O cidadão, como cliente, é amplamente amparado tanto pelo Código de Defesa do Consumidor, quanto pelo Código Civil em decorrência dos danos que as empresas venham a lhe causar. Entretanto, com a exponencial recorrência de vazamento de dados p...
O cidadão, como cliente, é amplamente amparado tanto pelo Código de Defesa do Consumidor, quanto pelo Código Civil em decorrência dos danos que as empresas venham a lhe causar. Entretanto, com a exponencial recorrência de vazamento de dados pessoais, é possível pedirmos indenização no Judiciário? | ||
Antes de tudo, é possível, sim, entrar com um processo. Agora, se o juiz vai acatar o seu pedido, são outros 500. Portanto, se alguém te garantir que você será indenizado, das duas uma: ou tem maracutaia aí ou querem te enganar. De toda forma, caia fora! | ||
Imagine a seguinte situação: você foi notificado no seu smartphone de que seus dados estão na deep web em decorrência de um vazamento de dados pessoais de determinada empresa – ou de várias empresas. Comum, né? | ||
Mas antes que você saia distribuindo processos contra cada uma delas almejando uma majestosa indenização, não se afobe e leia o que vou te explicar a seguir. | ||
Não há uma pessoa que conviva na sociedade moderna que não tenha sido vitimada com qualquer problema que determinada empresa a tenha causado e, consequentemente, resolveu processá-la a fim de ser indenizada pelo dano que tenha sofrido, de alguma forma. | ||
Somente no Brasil, de acordo com uma recente pesquisa feita pela Association for Computing Machinery (ACM), apontou que episódios de incidente de segurança cresceu 493% em, apenas, 12 meses. Pasmem! | ||
Seguindo nessa linha, imagino que já tenha passado pela sua cabeça se não é viável processar empresa X por ter vazado seus dados na internet, vendido todos eles na deep web e empresas de telemarketing começarem a importunar o seu sossego com ligações, SMS e e-mails diariamente. | ||
Afinal, te incomodarem enquanto trabalha ou em seu horário de descanso – como às 6 horas da manhã do sábado ou às 20:30 de um domingo - lhe causa um certo dano, certo? | ||
Mas, afinal, o que é dano moral? | ||
São muitas as leis que preveem, expressamente, a possibilidade de ser indenizado em caso de dano. Vejamos alguns deles, a título de exemplo: | ||
· Constituição Federal - artigo 5º, inciso X: prevê que os direitos à intimidade e à vida privada são invioláveis e passíveis de indenização por dano moral e dano material em caso de violação; | ||
· Código Civil - artigo 21: “A vida privada da pessoa natural é inviolável, e o juiz, a requerimento do interessado, adotará as providências necessárias para impedir ou fazer cessar ato contrário a esta norma.”; | ||
· Lei 12.965/14 (Marco Civil da Internet) - artigo 3º, incisos II e III: a proteção à privacidade e aos dados pessoais; | ||
· Código de Defesa do Consumidor - artigo 6º, inciso VI: São direitos básicos do consumidor: VI - a efetiva prevenção e reparação de danos patrimoniais e morais, individuais, coletivos e difusos. | ||
Nas lições de Sílvio de Salvo Venosa, o dano moral é um prejuízo imaterial, ou seja, afeta diretamente a saúde psíquica da vítima e, citando Wilson Melo da Silva (1968:249), lembra que o dano moral é a violação de um dos direitos da personalidade previstos no artigo 11 do Código Civil, nas palavras do doutrinador, dano moral é a lesão ao direito à imagem, ao nome, à privacidade, ao próprio corpo, etc. | ||
Em linhas gerais, dano moral é a precificação, em moeda corrente, de todo e qualquer dano que a pessoa tenha sofrido no seu íntimo e que tenha previsão legal de ser plenamente amparada por isso, desde que comprovado o dano através do nexo causal, ou seja, que aquele ato cometido provocou um dano específico. | ||
Entretanto, há o dano moral in re ipsa, que nada mais é aquele dano moral presumido. A regra para a configuração do dano moral é a necessidade de se provar a conduta, o dano e o nexo causal; porém, excepcionalmente, o dano moral é presumido, ou seja, independe da comprovação do grande abalo psicológico sofrido. | ||
Um exemplo de dano moral in re ipsa é o decorrente da inscrição indevida em cadastro de inadimplentes (SPC e SERASA), pois esta presumidamente afeta a dignidade da pessoa humana, tanto em sua honra subjetiva, como perante à sociedade. | ||
Dessa forma, o vazamento de dados pessoais seria configurado um dano moral in re ipsa? | ||
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Casos em que o juiz reconheceu o dano moral | ||
Em setembro de 2020, o TJ/SP fez um marco histórico no Brasil: publicou a primeira sentença condenatória com base na LGPD em face à uma construtora imobiliária, por entender que houve compartilhamento de informações pessoais de um de seus clientes com demais empresas parceiras, sem que houvesse o consentimento daqueles para tal. | ||
O juiz entendeu que o ato ilícito, por si só, gerou o direito ao reconhecimento do dano moral in re ipsa, já que houve, segundo a sentença, violação aos direitos de personalidade. Você pode conferir a notícia aqui. | ||
Numa decisão ainda mais recente, a 4ª Turma Recursal dos Juizados Especiais Cíveis e Criminais da Bahia condenou uma empresa de consórcios de veículos a indenizar um de seus clientes no valor de R$ 9.600,00, a título de danos morais e materiais, após aquele alegar ter sido vítima de fraude em razão de vazamento de dados pessoais. | ||
Nesse caso, de acordo com entendimento da relatora daquele juízo, que foi seguida por unanimidade, a LGPD garante a reparação dos danos independentemente de culpa, bastando, para tanto, a comprovação de que houve, de fato, vazamento de dados, o que, segundo aquela, facilitou a fraude do cliente. | ||
O mais recente caso em que o juiz NÃO reconheceu o dano moral | ||
Em contraponto às decisões acima mencionadas, em abril deste ano, o mesmo TJ/SP - 2ª Vara Cível de Osasco/SP - decidiu por não reconhecer cabível indenização por danos morais em processo por vazamento de dados pessoais. | ||
Uma mulher ajuizou ação contra a empresa Eletropaulo após tomar conhecimento, através de telefonemas de instituto de proteção de dados – IPRODAPE -, de que seus dados pessoais foram vazados num incidente de segurança, tais como nome completo, CPF, e-mail e telefones, e que estariam em poder de terceiros maliciosos. | ||
Ainda de acordo com a ação, ela passou a enfrentar problemas provenientes do tal vazamento, como recebimento excessivo de mensagens indesejadas no celular e no e-mail, ligações de telemarketing, bem como maior cautela ao pagar boletos, motivos pelos quais solicitou indenização por danos morais. | ||
Em seu entendimento, o juiz afirmou que o vazamento de dados, por si só, não é motivo suficiente para haver condenação em indenização, a não ser que o eventual dano seja devidamente comprovado em processo – o que não aconteceu no caso em análise. Dessa forma, o magistrado concluiu no sentido de que o vazamento, por si só, não acarreta consequências gravosas à imagem, personalidade ou dignidade da pessoa humana e que, ainda, tais dados não são acobertados por mínimo sigilo. O processo segue em segunda instância, após interposição de recurso. | ||
Entretanto, cabe aqui ressaltarmos de que há uma diferença entre dados de um indivíduo não ser sigiloso x divulgá-lo pública e indiscriminadamente, como aconteceu no caso em questão. Este é um ponto que merece a atenção não somente dos magistrados, mas da sociedade como um todo. | ||
De toda forma, a LGPD é uma lei que está em vigor há pouco mais de 1 ano e, ainda, é muito cedo para falarmos com propriedade qual o entendimento que os Tribunais têm – nem eles ainda têm o seu entendimento plenamente formado. | ||
Para termos um posicionamento específico de um Tribunal de Justiça, há que se aguardar a maturação que os magistrados têm perante o vazamento de dados pessoais com o julgamento de, cada vez, mais processos judiciais. Mas, invariavelmente, se você foi prejudicado, de alguma forma, com algum vazamento de dados, não hesite e procure seu advogado de confiança. | ||
E você, o que acha sobre isso? | ||
Já compartilha esse link com aquela pessoa que teve seus dados vazados. | ||
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Fontes: | ||
- https://opiceblum.com.br/a-lgpd-e-as-discussoes-sobre-o-dano-moral-in-re-ipsa/ | ||
- VENOSA, Silvio de Salvo, Direito Civil: Responsabilidade Civil. 15. ed. São Paulo: Atlas, 2015. | ||
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