No sábado, um ataque contra um complexo militar em Isfahan, cidade 340 quilômetros ao sul de Teerã, capital do Irã, provocou surpresa na comunidade internacional. Não apenas pela realização do ataque por meio de drones, veículos aéreos não-tr...
No sábado, um ataque contra um complexo militar em Isfahan, cidade 340 quilômetros ao sul de Teerã, capital do Irã, provocou surpresa na comunidade internacional. Não apenas pela realização do ataque por meio de drones, veículos aéreos não-tripulados, mas também porque este é um momento de ampla movimentação no Oriente Médio, o que pode se relacionar com a ação - cuja autoria é desconhecida, mas que certamente foi realizada pelos atores que se opõem ao projeto hegemônico iraniano que inclui o avanço em seu programa nuclear e de desenvolvimento de mísseis balísticos. | ||
A suspeita quanto à autoria recai, claro, sobre quem tem capacidade militar para realizar um operação cara, ousada e que requer capacidade tecnológica para tal: Estados Unidos e Israel. Ambos não comentam de forma oficial sobre o caso, mas o jornal New York Times diz que Israel, em especial o Mossad, o serviço secreto, estaria por trás do ataque. O jornal atribui a informação a fontes do serviço de Inteligência norte-americana. | ||
Israel jamais aceitou o desenvolvimento nuclear iraniano, passo que os israelenses consideram como ameaça existencial ao país. Os EUA preferiram o caminho do diálogo, tendo inclusive chegado a um acordo com o Irã em 2015, ainda na gestão do ex-presidente Barack Obama. Por sinal, este é considerado um dos maiores feitos de sua administração. No entanto, três anos mais tarde, o então presidente Donald Trump decidiu retirar os EUA do acordo, preferindo assumir a postura de pressão máxima sobre o regime. | ||
Se inicialmente o presidente Democrata Joe Biden insistiu para que Washington e Teerã chegassem a um novo consenso, o tempo parece ter desgastado o processo. Na prática, os iranianos encontraram alternativas às sanções, em especial por meio das alianças com China e Rússia. E aí que a política internacional aumenta o escopo do exame que deve ser feito sobre o Irã; a partir da ofensiva russa na Ucrânia, Vladimir Putin tem recorrido ao armamento iraniano, os chamados drones "kamikazes" Shahed-136 usados em ataques contra alvos civis e infraestrutura ucraniana desde setembro de 2022. | ||
Como venho escrevendo por aqui, os iranianos vêm se aproveitando do conflito russo-ucraniano como uma espécie de laboratório militar de forma a aprimorar seus armamentos. O foco de Teerã sempre foi a expansão regional no Oriente Médio, estabelecendo bases e um corredor de livre acesso entre o Irã, Iêmen, Líbano, Síria e Iraque. E também por meio do financiamento de milícias locais, que incluem, aí sim, grupos terroristas palestinos, com destaque para a Jihad Islâmica Palestina na Faixa de Gaza (PIJ, em inglês). | ||
O ataque contra o complexo militar em Isfahan também está sendo vinculado à ofensiva russa. A ponto inclusive de o governo ucraniano ter chamado de volta seu encarregado de negócios em Teerã depois de comentários sobre a operação: "Noite explosiva no Irã. Eu avisei", tuitou Mykhailo Podolyak no domingo. | ||
Talvez seja precipitado vincular a ação diretamente à guerra na Ucrânia. Indiretamente, é possível afirmar que há um desgaste da comunidade internacional - em especial do Ocidente - com o Irã. Cada vez mais, os iranianos se distanciaram das negociações sobre o programa nuclear, mas não apenas isso; desde setembro de 2022, os assuntos internos tornaram mais complexas as aproximações com Teerã, em função dos protestos ocorridos a partir do assassinato pelas forças governamentais da jovem Mahsa Amini. De acordo com a a Agência de Notícias de Ativistas de Direitos Humanos (HRANA), mais de 500 manifestantes, incluindo 69 crianças, foram mortos pelas autoridades iranianas na tentativa de acabar com movimento de contestação ao regime. | ||
Com o retorno de Benjamin Netanyahu ao cargo de primeiro-ministro de Israel, é possível que, de um lado, o presidente Biden também queira reafirmar o compromisso com os israelenses na questão do Irã, permitindo a punição aos iranianos pelo programa nuclear, pela repressão interna e, claro, pela aliança com os russos. Netanyahu está sempre disponível para isso, até porque o Irã é um assunto permanente em sua lista de prioridades. Ao mesmo tempo, caso de fato os EUA tenham dado a luz verde ou até mesmo se associado a Israel neste ataque específico, é provável que com a outra mão façam exigências a este novo governo israelense, de forma a segurar os ímpetos da coalizão mais à extrema direita do país. |