Bombeiros nunca estão de folga
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Bombeiros nunca estão de folga

Assim como as cobras podem surgir embaixo de uma máquina de lavar às três da manhã (não me pergunte o que alguém fazia com a máquina de lavar as três da manhã), aviões caem do céu as três da tarde e viadutos desabam as dezoito.

DRI SANTTOS
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São 24 horas a vida inteira, e não há preparo para salvar seu ídolo

Retornava de uma viagem curta à  Prado na Bahia ontem, segunda feira, quando me deparei com um acidente grave na  rodovia. O relógio mostrava aproximadamente meio dia. E você me pergunta: um acidente grave numa segunda-feira meio dia ? Pois bem, se tem algo que aprendi nesses quase oito anos de bombeiro é que emergências não tem hora preferida.

Assim como as cobras podem surgir embaixo de uma máquina de lavar às três da manhã (não me pergunte o que alguém fazia com a máquina de lavar as três da manhã), aviões caem do céu as três da tarde e viadutos desabam as dezoito. 

Sempre que passo por um acidente na rodovia, avalio a real necessidade de parar no acostamento, se já existe algum órgão atuando, se a sinalização está adequada, pois um local sem vítima só precisa de um curioso que passe olhando pro lado e não pra frente para se tornar um local com muitas vítimas. Vi que não havia Samu ou Bombeiro no local e que pessoas tentavam retirar alguém de dentro do carro.

Perguntei a minha noiva Izabella se tínhamos luvas, e graças a Deus tínhamos. Ela já me ajudou em outros acidentes e já sabia o que fazer, se cuidar para que não se tornasse outra vítima e tentar sinalizar de forma segura.  No carro havia uma senhora no banco do motorista com TCE (trauma crânio encefálico) grave, e o outro ocupante, seu marido se encontrava do lado de fora, consciente e orientado. 

Ao fazer uma rápida avaliação da segurança de todos ali, me vi fora da minha zona de conforto, em outro estado, lidando com pessoas com costumes diferentes dos meus. Apesar do costume com esse tipo de ocorrência a primeira vez que algo acontece em nossa carreira, o primeiro bebê, o primeiro parto, o primeiro acidente, a primeira vez de cada coisa é sempre carregada de adrenalina. 

Era a primeira vez que eu teria que atuar tão longe de casa. Curiosamente todo mundo ali em volta do carro se conhecia, eram parentes e amigos das vítimas que chegaram a jato pra ajudar!  E pasme !  Quando a viatura do SAMU chegou também a jato, os socorristas conheciam todos ali. De repente me vi numa situação desafiadora, atender alguém que eu não conhecia era o normal, mas alguém que era conhecida por todo mundo... 

Lidar com familiares e amigos das vítimas durante uma ocorrência nunca é uma tarefa fácil.

arquivo pessoal
arquivo pessoal

É isso. Acabou a minha parte.

Tudo correu bem, e a retirada da vítima apesar das dificuldades com as ferragens se deu de uma forma tranquila. Ela foi encaminhada para o hospital mais próximo e eu...

...Bem, com a saída da ambulância, retornei ao meu carro pra trocar a blusa que havia sujado de sangue, e respirei fundo. "É isso. Acabou a minha parte." Mas a adrenalina ainda queimava minha veias, a respiração ainda ofegante, as mãos um pouco trêmulas. Mas acabou.

Eu fiz uma diferença pequena ali ajudando e provavelmente não vou ver aquelas pessoas nunca mais na vida. Não me recordo de todas as pessoas que atendi na vida, mas certamente algumas nos marcam. As primeiras sempre marcam.

Se algum dia esse texto chegar neles queria que soubessem que são momentos assim que me dão sentido, e me norteiam. Momentos em que sinto que ajudei, que fiz diferença com pouco, que tornam mais leves o dever de estar de plantão 24 horas a vida inteira.


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