Enquanto Israel se debate sobre sua polêmica coalizão de governo, os EUA, principal aliado internacional do país, observam com alguma distância. No entanto, o governo de Joe Biden não abandonou o Oriente Médio, mas busca caminhos que lhe perm...
Enquanto Israel se debate sobre sua polêmica coalizão de governo, os EUA, principal aliado internacional do país, observam com alguma distância. No entanto, o governo de Joe Biden não abandonou o Oriente Médio, mas busca caminhos que lhe permitam contornar os israelenses que, neste momento, estão envolvidos de cabeça nas discussões internas quanto ao caminho que pavimentou o retorno de Benjamin Netanyahu ao cargo de primeiro-ministro. Caminho este sustentado por uma coalizão de seis partidos de direita, extrema direita e ultraortodoxos. | ||
Esta não era certamente a preferência de Biden, nem do partido Democrata e daí se origina a problemática atual entre Washington e o governo em Jerusalém. Ao longo do mandato do ex-presidente Donald Trump dando continuidade à problemática relação que mantinha ainda com o ex-presidente Barack Obama, Netanyahu pode ter cometido o maior erro estratégico de sua sólida carreira política: excluir Israel da curta lista dos chamados "assuntos bipartidários", temas considerados consensuais por Democratas e Republicanos. | ||
Para não ser injusto com o histórico político israelense, esta é uma mudança em curso cuja responsabilidade não pode ser atribuída tão somente a ele, é verdade. A sociedade norte-americana tem mudado, os palestinos têm sido mais hábeis na comunicação internacional, e o próprio partido Democrata de hoje conta com representantes que se opõem a Israel de maneira vigorosa. O retorno de Netanyahu ao centro do tabuleiro regional deixa Biden desconfortável. | ||
A aliança com Israel não será quebrada, mas Washington possivelmente irá aguardar o desenrolar dos acontecimentos. A discussão política interna na sociedade israelense está longe de terminar. | ||
Enquanto aguardam, os membros do alto-escalão nos EUA dão sinais a outros parceiros. A situação regional no Oriente Médio não permite o afastamento total. Até porque os norte-americanos ainda pagam a conta de decisões tomadas no início deste século, como as invasões ao Iraque e ao Afeganistão. | ||
Em meados de dezembro, os EUA promoveram a Cúpula de Líderes EUA-África, evento que reuniu 49 lideranças em Washington e cujo propósito era a contenção da influência chinesa no continente. De acordo com dados divulgados pela revista The Economist, 31% de todos os projetos de infraestrutura na África com valores superiores a 50 milhões de dólares são financiados pela China. | ||
Entre todos os líderes do continente presentes na capital norte-americana apenas um deles teve direito a uma audiência no Pentágono, a sede do Departamento de Defesa do país: o presidente egípcio Abdel Fattah al-Sisi. | ||
Sempre escrevo por aqui sobre os simbolismos da política; aliás, ela mesma pode ser entendida como uma combinação entre os processos que envolvem a tomada de decisões e as diversas demonstrações de capital simbólico. E, em função disso tudo, não se pode esperar exatamente um território livre de contradições. E aqui está a força contraditória de al-Sisi, ex-ministro da Defesa e principal articulador do golpe de Estado contra o antecessor, Mohamed Morsi. | ||
Apesar disso e das acusações quanto a abusos na área de Direitos Humanos, Lloyd Austin, secretário de Defesa dos EUA, elogiou o Egito por a) ter sido o primeiro país árabe a normalizar relações com Israel (1978/79); b) pela administração responsável do Canal de Suez e c) pela assistência vital que o Egito forneceu para a garantia do cessar-fogo em Israel e na Faixa de Gaza em agosto deste ano que se encerra. | ||
O Egito é um aliado menos complexo. Não importa que o país seja governado pelo mesmo presidente que tomou posse após um golpe de Estado em 2014, não importam as acusações quanto a abusos aos direitos humanos. Ao contrário do que ocorre em Israel, nenhuma declaração de al-Sisi e nenhum de seus atos são capazes de provocar grandes manifestações nas capitais europeias ou nas maiores cidades norte-americanas. As decisões ou declarações de al-Sisi não costumam parar nos "trending topics" do Twitter. | ||
E aqui está explicado em boa medida o contorno a Israel. Mas essa história ainda não terminou; no dia 12 de dezembro, o Egito assumiu pela primeira vez o comando da equipe operacional das Forças Marítimas Combinadas (CMF, em inglês). Mais especificamente o comando da Força Tarefa 153 (CTF 153), estabelecida em 17 de abril de 2022. A missão da CTF 153 "é concentrar-se na segurança marítima internacional e nos esforços em curso no Mar Vermelho, Bab al-Mandeb e Golfo de Áden". | ||
Para ficar mais claro, o Egito passa a liderar a força que irá evitar o tráfico de armas, drogas e as movimentações marítimas dos inimigos dos EUA entre o chamado Chifre da África, o Mar Vermelho e a costa do Iêmen. Washington precisa de aliados para evitar problemas (como o patrulhamento de águas internacionais, por exemplo), não criar polêmicas - e aqui entra Israel e a problemática em torno da coalizão de governo liderada por Benjamin Netanyahu. | ||
Vale dizer também que as Forças Marítimas Combinadas (CMF) foram criadas pela Quinta Frota dos EUA. Trata-se de uma parceria marítima internacional que conta com 33 países-membros (o Brasil, inclusive) cujo propósito é conter a atividade de atores não-estatais em águas internacionais. O CMF é comandado por um vice-almirante da Marinha dos EUA, que também atua como chefe do Comando Central da Marinha dos EUA (NAVCENT) e da Quinta Frota da Marinha dos EUA - todos os três baseados no Bahrein. | ||
O foco de Biden no Oriente Médio é a vigilância dos inimigos e a manutenção da mínima estabilidade regional. Apesar de todas as contradições quanto aos chamados "valores", o Egito atende a esses propósitos. E chama menos a atenção do que Israel. Afinal de contas, ninguém parece se importar realmente com o que se passa nas fronteiras do país ou como o governo do Cairo trata as mulheres, as minorias e a própria "democracia". O jogo político sempre foi assim. E vai continuar a ser. Basta manter a discrição. |