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Visando dar mais efetividade à mão de obra que possui e diante do aumento de dados advindos do cruzamento de informações bancárias e fiscais, a Receita Federal vem ampliando o seu espectro de fiscalização sobre determinadas áreas econômicas, especialmente aquelas que sabidamente movimentam mais dinheiro. Assim, nos últimos tempos, o “leão” vem analisando, com lupa, as relações econômicas e as suas consequências na arrecadação de impostos entre as empresas e os profissionais da área da saúde, especialmente para verificar a chamada “pejotização”. |
O avanço da economia trouxe consigo grande alteração na forma de trabalho até então existente, que não mais se resume ao clássico trabalho assalariado. Hoje, o que se constata é a existência de profissionais cada vez mais gabaritados e possuidores de diferentes especialidades técnicas, capazes, por isso mesmo, de impor a autonomia da sua vontade e ditar regras no estabelecimento das relações de trabalho. |
Dessa forma, a figura do empregado fragilizado na relação de trabalho deu lugar à prestação de serviços autônomos, executados por profissionais de grande especialização técnica e intelectual, cuja esmagadora maioria se faz representar por meio de pessoas jurídicas criadas para o exercício da livre iniciativa, da livre concorrência, do livre exercício de qualquer atividade econômica e, consequentemente, para a busca do pleno emprego, maior remuneração (lucro) e melhor condição de vida. |
É nesse contexto de maior autonomia dos trabalhadores especializados que surgiu o art. 129[1] da Lei nº 11.196/2005. Referindo-se às obrigações fiscais (imposto de renda, por exemplo) e previdenciárias (INSS), essa lei permitiu que os serviços intelectuais (como a atividade médica) se sujeitassem à tributação aplicável às pessoas jurídicas, quando executados por sociedade prestadora de serviços, ainda que realizados em caráter personalíssimo. |
Desta feita, a legislação brasileira deu aos profissionais da saúde (e a todos os demais que desempenham atividades intelectuais, como advogados, contadores etc.) a possibilidade de exercer a sua atividade de duas formas: como pessoa física (e, aqui, como empregado ou autônomo) ou como pessoa jurídica[2]. |
É nesse contexto que surge a polêmica acerca da “pejotização”, cuja discussão gira em torno do seguinte confronto: flexibilização das normas trabalhistas e, principalmente, fiscais versus existência de legislação que assegura a autonomia da vontade das pessoas na esfera privada, permitindo que os trabalhadores explorem a sua própria atividade intelectual/econômica por meio de pessoas jurídicas constituídas e organizadas para este fim. |
Diante do confronto dessas vertentes, qual delas deve prosperar? Há um ponto de equilíbrio entre elas a ser respeitado pela Receita Federal? |
Pode-se afirmar que o art. 129 da Lei nº 11.196/2005 não deve ser tomado de forma isolado, como única resposta a esse questionamento, pois ele não afasta a possibilidade de reconhecimento do vínculo empregatício entre o trabalhador - contratado sob a roupagem de pessoa jurídica - e o empregador. |
Isso porque, muitas das vezes, a roupagem jurídica dada àquele caso (contratação de pessoa jurídica para prestação de serviços médicos – art. 129 da Lei nº 11.196/05), não condiz com a realidade fática vivenciada no dia a dia, na qual se verifica, diante da análise das provas, que estão presentes todos os elementos fático-jurídicos previstos na norma trabalhista para a configuração da relação de emprego, quais sejam: (i) pessoa física, (ii) pessoalidade; (iii) não eventualidade; (iv) onerosidade e (v) subordinação. |
Assim, quando as condições reais dos contratos de prestação de serviços por pessoa jurídica demonstrarem a existência fática do vínculo de emprego - entre os profissionais da pessoa jurídica prestadora e o contratante dos serviços -, os aspectos formais ou documentais referentes à contração da pessoa jurídica perderão a sua eficácia e, automaticamente, a Receita Federal imputará ao tomador e ao prestador do serviço os efeitos fiscais dessa relação de emprego (recolhimento de imposto de renda pessoa física, INSS, etc). |
Dessa forma, muito embora exista previsão legal para a criação de pessoas jurídicas prestadoras de serviços médicos, as partes dessa relação devem agir com grande cautela nesse tipo de relação jurídica, especialmente para não serem questionados pela Receita Federal. |
Isso, porque a diferenciação entre prestação de serviços por pessoa jurídica e execução de trabalhos por empregado é extremamente tênue, permitindo afirmar que ela somente poderá ser feita caso a caso, mediante a demonstração individualizada da presença de cada um dos 5 (cinco) pressupostos da relação de emprego, especialmente a subordinação. |
Tem-se, portanto, que o art. 129 da Lei nº 11.196/2005 respaldou a contratação de pessoa jurídica para a prestação de serviços médicos (e as demais que desempenham atividades intelectuais, como engenheiros, advogados, contadores etc.), sujeitando esta relação tão-somente à legislação aplicável às pessoas jurídicas. No entanto, restando comprovado que a pessoa jurídica foi interposta como forma de ocultar a relação de emprego e de burlar as obrigações fiscais e previdenciárias (uma simulação), a Receita Federal possui a competência e o dever de desconsiderar esse ato praticado para dissimular a ocorrência dos tributos devidos e, por via de consequência, a obrigação de enquadrar o profissional executor dos serviços como empregado do contratante, com as consequências tributárias inerentes a esse enquadramento. |
[1] “Art. 129. Para fins fiscais e previdenciários, a prestação de serviços intelectuais, inclusive os de natureza científica, artística ou cultural, em caráter personalíssimo ou não, com ou sem a designação de quaisquer obrigações a sócios ou empregados da sociedade prestadora de serviços, quando por esta realizada, se sujeita tão-somente à legislação aplicável às pessoas jurídicas, sem prejuízo da observância do disposto no art. 50 da Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002 - Código Civil.” |
[2] Essa escolha, como se sabe, é feita diante das inúmeras variáveis econômicas e jurídicas inerentes a cada uma, mas sempre tendo como pano de fundo uma premissa básica: por se tratar de uma opção dada ao contribuinte, cabe a ele escolher aquela que melhor lhe aproveite, desde que, na prática, a roupagem jurídica reflita fielmente os fatos ocorridos no dia a dia, ou seja, não consista numa forma de simulação. |