Indenização por vazamento de dados pessoais: é cabível?
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Indenização por vazamento de dados pessoais: é cabível?

O cidadão, como cliente, é amplamente amparado tanto pelo Código de Defesa do Consumidor, quanto pelo Código Civil em decorrência dos danos que as empresas venham a lhe causar. Entretanto, com a exponencial recorrência de vazamento de dados p...

Brunna Maia Mignone
7 min
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O cidadão, como cliente, é amplamente amparado tanto pelo Código de Defesa do Consumidor, quanto pelo Código Civil em decorrência dos danos que as empresas venham a lhe causar. Entretanto, com a exponencial recorrência de vazamento de dados pessoais, é possível pedirmos indenização no Judiciário?

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Antes de tudo, é possível, sim, entrar com um processo. Agora, se o juiz vai acatar o seu pedido, são outros 500. Portanto, se alguém te garantir que você será indenizado, das duas uma: ou tem maracutaia aí ou querem te enganar. De toda forma, caia fora!

Imagine a seguinte situação: você foi notificado no seu smartphone de que seus dados estão na deep web em decorrência de um vazamento de dados pessoais de determinada empresa – ou de várias empresas. Comum, né?

Mas antes que você saia distribuindo processos contra cada uma delas almejando uma majestosa indenização, não se afobe e leia o que vou te explicar a seguir.

Não há uma pessoa que conviva na sociedade moderna que não tenha sido vitimada com qualquer problema que determinada empresa a tenha causado e, consequentemente, resolveu processá-la a fim de ser indenizada pelo dano que tenha sofrido, de alguma forma.

Somente no Brasil, de acordo com uma recente pesquisa feita pela Association for Computing Machinery (ACM), apontou que episódios de incidente de segurança cresceu 493% em, apenas, 12 meses. Pasmem!

Seguindo nessa linha, imagino que já tenha passado pela sua cabeça se não é viável processar empresa X por ter vazado seus dados na internet, vendido todos eles na deep web e empresas de telemarketing começarem a importunar o seu sossego com ligações, SMS e e-mails diariamente.

Afinal, te incomodarem enquanto trabalha ou em seu horário de descanso – como às 6 horas da manhã do sábado ou às 20:30 de um domingo - lhe causa um certo dano, certo?

Mas, afinal, o que é dano moral?

São muitas as leis que preveem, expressamente, a possibilidade de ser indenizado em caso de dano. Vejamos alguns deles, a título de exemplo:

·      Constituição Federal - artigo 5º, inciso X: prevê que os direitos à intimidade e à vida privada são invioláveis e passíveis de indenização por dano moral e dano material em caso de violação;

·      Código Civil - artigo 21: “A vida privada da pessoa natural é inviolável, e o juiz, a requerimento do interessado, adotará as providências necessárias para impedir ou fazer cessar ato contrário a esta norma.”;

·      Lei 12.965/14 (Marco Civil da Internet) - artigo 3º, incisos II e III: a proteção à privacidade e aos dados pessoais;

·      Código de Defesa do Consumidor - artigo 6º, inciso VI: São direitos básicos do consumidor: VI - a efetiva prevenção e reparação de danos patrimoniais e morais, individuais, coletivos e difusos.

Nas lições de Sílvio de Salvo Venosa, o dano moral é um prejuízo imaterial, ou seja, afeta diretamente a saúde psíquica da vítima e, citando Wilson Melo da Silva (1968:249), lembra que o dano moral é a violação de um dos direitos da personalidade previstos no artigo 11 do Código Civil, nas palavras do doutrinador, dano moral é a lesão ao direito à imagem, ao nome, à privacidade, ao próprio corpo, etc.

Em linhas gerais, dano moral é a precificação, em moeda corrente, de todo e qualquer dano que a pessoa tenha sofrido no seu íntimo e que tenha previsão legal de ser plenamente amparada por isso, desde que comprovado o dano através do nexo causal, ou seja, que aquele ato cometido provocou um dano específico.

Entretanto, há o dano moral in re ipsa, que nada mais é aquele dano moral presumido. A regra para a configuração do dano moral é a necessidade de se provar a conduta, o dano e o nexo causal; porém, excepcionalmente, o dano moral é presumido, ou seja, independe da comprovação do grande abalo psicológico sofrido.

Um exemplo de dano moral in re ipsa é o decorrente da inscrição indevida em cadastro de inadimplentes (SPC e SERASA), pois esta presumidamente afeta a dignidade da pessoa humana, tanto em sua honra subjetiva, como perante à sociedade.

Dessa forma, o vazamento de dados pessoais seria configurado um dano moral in re ipsa?

Figura 1. Criminosos roubam dados pessoais - Crédito: IDEC
Figura 1. Criminosos roubam dados pessoais - Crédito: IDEC

Casos em que o juiz reconheceu o dano moral

Em setembro de 2020, o TJ/SP fez um marco histórico no Brasil: publicou a primeira sentença condenatória com base na LGPD em face à uma construtora imobiliária, por entender que houve compartilhamento de informações pessoais de um de seus clientes com demais empresas parceiras, sem que houvesse o consentimento daqueles para tal.

O juiz entendeu que o ato ilícito, por si só, gerou o direito ao reconhecimento do dano moral in re ipsa, já que houve, segundo a sentença, violação aos direitos de personalidade. Você pode conferir a notícia aqui.

Numa decisão ainda mais recente, a 4ª Turma Recursal dos Juizados Especiais Cíveis e Criminais da Bahia condenou uma empresa de consórcios de veículos a indenizar um de seus clientes no valor de R$ 9.600,00, a título de danos morais e materiais, após aquele alegar ter sido vítima de fraude em razão de vazamento de dados pessoais.

Nesse caso, de acordo com entendimento da relatora daquele juízo, que foi seguida por unanimidade, a LGPD garante a reparação dos danos independentemente de culpa, bastando, para tanto, a comprovação de que houve, de fato, vazamento de dados, o que, segundo aquela, facilitou a fraude do cliente.

O mais recente caso em que o juiz NÃO reconheceu o dano moral

Em contraponto às decisões acima mencionadas, em abril deste ano, o mesmo TJ/SP - 2ª Vara Cível de Osasco/SP - decidiu por não reconhecer cabível indenização por danos morais em processo por vazamento de dados pessoais.

Uma mulher ajuizou ação contra a empresa Eletropaulo após tomar conhecimento, através de telefonemas de instituto de proteção de dados – IPRODAPE -, de que seus dados pessoais foram vazados num incidente de segurança, tais como nome completo, CPF, e-mail e telefones, e que estariam em poder de terceiros maliciosos.

Ainda de acordo com a ação, ela passou a enfrentar problemas provenientes do tal vazamento, como recebimento excessivo de mensagens indesejadas no celular e no e-mail, ligações de telemarketing, bem como maior cautela ao pagar boletos, motivos pelos quais solicitou indenização por danos morais.

Em seu entendimento, o juiz afirmou que o vazamento de dados, por si só, não é motivo suficiente para haver condenação em indenização, a não ser que o eventual dano seja devidamente comprovado em processo – o que não aconteceu no caso em análise. Dessa forma, o magistrado concluiu no sentido de que o vazamento, por si só, não acarreta consequências gravosas à imagem, personalidade ou dignidade da pessoa humana e que, ainda, tais dados não são acobertados por mínimo sigilo. O processo segue em segunda instância, após interposição de recurso.

Entretanto, cabe aqui ressaltarmos de que há uma diferença entre dados de um indivíduo não ser sigiloso x divulgá-lo pública e indiscriminadamente, como aconteceu no caso em questão. Este é um ponto que merece a atenção não somente dos magistrados, mas da sociedade como um todo.

De toda forma, a LGPD é uma lei que está em vigor há pouco mais de 1 ano e, ainda, é muito cedo para falarmos com propriedade qual o entendimento que os Tribunais têm – nem eles ainda têm o seu entendimento plenamente formado.

Para termos um posicionamento específico de um Tribunal de Justiça, há que se aguardar a maturação que os magistrados têm perante o vazamento de dados pessoais com o julgamento de, cada vez, mais processos judiciais. Mas, invariavelmente, se você foi prejudicado, de alguma forma, com algum vazamento de dados, não hesite e procure seu advogado de confiança.

E você, o que acha sobre isso?

Já compartilha esse link com aquela pessoa que teve seus dados vazados.

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Fontes:

- https://www.migalhas.com.br/quentes/347444/lgpd-vazamento-de-dados-nao-gera-indenizacao-se-dano-nao-for-provado

- https://opiceblum.com.br/a-lgpd-e-as-discussoes-sobre-o-dano-moral-in-re-ipsa/

- VENOSA, Silvio de Salvo, Direito Civil: Responsabilidade Civil. 15. ed. São Paulo: Atlas, 2015.

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