A nova política externa de Israel tende a ser menos crítica à Rússia. Esta é a posição divulgada pelo ministro das Relações Exteriores Eli Cohen. Para ser mais preciso, Cohen disse que certamente o novo governo deve falar menos sobre o assunt...
A nova política externa de Israel tende a ser menos crítica à Rússia. Esta é a posição divulgada pelo ministro das Relações Exteriores Eli Cohen. Para ser mais preciso, Cohen disse que certamente o novo governo deve falar menos sobre o assunto, o que inclui reduzir as críticas à guerra de Vladimir Putin, posição um pouco diferente da mantida pela breve coalizão anterior liderada por Naftali Bennett e posteriormente por Yair Lapid. Talvez a diretriz de Netanyahu seja construída a partir da visão mais pragmática sobre os interesses de ação israelense na Síria de modo a conter o Irã. Importante sempre lembrar que os ataques a alvos iranianos estabelecidos no país são coordenados com a Rússia, de forma a impedir que se ultrapasse a linha tênue de alvejar posições russas na Síria. Esta é a visão relativamente óbvia e conhecida da relação entre Israel e Rússia. Mas agora, com Netanyahu de volta ao poder, esta proximidade pode atender também a outras expectativas. | ||
| ||
Em meu último texto tratei sobre a aliança do primeiro-ministro israelense com alguns dos principais símbolos da extrema direita do país, casos dos ora elevados a ministros Itamar Ben Gvir (Segurança Nacional) e Bezalel Smotrich (Finanças). Bibi é um político experiente de direita, mas não de extrema direita. O que significa na prática que valoriza, por exemplo, a participação em fóruns internacionais e a construção de alianças com parceiros externos. Uma guinada à extrema direita significa a possibilidade de aumentar o isolamento do país, inclusive a partir de um olhar mais progressista dos EUA, hoje comandados por um presidente Democrata. | ||
E talvez neste ponto esteja a chave para a compreensão dos planos atuais de Bibi. Por isso escrevi em meu texto mais recente que os EUA podem ser considerados, de certa maneira, algozes e salvadores simultaneamente. Isso porque Bibi conseguiu retornar com dificuldade ao cargo. Mesmo depois que os resultados eleitorais apresentaram um cenário relativamente simples para o processo de formação do novo governo, as negociações entre os partidos eleitos à Knesset, o parlamento de Israel, e Netanyahu se estenderam até o último momento possível. Havia até quem apostasse que, apesar de a conta de 64 parlamentares no barco da coalizão dar uma margem de maioria relativamente tranquila (são 120 cadeiras no parlamento), não haveria acordo. Houve acordo. E agora, uma semana depois da posse do novo governo, começamos a entender esses acordos e o porquê de Netanyahu ter corrido para entregar o possível a seus aliados mais radicais de todos os tempos. | ||
Netanyahu não apenas quer o cargo por considerar não haver qualquer outro israelense capaz de exercê-lo, como escrevi no meu último texto. Ele precisa do cargo. E para isso é capaz de tudo, inclusive colocar a democracia israelense sob risco. | ||
O primeiro-ministro permanece em julgamento em três casos criminais. Ele nega que tenha cometido qualquer irregularidade. E não é de hoje que sustenta haver uma perseguição por parte da Promotoria, da Suprema Corte e da imprensa (este é um roteiro clássico de lideranças da extrema direita). | ||
Nesta quarta-feira, o ministro da Justiça Yariv Levin, membro do Likud, partido de Netanyahu, apresentou uma proposta de reforma do Judiciário. A linha principal das mudanças consiste em limitar a capacidade de atuação da Suprema Corte, em especial poderá impedi-la de fazer deliberações e tomar decisões sobre as Leis Básicas de Israel. Uma observação importante: Israel não tem uma Constituição. O conjunto de 13 Leis Básicas formam uma espécie de Constituição, ou seja, algumas das regras que tratam de conceitos fundamentais do país. | ||
A reforma de Netanyahu de quem o ministro da Justiça Levin é porta-voz tem a capacidade de mudar o sistema interno de equilíbrio de forças, os chamados pesos e contrapesos. A democracia israelense é mais simples do que a brasileira, por exemplo. Não há duas câmaras no Congresso e as Leis Básicas não têm a complexidade ou mesmo a força da Constituição. Desta forma, a Suprema Corte é a última garantia para evitar que uma coalizão majoritária na Knesset decida tomar medidas autoritárias ou cometer excessos. A reforma do Judiciário permitirá à maioria de 64 membros da coalizão de Netanyahu fazer o que bem entender, inclusive deliberar sobre as próprias Leis Básicas. | ||
É também claramente uma tentativa do primeiro-ministro de evitar a condenação nos três casos em que é investigado. Seus aliados tentam encontrar uma saída jurídica, que por aqui se chama de "Lei Francesa", a concessão de imunidade a um primeiro-ministro enquanto ele estiver no cargo. Como em Israel não há limitação quanto às reeleições, Bibi estaria a salvo da Justiça desde que fosse capaz de se manter como primeiro-ministro. Apenas a força da oposição e sua capacidade de derrubar a coalizão de governo serão capazes de impedir a manobra em curso que tem como objetivo proteger Netanyahu da investigação. | ||
Bibi agora pode buscar proximidade com Vladimir Putin não apenas como modelo de liderança, mas também para encontrar alternativas ao governo de Joe Biden. Netanyahu parece estar disposto a tudo para permanecer no cargo pelo tempo que for possível. Mesmo que isso signifique atingir o próprio núcleo da democracia israelense e se afastar do principal aliado internacional do país. Internamente, por outro lado, irá tentar conter os ímpetos mais radicais dos membros deste novo governo que lidera a partir das condenações que Washington certamente irá fazer ao longo do mandato. Netanyahu vai usar a atuação dos EUA a seu favor neste novo papel em que ele encontrou para os norte-americanos: salvadores e algozes. Tudo a depender do gosto do primeiro-ministro israelense. |