Se por um lado Israel vive dias de tensão a partir da perspectiva da assinatura de um novo acordo entre o Irã e as potências internacionais (Estados Unidos, Rússia, França, Alemanha, Grã-Bretanha e China), há também a perspectiva de um acordo...
Se por um lado Israel vive dias de tensão a partir da perspectiva da assinatura de um novo acordo entre o Irã e as potências internacionais (Estados Unidos, Rússia, França, Alemanha, Grã-Bretanha e China), há também a perspectiva de um acordo com o Líbano. Não um acordo de paz e normalização de relações, mas um acordo pragmático sobre a fronteira marítima entre esses dois países. E isso, por si só, já representa um grande avanço sem a menor dúvida. | ||
O Líbano vive a pior crise de sua história como estado nacional independente. Crise sobre a qual já escrevi por aqui em algumas oportunidades e cuja bala de prata pode ser estabelecida a partir dos dramáticos eventos do dia 4 de agosto de 2020, quando uma grande explosão no Porto de Beirute matou 220 pessoas. | ||
O processo de investigação deste acontecimento está paralisado desde dezembro de 2021, mas o armazenamento de toneladas de nitrato de amônio - que causou a tragédia - pode estar relacionado à poderosa milícia xiita Hezbollah - o que também poderia explicar as grandes questões internas do jogo político e de poder que impedem o esclarecimento do caso. | ||
Cito o Hezbollah porque, para além da tragédia do porto, sua atuação pode ameaçar também este processo de negociação delicado com Israel sob mediação norte-americana. A disputa pela fronteira marítima está relacionada aos interesses e possibilidades econômicas dos dois atores; Israel e Líbano. Ambos acreditam haver grandes reservas de gás natural nos campos offshore. Israel já opera o campo de gás de Karish. A posição israelense é que o campo está localizado em sua zona econômica exclusiva (ZEE), reconhecida pela ONU. O Líbano diz se tratar de território em disputa. | ||
Mas este não é exatamente um debate novo. Aliás, a controvérsia já ultrapassa os dez anos. No centro da polêmica, 860 quilômetros quadrados do Mar Mediterrâneo. Em 2012, o Líbano rejeitou a proposta norte-americana para encerrar a questão. De acordo com a oferta da época, os libaneses ficaram com 550 quilômetros quadrados, quase dois terços da área. Israel ficaria com o restante. O Líbano não aceitou a divisão na época. Mas agora a situação é diferente. As autoridades libanesas precisam encontrar novas fontes de receitas para buscar caminhos de sair da crise. | ||
E encontrar campos de gás seria um caminho para lá de importante, em especial considerando-se a figura mais ampla, um mundo pós-pandemia e que se deparou com uma guerra entre Rússia e Ucrânia. Uma guerra que está deixando sinais claros, como a necessidade de buscar fontes alternativas de provedores de energia. Israel deve dobrar a capacidade de produção de gás para 40 bilhões de metros cúbicos. Apenas nos seis primeiros meses de 2022, houve aumento de 22% na produção, e o governo planeja levar adiante a exportação à Europa. | ||
Mas a agenda econômica libanesa não necessariamente se adequa à agenda política do Hezbollah, um grupo terrorista que existe sob a bandeira de "resistência a Israel" - muito embora Israel tenha se retirado de uma faixa de cerca de 24 quilômetros de extensão no sul do Líbano no distante ano de 2000. Em 2006, Israel e o Hezbollah travaram uma guerra de 34 dias, um conflito que ficou conhecido como Segunda Guerra do Líbano e que, apesar da vitória israelense, é tratado pela milícia xiita como uma espécie de empate. Na prática, graças a esta guerra o Hezbollah subiu de "patamar" e se tornou o principal ator não-estatal da região. | ||
Paralelamente a isso, o Hezbollah se estabeleceu também como um braço importante da estratégia regional iraniana, que, dentre outros objetivos, pretende ser uma potência regional e liderar o chamado eixo xiita. Lembrando sempre o que escrevo por aqui com frequência: ao contrário do que se imagina ou do que facilmente se repete como lugar-comum, o principal foco desestabilizador do Oriente Médio não é de forma alguma o conflito entre israelenses e palestinos; mas justamente o embate ideológico que passou a geopolítico entre os eixos sunita e xiita. As guerras que o Irã trava diretamente ou por "procuração" estão inseridas neste contexto em que pretende 1) se estabelecer nas fronteiras de Israel e 2) traçar uma linha de poder e, novamente, hegemonia entre os territórios iraniano e libanês, passando pelo Iêmen e pela Faixa de Gaza. | ||
O parágrafo acima é importante para se compreender também o que representa ao Hezbollah (e a seu aliado fundamental e financiador em Teerã) a possibilidade de um acordo - mesmo que indireto - entre o Líbano e Israel sobre a questão da fronteira marítima. Não se trata de um acordo de paz ou normalização de relações, como já mencionei neste texto. | ||
No entanto, a partir deste entendimento, para além dos benefícios econômicos, o estado libanês dá um passo prático e evidente de reconhecer que Israel existe enquanto estado a ponto inclusive de o Líbano ser capaz de chegar a um acordo pacífico acerca de onde começa e termina sua fronteira marítima. E isso não é pouco, muito pelo contrário. É, também de forma prática, a antítese da luta do Hezbollah e do próprio Irã. É um passo (mesmo que tímido) no caminho da normalização de Israel por mais um ator importante da região. |