“Cor de pele” é uma cor?
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“Cor de pele” é uma cor?

A gente vive repetindo que as crianças são a esperança de mudança do que queremos ver diferente no mundo… e venho pensado bastante sobre isso ao ouvir “cor de pele” ainda ser utilizada da mesma forma como se fala “azul”, “vermelho, “verde”. C...

Jussara Marra
3 min
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A gente vive repetindo que as crianças são a esperança de mudança do que queremos ver diferente no mundo… e venho pensado bastante sobre isso ao ouvir “cor de pele” ainda ser utilizada da mesma forma como se fala “azul”, “vermelho, “verde”. Como se fosse o nome de uma cor.

Vamos lá.

Quando eu digo AZUL, você sabe de que cor eu estou falando, certo?

E quando eu digo COR DE PELE? Qual é a cor que te vem à mente?

É o bege rosadinho do lápis de cor? É o bege clarinho da lingerie? É o marrom claro da meia calça? É o bege da maquiagem?

A questão é a seguinte: DE QUAL PELE ESTAMOS FALANDO?

E eu disse ali atrás que venho pensado no papel das crianças nessa transformação não à toa.

Talvez precisemos variar um pouco nossas leituras e buscar abrir os olhos para aprender com um dos livros mais legais sobre COR DE PELE que eu conheço: A COR DE CORALINE.

Sim. Estou me referindo a um livro infantil. E daqui em diante, contém spoiler (o que não afasta a lindeza do livro e sua necessidade para crianças e adultos de todas as cores).

Tudo começa com um pedido: “Coraline, me empresta o lápis cor de pele?”. Coraline, uma menina propositalmente não colorida nas ilustrações do livro, começa a devanear. 

“Cor de pele? Cor da pele de quem?” 

Porque se for dos marcianos, pode ser verde. Se for de um reino x, pode ser vermelho. Se for de não sei onde, pode ser amarelo… e assim ela segue até entregar o lápis marrom. Não o begezinho normalizado como “cor de pele”. O marrom marrom mesmo, da cor da sua própria pele, agora colorida nas ilustrações, para o amiguinho, branco, típico “cor de pele normalizado”

Muito se fala sobre o lápis cor de pele. Muito EU falo, inclusive. Mas a nomenclatura vai além do estojo. Vai além de colorir um desenho na escola.

Talvez essa criação expressa e massiva dos “lápis dos diferentes tons de pele” dos últimos anos esteja realmente exercendo seu papel didático, reduzindo um pouco a mania de repetirmos “cor de pele”para aquele lápis de antigamente.

Mas o automatismo vai muito além disso. Ele chega nas lojas dos shoppings, quando escutamos pessoas pedindo “calcinha cor de pele”, “meia calça cor de pele”, “base cor de pele”.. cor de pele, cor de pele, cor de pele.

É inevitável não lembrar da Coraline. Inevitável não ter vontade de fazer como ela. Perguntar cor da pele de quem e começar a devanear como criança sobre marcianos e reinos distantes, sobre cores possíveis e impossíveis. Sobre que bendita cor seria essa tal “cor de pele”.

Aprendemos assim. Repetimos assim. Sempre foi assim.

Mas isso não significa que deva continuar sendo!

Sejamos nós, todos os dias, uma Coraline, ainda que internamente, questionando “cor da pele de quem”?

(E pra quem não conhece a história, vale passar uns minutinhos aqui!)