A violência de ser o único negro em espaços brancos
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A violência de ser o único negro em espaços brancos

Jussara Marra
3 min
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Eu observo a cena se repetir. Por mais que eu, consciente e atenta aos ambientes que frequento, tente, vejo meu filho inserido como único negro em espaços majoritariamente com uma certa frequência.

Acontece que pessoas pretas em lugares "de brancos" (muito entre aspas) sentem e são vistos de formas diferentes a partir de como elas chegaram até ali.

Ficou confuso? Pois vamos lá.

Dudu entra nesses lugares com o meu passe livre. Entra como meu filho. Ele nunca precisou lutar para ocupar aquele espaço. Não seria dele naturalmente, mas é meu e eu concedo passagem pra que ele entre.

Torna as coisas mais fáceis, mais leves? Definitivamente não. Até porque sempre vai existir aquela crença social coletiva de que ele sendo o preto em ambiente branco é o responsável para explicar toda e qualquer questão ligada à negritude, ao racismo, à escravidão. Tudo.

Esquecem que letramento racial é processo individual e necessário de todos e cada um.

Ainda assim, ele entra de forma diferente daquela situação cada vez mais frequente (que bom!) do negro que ascende socialmente em decorrência de estudo, trabalho, dedicação e chega nesses espaços, por séculos e séculos reservados apenas aos brancos, para ocupar seu lugar.

Costumo sempre usar a figura do bolo na festa. É assim. Estão todos em uma festa, mas somente brancos comem o bolo. Até que uma pessoa diz que acha que os negros também deveriam comer. Todos concordam. O problema é que o bolo não vai aumentar de tamanho. Para que todos comam, é necessário que os brancos recebam fatias um pouco menores. Aí o discurso muda.

Muitos defendem, num discurso bem raso, que "todos somos iguais" e que "por mérito" brancos e negros podem e devem ocupar espaços de protagonismo, liderança e mesmo em alguns meios sociais majoritariamente brancos.

Isso até que os negros começam efetivamente a chegar a esses lugares. Por mérito. Por conquista.

Ao contrário do discurso, grande parte das vezes eles não são bem vindos. Nem sempre vão sofrer retaliações diretas, afinal de contas, como as pessoas vão sustentar discursos de "somos todos iguais" ao lado de ataques racistas? E tem mais. Ninguém quer ser apontado.

O resultado prático não é muito melhor do que se os ataques existissem de forma explícita. Esses negros começam a sofrer microagressões e violências. Começam a ser preteridos, isolados. São vítimas de tentativas de branqueamento e exclusão de círculos de convivência que escolhem deliberadamente assuntos e ambientes dos quais não participam naturalmente, para que não precisem fazer parte.

Assim é a luta de todos os dias nos espaços. Assim é a luta nos ambientes, sendo observados, vigiados, questionados e confundidos com prestadores de serviço e bandidos a todo tempo. Tendo sua legitimidade questionada.

Espanta ler isso tão escancarado, né? E talvez você esteja aí se perguntando quem seria capaz de tanta violência, ainda que silenciosa.

E eu respondo: todos. Todos nós. A partir do momento que reproduzimos consciente e inconscientemente pensamentos e comportamentos no automatismo da branquitude, que se entende como o centro, o normal, o superior.

A chave para mudança é, em primeiro lugar, querer enxergar e estar disposto a perder parte da sua fatia de bolo.

Quem vai continuar defendendo a mudança após tomar consciência disso?