O medo de dizer “negro"
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O medo de dizer “negro"

Aconteceu pela primeira vez quando a assistente social ligou para falar do Dudu. Era a tão sonhada ligação de quem está na espera pela chegada do filho adotivo.

Jussara Marra
3 min
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Aconteceu pela primeira vez quando a assistente social ligou para falar do Dudu. Era a tão sonhada ligação de quem está na espera pela chegada do filho adotivo.

Ao dar as características físicas dele, ela disse que se tratava de um menino “mulato quase pardo”. Estou até hoje tentando descobrir qual é essa cor. 

Não recebi foto dele antes de conhecer, mas bastou bater o olho nele para ver que ele era um menino negro. Eu estava aberta para a adoção de um menino negro. Não tinha nenhuma razão que justificasse não utilizar “negro” para caracterizá-lo.

Foram muitas outras vezes em que eu ouvi que ele era “moreninho”. Ou vi as pessoas começando uma frase que terminaria com “negro”e desistindo no meio do caminho, em busca de outra palavra para utilizar.

Pois essa semana bateu à minha porta (literalmente) o moço do senso do IBGE. Quem atendeu foi o Dudu.

Enquanto eu respondia, Dudu chutava bola do meu lado.

Eis que ele pergunta: com relação à cor de pele, você se declara…

Branca, eu respondi.

E o Eduardo?

Negro.

Ele: negro mesmo? Pardo não? Você tem certeza?

Negro.

Eu não tenho medo, receio, vergonha. Tenho um filho negro e essa é só uma das várias características dele. Um menino cheio de qualidades (e desafios) como qualquer outro.

Fiquei com essa dúvida do moço na cabeça e fui pesquisar o que o IBGE considerava negro.

“Conforme convenção do IBGE, no Brasil, negro é quem se autodeclara preto ou pardo, pois a população negra é o somatório de pretos e pardos.”

Pois se negros são os pretos e pardos juntos, qual o motivo para o próprio IBGE manter pardo como uma autodeclaração possível?

Ontem sentei pra estudar História com o Dudu e lá estava a miscigenação escrita no caderno. Lemos, estudamos e hoje indo para a escola, saí do que era matéria de prova e fui batendo papo com ele sobre isso de sermos um povo miscigenado e o fato dessa miscigenação não nos fazer iguais.

Tenho duas certezas.

Respondendo ao moço do IBGE: meu filho é negro sim. E com relação ao conceito de miscigenação: por aqui ele será estudado de forma um tanto mais crítica do que aquela que aprendemos lá atrás. 

Pra sorte (ou desespero) de professoras e colegas, a ideia vai ser sempre apostar que a próxima geração está mais preparada ao desenvolvimento de um pensamento crítico. E sem medo de dizer NEGRO.