A coisificação do ser humano
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A coisificação do ser humano

Já há algum tempo, minhas leituras e estudos (e mesmo os conteúdos que consumo em redes sociais) giram muito em torno de dois grandes temas: adoção e racismo.

Jussara Marra
3 min
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Já há algum tempo, minhas leituras, estudos e mesmo os conteúdos que consumo em redes sociais giram muito em torno de dois grandes temas: adoção e racismo.

Cada qual com diversas ramificações, além do grande ponto no qual se interligam, que é provavelmente o meu tema preferido: a adoção inter-racial. Mas as reflexões que tem me invadido nas últimas semanas tem sido outras...

Falar de racismo exige voltar algumas casas e alguns séculos de história. Falar de racismo exige mergulhar na escravidão. Exige entrar na mercantilização do ser humano. Ir a um tempo no qual homens jovens e saudáveis valiam mais que comida, ao passo que mulheres e doentes poderiam valer menos que animais sarnentos.

Eu sei. Ler isso é desumano. Mas talvez "desumano" seja o adjetivo mais leve para descrever essa fase da história do negro.

Deixemos essa análise assim e partamos para a adoção. Nem estou falando de adoção inter-racial. O ponto aqui é outro. A coisificação.

Tenho me deparado com alguns perfis de Instagram com postagens tratando de um ponto extremamente sensível: "conheço uma mulher que quer dar o filho. Por que você não pega pra você?".

Parece fora da realidade, mas acontece, e acontece muito. Não só a oferta, mas também o aceite. 

Poderíamos falar horas sobre a necessidade de uma adoção legal, a importância para além do jurídico de serem observadas todas as burocracias, de não se deixar levar pela ansiedade e pressa na chegada do filho... mas, de novo, hoje o assunto é outro. A coisificação.

Desumano também.

Num e noutro caso, o que vemos em comum é o ser humano transformado em objeto, em mercadoria, em coisa. Ele é desumanizado quando comercializado, seja como escravo, seja como filho.

Podem parecer temas distantes, assuntos que não se conversam, e até movidos por sentimentos completamente distintos. Mas em ambos os casos, temos o desejo por possuir. Seja um escravo, seja um filho. E temos a posição que nos permite "adquirir a mercadoria que desejamos". Como se fosse uma roupa, um par de tênis ou um vestido novo.

Não. O alegado amor pelo bebê que, nesse caso, queremos transformar em filho, não alivia o tom da avaliação. 

Se queremos mesmo um filho e desejamos que ele venha pela adoção, primeiro vamos entender o que é (sem fantasias) uma adoção, analisar se é esse mesmo o nosso desejo e, em caso positivo, seguir todos os passos burocráticos e de preparação para que ele chegue.

E a mercantilização do escravo a gente esquece, porque ficou lá atrás na história? Não. A gente mergulha nela, se dispõe realmente a entender não só o que nossos antepassados viveram, mas especialmente as marcas que seguem fortes ainda hoje no nosso dia a dia.

Num e noutro caso, fica o alerta: humanizemos uns aos outros e as relações, ainda que nosso ego e nossa ansiedade insistam em gritar mais alto.