DE OLHOS ABERTOS
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DE OLHOS ABERTOS

Quantas vezes nos afogamos em piscina rasa? Quantas vezes precisamos apenas ficar de pé? Quantas vezes a queda é de uma altura tão alta, tão amedrontadora que fechamos os olhos e nos negamos a abri-los novamente? E não conseguimos ver que já podemos

Merielle Souza
5 min
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- Vamos, Menina! - Fabricio - meu irmão - gritou, enquanto passava por mim correndo.

- Corre!! Bora! Vai logo, Meri. - Ellen - minha irmã - veio logo atrás, com suas gaiatices.

Estávamos no Ecopark - um parque aquático que tínhamos aqui em Maceió, num cenário bem arborizado, naturalmente lindo, com algumas piscinas e uns três escorregadores, um deles mais alto - para onde estávamos indo.

Eu amo uma boa aventura, mas meus irmãos... Ah! Eles são bem mais loucos que eu. Confesso que muitas das estripulias que fizemos juntos, foram culpa deles.

Eles encaram com empolgação e sem medo, eu vou junto na empolgação, mas com medo.

Acho que o medo desiste dos dois e fica todinho comigo.

Na euforia, brincando, rindo, tirando onda... vou junto.

Quando chego na 'zona de perigo'...

- Como vim parar aqui? Por que simplesmente não mantenho distância quando eles têm essas ideias?

E, mais uma vez... lá estou eu.

Dessa vez, escutando as recomendações do que fazer e não fazer pra não me acidentar ao descer o escorregador de cerca de não sei quantos metros de altura - essa parte não consegui escutar - enquanto o instrutor falava eu pensava se seria uma morte rápida ou apenas uma queda bem ensanguentada.

Ah! Deixa eu te contar: Não simpatizo muito com altura.

Entende o pavor?

Chega a minha vez...

Sento, estico as pernas bem juntinhas, cruzo os braços sobre os peitos, deito e... não desço, precisa de um empurrãozinho pra... Uauuuu!

Não tem freio!

Aaaahhhhhhh!

É só ladeira abaixo.

Nesse caso...

Escorrega abaixo!

Altos gritos!!!

Desesperada!

Vabei!

Caio na água.

Continuo...

Desesperada!

Ai meu Deus!!!

Eu tô me afogando!!

Agora, sou o desespero em pessoa.

E lá, me debatendo na água, vejo um par de pernas se aproximar e falar num tom masculino:

- Moça, fique de pé.

- Me ajude! Eu não consigo! - Respondi engolindo água.

- Se eu lhe ajudar vai ser muito pior. Vá por mim, apenas fique de quatro e levante.

Abri os olhos. Apoiei as mãos no chão - foi quando percebi que já estava ajoelhada - e me levantei.

Agora de pé, olhando nos olhos desse rapaz que estava bem de frente pra mim, rimos descabreados.

Eu morta de vergonha e ele com vergonha alheia.

Foi quando entendi que o seu "muito pior" se referia a tamanha humilhação que eu passaria sendo resgatada por um salva vidas numa piscina rasa, tão rasa que a água ficava na altura dos nossos joelhos.

Quantas vezes nos afogamos em piscina rasa?

Quantas vezes precisamos apenas ficar de pé?

Quantas vezes a queda é de uma altura tão alta, tão amedrontadora que fechamos os olhos e nos negamos a abri-los novamente?

E não conseguimos ver que já podemos ficar de pé.

Não foi a queda do escorrega que me desesperou, ela foi tão rápida, desci em menos de um minuto. Foi o estar de olhos fechados que aumentou a profundidade da piscina na minha mente.

Eu estava com tanto medo que não queria nem ver, só sobreviver.

Poucos anos depois desse 'mico aquático'...

Lá estava eu, novamente sendo levada por livre e espontânea folia entre irmãos para um brinquedo que balançava de um lado para o outro, continuamente, aumentando a velocidade até quase girar todo, dando a sensação de que em algum momento ficaria de cabeça para baixo e começaríamos a despencar.

Nesse parque de diversões, nossa turminha, animada como sempre, atraiu uma turminha que estava lá e se empolgou com nossas resenhas. Nos misturamos, uns sentaram de um lado da barca e outros do outro, só pra rir da cara de pavor que faríamos e pra agitar a brincadeira.

Liga o motor...

A Barca começa a balançar, começamos a resenhar, brincar, tirar onda da cara do outro.

Agora, estou lá no alto, eles lá embaixo.

O medo do alto me pega novamente, começo a brincar quando estou embaixo e a gritar apavorada de olhos fechados quando volto pra cima.

Nesse vai e vem, o condutor do brinquedo se empolga com a nossa agitação e parece não querer acabar mais o nosso tempo, estica um tiquinho mais.

- Essa turma é bem animada. - Ele repetia.

Eu já estava louca pra acabar, cansada desse pavor sob euforia.

Cansei. Não fechei mais os olhos.

Pude ver as luzes da cidade lá do alto, um cenário lindo.

Descobri que o segredo era não olhar pra baixo e curtir a vista lá de cima.

Assim é a vida, algumas vezes caímos numa situação onde o medo nos afoga em preocupações, angustias, incertezas, perdemos totalmente a noção de onde estamos, perdemos o chão, a noção de como ficar de pé.

Fechamos os olhos, pra não ver a profundidade da dor, ao ponto de não perceber que estamos nos afogando numa situação tão rasa.

O mesmo medo que se apodera de você numa queda, sussurra ao seu ouvido, quando está subindo, coisas do tipo:

- Olha lá pra baixo! Quanto mais você subir, mais alta será a queda.

- Tá muito feliz, nem parece que tudo isso está acontecendo.

- Vai, se apaixona... depois... decepciona.

Poderia dizer: "Encare o medo!"

Era isso que eu achava que fazia, quando me permitia viver aquelas estripulias. O famoso "Vai com medo mesmo" - E haja tensão.

Hoje, prefiro dizer: Se permita ver exatamenta onde está, assim vai saber como ficar de pé ou terá uma vista incrível.

Consciente de que a vida tem seus altos e baixos, seus dias bons e outros não tão bons assim.

Enfim...

Mantenha os olhos abertos.

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