, pensava se esse Argos era realmente capaz de tira-la de um monstro, como esse que a mantinha presa.

— Vamos entrar. — Disse Argos aos dois.

— Eu fico com Mila. — pediu Ângelo — Será um assunto de família.

— Ester entre em contato com Bia, é esse o nome que ela usa hoje, vá e a tire de onde está. Eu vou me divertir com nosso amiguinho.

Baltazar havia cancelado a proteção que cercava o covil, e os três entraram rápido cada um deles seguiu o que havia combinado.

Bia começou a ouvir um barulho de briga, encostou-se à porta e percebeu que alguém havia vindo enfrentar o monstro que a prendia.

Deve ser Argos. Pensou ela.

Sim somos nós onde eu acho você.

— Quem é você?

Sua amiga, Lix, logo você vai lembrar, mas agora me ajude a te achar.

Ester subiu as escadas de uma torre escura, que ficavam nos fundos da construção, assim que chegou ao final viu uma porta trancada. Bateu na porta.

— Estou aqui!! — Gritava Bia.

— Vou abrir e vamos embora.

Ester, com o arco, conseguiu quebrar a trava da porta. Assim que abriu a porta, viu Bia em pânico, ela tremia amedrontada, Ester estendeu a mão a ela.

— Você está a salvo agora. Ficará entre amigos. — Ester então a abraçou.

As duas desceram até onde os outros estavam. Assim que Túlio viu que Bia estava livre, tentou investir contra ela e Ester, mas Argos o deteve, e acabou o ferindo nas costas com a lança.

— Vamos embora Túlio. Seu castelinho ruiu. — Chamava Mila.

— Pegarei você de volta Kenix, e quando fizer isso você não conseguirá se livrar mais.

Bia respirava aliviada por estar longe dele, mas mesmo assim sentia medo, não os conhecia, Argos percebendo isso se aproximou dela.

— Me deixa te mostrar uma coisa.

Ele tocou na testa dela, e ela conseguiu ver quem eles foram um dia, a importância de cada um deles na vida que teve como Kenix, e lembrou principalmente da amiga Lix, agora Ester.

— Me levem daqui. — Pedia ela.

— Você irá para um lugar mágico, e terá paz longe dele, lá ele não pode entrar. — Explicou Ester.

— Perdi tudo que havia trazido.

— Eu guardei, não se preocupe.

Bia se sentiu segura ao lado deles sabia que estaria bem, procurou pelo pai com ajuda dos novos velhos amigos e organizou a cerimônia de cremação, fizeram escondido de todos que um dia os conheceram, finalmente ele estaria ao lado de sua mãe. Locou o pequeno estabelecimento que tinha e se assegurou que ficasse sempre com ela, queria mantê-lo para sempre se lembrar de tudo que viveu ali, de todas as lembranças uma a trouxe ainda mais saudades ela se lembrou de Baal e sabia que logo iriam busca-lo.

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