No Oriente Médio, Biden prefere a discrição do Egito às complexidades de Israel
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No Oriente Médio, Biden prefere a discrição do Egito às complexidades de Israel

Enquanto Israel se debate sobre sua polêmica coalizão de governo, os EUA, principal aliado internacional do país, observam com alguma distância. No entanto, o governo de Joe Biden não abandonou o Oriente Médio, mas busca caminhos que lhe perm...

Henry Galsky12/29/2022
5 min
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Enquanto Israel se debate sobre sua polêmica coalizão de governo, os EUA, principal aliado internacional do país, observam com alguma distância. No entanto, o governo de Joe Biden não abandonou o Oriente Médio, mas busca caminhos que lhe permitam contornar os israelenses que, neste momento, estão envolvidos de cabeça nas discussões internas quanto ao caminho que pavimentou o retorno de Benjamin Netanyahu ao cargo de primeiro-ministro. Caminho este sustentado por uma coalizão de seis partidos de direita, extrema direita e ultraortodoxos.

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Esta não era certamente a preferência de Biden, nem do partido Democrata e daí se origina a problemática atual entre Washington e o governo em Jerusalém. Ao longo do mandato do ex-presidente Donald Trump dando continuidade à problemática relação que mantinha ainda com o ex-presidente Barack Obama, Netanyahu pode ter cometido o maior erro estratégico de sua sólida carreira política: excluir Israel da curta lista dos chamados "assuntos bipartidários", temas considerados consensuais por Democratas e Republicanos.

Para não ser injusto com o histórico político israelense, esta é uma mudança em curso cuja responsabilidade não pode ser atribuída tão somente a ele, é verdade. A sociedade norte-americana tem mudado, os palestinos têm sido mais hábeis na comunicação internacional, e o próprio partido Democrata de hoje conta com representantes que se opõem a Israel de maneira vigorosa. O retorno de Netanyahu ao centro do tabuleiro regional deixa Biden desconfortável.

A aliança com Israel não será quebrada, mas Washington possivelmente irá aguardar o desenrolar dos acontecimentos. A discussão política interna na sociedade israelense está longe de terminar.

Enquanto aguardam, os membros do alto-escalão nos EUA dão sinais a outros parceiros. A situação regional no Oriente Médio não permite o afastamento total. Até porque os norte-americanos ainda pagam a conta de decisões tomadas no início deste século, como as invasões ao Iraque e ao Afeganistão.

Em meados de dezembro, os EUA promoveram a Cúpula de Líderes EUA-África, evento que reuniu 49 lideranças em Washington e cujo propósito era a contenção da influência chinesa no continente. De acordo com dados divulgados pela revista The Economist, 31% de todos os projetos de infraestrutura na África com valores superiores a 50 milhões de dólares são financiados pela China.

Entre todos os líderes do continente presentes na capital norte-americana apenas um deles teve direito a uma audiência no Pentágono, a sede do Departamento de Defesa do país: o presidente egípcio Abdel Fattah al-Sisi.

Sempre escrevo por aqui sobre os simbolismos da política; aliás, ela mesma pode ser entendida como uma combinação entre os processos que envolvem a tomada de decisões e as diversas demonstrações de capital simbólico. E, em função disso tudo, não se pode esperar exatamente um território livre de contradições. E aqui está a força contraditória de al-Sisi, ex-ministro da Defesa e principal articulador do golpe de Estado contra o antecessor, Mohamed Morsi.

Apesar disso e das acusações quanto a abusos na área de Direitos Humanos, Lloyd Austin, secretário de Defesa dos EUA, elogiou o Egito por a) ter sido o primeiro país árabe a normalizar relações com Israel (1978/79); b) pela administração responsável do Canal de Suez e c) pela assistência vital que o Egito forneceu para a garantia do cessar-fogo em Israel e na Faixa de Gaza em agosto deste ano que se encerra.

O Egito é um aliado menos complexo. Não importa que o país seja governado pelo mesmo presidente que tomou posse após um golpe de Estado em 2014, não importam as acusações quanto a abusos aos direitos humanos. Ao contrário do que ocorre em Israel, nenhuma declaração de al-Sisi e nenhum de seus atos são capazes de provocar grandes manifestações nas capitais europeias ou nas maiores cidades norte-americanas. As decisões ou declarações de al-Sisi não costumam parar nos "trending topics" do Twitter.

E aqui está explicado em boa medida o contorno a Israel. Mas essa história ainda não terminou; no dia 12 de dezembro, o Egito assumiu pela primeira vez o comando da equipe operacional das Forças Marítimas Combinadas (CMF, em inglês). Mais especificamente o comando da Força Tarefa 153 (CTF 153), estabelecida em 17 de abril de 2022. A missão da CTF 153 "é concentrar-se na segurança marítima internacional e nos esforços em curso no Mar Vermelho, Bab al-Mandeb e Golfo de Áden".

Para ficar mais claro, o Egito passa a liderar a força que irá evitar o tráfico de armas, drogas e as movimentações marítimas dos inimigos dos EUA entre o chamado Chifre da África, o Mar Vermelho e a costa do Iêmen. Washington precisa de aliados para evitar problemas (como o patrulhamento de águas internacionais, por exemplo), não criar polêmicas - e aqui entra Israel e a problemática em torno da coalizão de governo liderada por Benjamin Netanyahu.

Vale dizer também que as Forças Marítimas Combinadas (CMF) foram criadas pela Quinta Frota dos EUA. Trata-se de uma parceria marítima internacional que conta com 33 países-membros (o Brasil, inclusive) cujo propósito é conter a atividade de atores não-estatais em águas internacionais. O CMF é comandado por um vice-almirante da Marinha dos EUA, que também atua como chefe do Comando Central da Marinha dos EUA (NAVCENT) e da Quinta Frota da Marinha dos EUA - todos os três baseados no Bahrein.

O foco de Biden no Oriente Médio é a vigilância dos inimigos e a manutenção da mínima estabilidade regional. Apesar de todas as contradições quanto aos chamados "valores", o Egito atende a esses propósitos. E chama menos a atenção do que Israel. Afinal de contas, ninguém parece se importar realmente com o que se passa nas fronteiras do país ou como o governo do Cairo trata as mulheres, as minorias e a própria "democracia". O jogo político sempre foi assim. E vai continuar a ser. Basta manter a discrição.

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