As dificuldades para superar os impasses no Líbano
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As dificuldades para superar os impasses no Líbano

O resultado eleitoral no Líbano mostra o desgaste da população não apenas com o quadro político em si, mas com o próprio sistema que levou o país a uma situação de grave crise econômica e social. Antes considerado um modelo de sucesso econômi...

Henry Galsky05/24/2022
4 min
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O resultado eleitoral no Líbano mostra o desgaste da população não apenas com o quadro político em si, mas com o próprio sistema que levou o país a uma situação de grave crise econômica e social. Antes considerado um modelo de sucesso econômico na região, o Líbano hoje enfrenta inflação superior a 200% e grave deterioração social, levando a taxa de pobreza a 75% da população de 6,8 milhões de cidadãos. A moeda local, a libra libanesa, perdeu 95% do valor frente ao dólar norte-americano, o salário mínimo não dá conta de encher um tanque de gasolina e o fornecimento de energia é restrito a duas horas diárias.

A imagem mostra a destruição causada pela explosão no porto de Beirute, ocorrida em agosto de 2020
A imagem mostra a destruição causada pela explosão no porto de Beirute, ocorrida em agosto de 2020

As eleições parlamentares evidenciam a instatisfação óbvia da população. A milícia xiita Hezbollah - que detinha a maioria do parlamento - teve a maior perda; se no ciclo anterior detinha o controle de 71 das 128 cadeiras, agora perdeu dez assentos, ficando com 61.

Esta eleição possui alguns simbolismos e marcos importantes: foi a primeira desde as manifestações contra a classe política de 2019 e também a primeira desde a explosão ocorrida no porto de Beirute, em agosto de 2020 - a tragédia deixou mais de 200 mortos, milhares de feridos e destruiu parte importante da infraestrutura da capital libanesa. O complexo processo de investigação leva a crer que o acidente teria sido causado pela negligência de autoridades libanesas que permitiram o armazenamento de toneladas de nitrato de amônia num dos armazéns do porto.

E neste aspecto também é possível notar como a situação é complexa. O Hezbollah é um grupo armado, mas que também atua como partido político e organização de assistência social. É considerado como organização terrorista por EUA, Israel, Grã-Bretanha, Austrália, Alemanha. A União Europeia designou o braço armado do grupo como terrorista. A própria Liga Árabe - com exceção do Líbano e do Iraque - também designa o Hezbollah como organização terrorista. Mas o ponto é que o grupo teria usado sua influência interna no Ministério da Agricultura para garantir a importação e armazenamento de nitrato de amônio no porto. A substância é normalmente usada como fertilizante, mas também pode servir como elemento na constituição de explosivos quando misturada a outros componentes.

O principal rival do Hezbollah, o partido cristão Forças Lebanesas (LF), emergiu como o principal vencedor, conquistando 21 cadeiras e se estabelecendo como o maior bloco no parlamento. O LF superou outro partido cristão, o Movimento Patriótico Livre, este aliado ao Hezbollah.

Não é exatamente uma surpresa diante do quadro atual que candidatos independentes e novatos tenham conquistado 14 cadeiras. Este é um dado importante, principalmente porque a setorização do jogo político também criou e ainda mantém "feudos" de controle de poder. E aqui é importante explicar como funciona o processo no Líbano, um país que, a partir da independência da França, ocorrida em 1943, preciou encontrar uma maneira muito específica de modo a viabilizar a grande complexidade religiosa de forma a manter-se como um estado nacional único.

São 18 denominações religiosas. E a coesão se sustenta a partir da Constituição do país que estabelece a necessidade de dividir poderes entres esses grupos no parlamento. Além disso, apesar deste aspecto específico não estar escrito, há um acordo informal para que os três principais cargos de governo sejam repartidos; o presidente deve sempre ser um cristão maronita; o primeiro-ministro, muçulmano sunita; e o presidente do parlamento, muçulmano xiita.

Some-se a este quadro o cenário regional mais amplo, onde a disputa entre os eixos sunita e xiita marca a principal divisão e impasse no Oriente Médio, como faço questão de repetir por aqui. Desta maneira, a maior potência xiita, o Irã, conta com a aliança do Hezbollah para alcançar seus objetivos estratégicos regionais, o mais importante deles a expansão e construção de hegemonia, além da exportação de seu modelo de revolução; evidentemente, esses esforços encontram resistência interna no próprio Líbano também a partir da influência do eixo sunita - liderado pela Arábia Saudita.

E, evidentemente, o projeto iraniano e sua aliança com o Hezbollah também encontram resistência externa (aí já sem presença no jogo político interno libanês) por parte de Israel, que frequentemente realiza ataques aéreos contra a infraestrutura do Hezbollah e também contra a tentativa iraniana de envio de armamento ao grupo. É muito raro que Israel comente de forma aberta sobre essas ações.

Todos esses cenários - interno e externo -, a crise econômica e social, a necessidade de seguir com as investigações após a explosão no porto de Beirute e a própria complexidade do jogo político no Líbano deixam evidentes as grandes dificuldades envolvendo qualquer processo que busque solucionar os muitos impasses que o país tem pela frente. Inclusive (e dentre eles) a própria formação do próximo governo.

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