A origem do Registro de Imóveis brasileiro propriamente dito reporta à Lei Hipotecária de 1864, que lançou as bases para a evolução posterior.
Lei Hipotecária de 1864 e implementação do Registro Geral de Imóveis | ||
A primeira tentativa de ordenar a situação fundiária brasileira remete ao chamado registro do Vigário, analisado no post anterior. Mas a implementação de um sistema registral imobiliário propriamente dito no Brasil se deve à Lei nº 1.237/1864, que implementou o Registro Geral de Imóveis. | ||
São características marcantes do sistema concebido pela Lei nº 1.237/1864: | ||
↪ Livros: A Lei previu 8 livros para diferentes tipos de títulos, alguns continuam em uso até hoje. | ||
↪ Eficácia: Nesse regime, propriedade era transmitida pelo contrato (princípio da consensualidade), e o registro tinha apenas caráter declaratório, mas era necessário para produzir efeitos perante terceiros. [art. 8º da Lei Imperial nº 1.237/1.864] | ||
↪ Publicidade registral: O sistema de título pode ser considerado um avanço em direção à publicidade registral, se comparado com o anterior sistema de transferência por simples entrega (tradição) da coisa. | ||
↪ Escrituração: Tanto as transmissões quanto as hipotecas eram registradas pela transcrição dos títulos e indexação a partir dos nomes das pessoas envolvidas na relação obrigacional (fólio pessoal). | ||
↪ Implicações práticas: Uma transcrição poderia abranger vários imóveis se fossem objeto de uma mesma transação, ou, ainda, referir-se a uma fração de um imóvel. | ||
Essa lei foi posteriormente substituída pelo Decreto nº 169-A/1890, regulamentado pelo Decreto nº 370/1890. Este manteve o Registro Geral, mas passou a exigir especialização das hipotecas e ampliação da publicidade. | ||
Código Civil de 1916 e gênese do Sistema de Título e Modo | ||
O Código Civil de 1916 alterou o nome "Registro Geral" para "Registro de Imóveis", e marcou a mudança do sistema do título (da lei hipotecária de 1864) para um sistema do título e modo. | ||
↪ Eficácia registral: O registro passa a ser necessário para a constituição da propriedade e transferência do domínio (art. 530, CC/1916), gerando presunção de domínio em favor do titular. | ||
↪ Sistema Constitutivo Impuro: Influência da matriz romanista, mantendo o registro como constitutivo de direitos, mas também causal (sistema do título e modo). | ||
↪ Paralelo com o Direito Alemão: Diferentemente do sistema alemão (sistema do modo), no brasileiro a invalidade da causa pode acarretar o cancelamento do registro (causalidade). | ||
↪ Principiologia: O CC/1916 consagrou os princípios da inscrição, prioridade, legalidade, especialidade, publicidade e presunção, mas não adotou o princípio da fé pública. | ||
A disciplina subsequente do direito registral se deu por meio de decretos, dentre os quais se destacam: | ||
↪ Decreto 18.542/1928: Regulamentou a Lei nº 4.827/1924, consagrando o princípio da continuidade registral (necessidade de registrar o título anterior para a inscrição ou transcrição de qualquer título derivado). | ||
↪ Decreto nº 18.527/1928 e Decreto nº 4.857/1939: Inclusão de novas figuras jurídicas como loteamentos urbanos e rurais, promessa de venda, contrato de penhor rural e condomínio em prédios de apartamentos. | ||
A Lei dos Registros Públicos de 1973 e a consolidação do Registro de Imóveis | ||
O ápice dessa evolução se deu com a edição da Lei nº 6.015/1973 (Lei dos Registros Públicos), que consolidou todos os princípios do Registro de Imóveis em um único diploma legal, revolucionando o sistema registral. | ||
↪ Unificação dos Livros: Todos os livros escriturais foram consolidados em um único livro principal (Livro 2 - Registro Geral). | ||
↪ Criação da Matrícula: A matrícula representa a individualidade do imóvel, com descrição geográfica e averbação de alterações. | ||
↪ Terminologia: A lei esclareceu a distinção entre atos de registro e averbação (embora haja algumas imprecisões na enumeração desses atos): | ||
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Art. 172. No Registro de Imóveis serão feitos, nos termos desta Lei, o registro e a averbação dos títulos ou atos constitutivos, declaratórios, translativos e extintos de direitos reais sobre imóveis reconhecidos em lei, “inter vivos” ou “mortis causa” quer para sua constituição, transferência e extinção, quer para sua validade em relação a terceiros, quer para a sua disponibilidade. | ||
O Registro de Imóveis no Código Civil de 2002 | ||
O Código Civil de 2002 fortaleceu a relação com a LRP, consolidando os princípios registrais e reafirmando a natureza constitutiva do registro imobiliário brasileiro (art. 1.227): | ||
Art. 1.227. Os direitos reais sobre imóveis constituídos, ou transmitidos por atos entre vivos, só se adquirem com o registro no Cartório de Registro de Imóveis dos referidos títulos (arts. 1.245 a 1.247), salvo os casos expressos neste Código. | ||
↪ Eficácia registral: O atual CC reforçou a presunção relativa do registro para estabilizar o sistema brasileiro em relação aos atos jurídicos de propriedade imobiliária. | ||
Art. 1.245. Transfere-se entre vivos a propriedade mediante o registro do título translativo no Registro de Imóveis. § 1º Enquanto não se registrar o título translativo, o alienante continua a ser havido como dono do imóvel. § 2º Enquanto não se promover, por meio de ação própria, a decretação de invalidade do registro, e o respectivo cancelamento, o adquirente continua a ser havido como dono do imóvel. | ||
↪ Adquirente de boa-fé: O Código atual (art. 1.247), diferentemente do anterior, não protege o adquirente de boa-fé da pretensão reivindicatória do proprietário em caso do cancelamento do registro cujo teor não exprime a verdade. | ||
Art. 1.247. Se o teor do registro não exprimir a verdade, poderá o interessado reclamar que se retifique ou anule. Parágrafo único. Cancelado o registro, poderá o proprietário reivindicar o imóvel, independentemente da boa-fé ou do título do terceiro adquirente. | ||
Bibliografia: | ||
EL DEBS, Martha. Legislação Legislação Notarial e de Registros Públicos Comentada Artigo por Artigo, 6.ed. São Paulo: Juspodvm, 2023. |