Em benefício próprio, Netanyahu parte para cima da democracia israelense
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Em benefício próprio, Netanyahu parte para cima da democracia israelense

A nova política externa de Israel tende a ser menos crítica à Rússia. Esta é a posição divulgada pelo ministro das Relações Exteriores Eli Cohen. Para ser mais preciso, Cohen disse que certamente o novo governo deve falar menos sobre o assunt...

Henry Galsky
5 min
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A nova política externa de Israel tende a ser menos crítica à Rússia. Esta é a posição divulgada pelo ministro das Relações Exteriores Eli Cohen. Para ser mais preciso, Cohen disse que certamente o novo governo deve falar menos sobre o assunto, o que inclui reduzir as críticas à guerra de Vladimir Putin, posição um pouco diferente da mantida pela breve coalizão anterior liderada por Naftali Bennett e posteriormente por Yair Lapid. Talvez a diretriz de Netanyahu seja construída a partir da visão mais pragmática sobre os interesses de ação israelense na Síria de modo a conter o Irã. Importante sempre lembrar que os ataques a alvos iranianos estabelecidos no país são coordenados com a Rússia, de forma a impedir que se ultrapasse a linha tênue de alvejar posições russas na Síria. Esta é a visão relativamente óbvia e conhecida da relação entre Israel e Rússia. Mas agora, com Netanyahu de volta ao poder, esta proximidade pode atender também a outras expectativas.

Netanyahu entrega o acordo de formação da coalizão de governo ao presidente de Israel, Isaac Herzog
Netanyahu entrega o acordo de formação da coalizão de governo ao presidente de Israel, Isaac Herzog

Em meu último texto tratei sobre a aliança do primeiro-ministro israelense com alguns dos principais símbolos da extrema direita do país, casos dos ora elevados a ministros Itamar Ben Gvir (Segurança Nacional) e Bezalel Smotrich (Finanças). Bibi é um político experiente de direita, mas não de extrema direita. O que significa na prática que valoriza, por exemplo, a participação em fóruns internacionais e a construção de alianças com parceiros externos. Uma guinada à extrema direita significa a possibilidade de aumentar o isolamento do país, inclusive a partir de um olhar mais progressista dos EUA, hoje comandados por um presidente Democrata.

E talvez neste ponto esteja a chave para a compreensão dos planos atuais de Bibi. Por isso escrevi em meu texto mais recente que os EUA podem ser considerados, de certa maneira, algozes e salvadores simultaneamente. Isso porque Bibi conseguiu retornar com dificuldade ao cargo. Mesmo depois que os resultados eleitorais apresentaram um cenário relativamente simples para o processo de formação do novo governo, as negociações entre os partidos eleitos à Knesset, o parlamento de Israel, e Netanyahu se estenderam até o último momento possível. Havia até quem apostasse que, apesar de a conta de 64 parlamentares no barco da coalizão dar uma margem de maioria relativamente tranquila (são 120 cadeiras no parlamento), não haveria acordo. Houve acordo. E agora, uma semana depois da posse do novo governo, começamos a entender esses acordos e o porquê de Netanyahu ter corrido para entregar o possível a seus aliados mais radicais de todos os tempos.

Netanyahu não apenas quer o cargo por considerar não haver qualquer outro israelense capaz de exercê-lo, como escrevi no meu último texto. Ele precisa do cargo. E para isso é capaz de tudo, inclusive colocar a democracia israelense sob risco.

O primeiro-ministro permanece em julgamento em três casos criminais. Ele nega que tenha cometido qualquer irregularidade. E não é de hoje que sustenta haver uma perseguição por parte da Promotoria, da Suprema Corte e da imprensa (este é um roteiro clássico de lideranças da extrema direita).

Nesta quarta-feira, o ministro da Justiça Yariv Levin, membro do Likud, partido de Netanyahu, apresentou uma proposta de reforma do Judiciário. A linha principal das mudanças consiste em limitar a capacidade de atuação da Suprema Corte, em especial poderá impedi-la de fazer deliberações e tomar decisões sobre as Leis Básicas de Israel. Uma observação importante: Israel não tem uma Constituição. O conjunto de 13 Leis Básicas formam uma espécie de Constituição, ou seja, algumas das regras que tratam de conceitos fundamentais do país.

A reforma de Netanyahu de quem o ministro da Justiça Levin é porta-voz tem a capacidade de mudar o sistema interno de equilíbrio de forças, os chamados pesos e contrapesos. A democracia israelense é mais simples do que a brasileira, por exemplo. Não há duas câmaras no Congresso e as Leis Básicas não têm a complexidade ou mesmo a força da Constituição. Desta forma, a Suprema Corte é a última garantia para evitar que uma coalizão majoritária na Knesset decida tomar medidas autoritárias ou cometer excessos. A reforma do Judiciário permitirá à maioria de 64 membros da coalizão de Netanyahu fazer o que bem entender, inclusive deliberar sobre as próprias Leis Básicas.

É também claramente uma tentativa do primeiro-ministro de evitar a condenação nos três casos em que é investigado. Seus aliados tentam encontrar uma saída jurídica, que por aqui se chama de "Lei Francesa", a concessão de imunidade a um primeiro-ministro enquanto ele estiver no cargo. Como em Israel não há limitação quanto às reeleições, Bibi estaria a salvo da Justiça desde que fosse capaz de se manter como primeiro-ministro. Apenas a força da oposição e sua capacidade de derrubar a coalizão de governo serão capazes de impedir a manobra em curso que tem como objetivo proteger Netanyahu da investigação.

Bibi agora pode buscar proximidade com Vladimir Putin não apenas como modelo de liderança, mas também para encontrar alternativas ao governo de Joe Biden. Netanyahu parece estar disposto a tudo para permanecer no cargo pelo tempo que for possível. Mesmo que isso signifique atingir o próprio núcleo da democracia israelense e se afastar do principal aliado internacional do país. Internamente, por outro lado, irá tentar conter os ímpetos mais radicais dos membros deste novo governo que lidera a partir das condenações que Washington certamente irá fazer ao longo do mandato. Netanyahu vai usar a atuação dos EUA a seu favor neste novo papel em que ele encontrou para os norte-americanos: salvadores e algozes. Tudo a depender do gosto do primeiro-ministro israelense.